Menos da metade dos casos que envolveram a morte de pessoas trans no Ceará em 2024 resultaram em prisões

O Ceará ficou em primero colocado no ranking de assassinatos entre os estados do Nordeste e em terceiro do País

06:00 | Jan. 24, 2025

Por: Gabriel Damasceno
Dia Nacional da Visibilidade Trans e Travesti (foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)

Quatro dos nove casos que envolveram a morte de pessoas trans no Ceará em 2024 resultaram em prisões. Oito indivíduos foram presos. Em um dos casos, o suspeito morreu durante a ocorrência. Outras três situações relacionadas a crimes de homicídios seguem em investigação. O Estado, além disso, ficou em terceiro colocado no ranking de assassinatos em todo o país e em primeiro do nordeste.

Os dados são do Dossiê de Assassinados de 2025 da Rede Trans Brasil. A pesquisa completa será publicada na quinta-feira, 29, mas foi adiantada ao O POVO.

O Ceará chegou a ocupar a segunda colocação no ranking nacional em 2020. Na época, 22 assassinatos foram registrados. Apesar de ainda serem alarmantes, os casos vêm diminuindo.

Dediane Souza, doutoranda em antropologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e autora do livro ‘Dando o Nome: Narrativa de humanidade de travestis’, acredita que a redução é resultado do trabalho de movimentos sociais.

"Eles passaram a reivindicar mecanismos que identificam esses casos. Desde 2017, a partir do caso de Dandara Ketlyn, foram construídos um conjunto de mecanismos de quantificação de dados, de reconhecimento dessas violências e desses atravessamentos", explica.

Ao todo, 105 pessoas trans foram assassinadas no Brasil em 2024, conforme o estudo. O número faz do País o líder global em mortes pelo 17º ano seguido. O Nordeste representa 38,8% dos casos.

"Cerca de 60% dessas pessoas trans que estão sendo assassinadas são pretas ou pardas. A questão racial é um elemento muito frequente que a gente percebe", destaca Sayonara Nogueira, autora do dossiê e secretária de comunicação da Rede Trans Brasil.

"A maioria das vítimas, cerca de 90%, são mulheres trans e travestis. Quanto mais próximo da construção social e cultural do feminino, maior vai ser a violência", adiciona.

Um ponto de destaque é que grande parte das mortes — aproximadamente 50% — acontecem em vias públicas, seguido pela própria residência da vítima.

"Isso mostra que existe uma urgência na construção de espaços seguros para o exercício dessa identidade de gênero e do exercício, em sua plenitude, da cidadania de pessoas trans e travestis", ressalta Dediane.

"Quando a gente vai pensar no campo da rede de proteção, o Ceará tem uma marca importante. A gente tem um equipamento a nível estadual, o Centro de Referência LGBTI+ Thina Rodrigues, e o Centro de Referência LGBT Janaína Dutra, em Fortaleza. Eles são fundamentais quando também se articulam com outros espaços, como delegacias", continua.

O que está sendo feito pela Secretaria de Segurança?

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Estado do Ceará (SSPDS-CE), afirma que mantém um diálogo com outras pastas, como a Secretaria da Diversidade (Sediv), com o objetivo de reduzir a vulnerabilidade das pessoas trans e travestis no Ceará. Eles destacam que os crimes são monitorados por meio da Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública (Supesp) e estão disponíveis para consultas públicas.

"Entre os equipamentos disponíveis para o atendimento à população trans e travestis, a SSPDS pontua o funcionamento da Delegacia de Repressão aos Crimes por Descriminação Racial, Religiosa ou Orientação Sexual (Decrim), no bairro Papicu. A unidade especializada da Polícia Civil do Estado do Ceará (PCCE) oferece atendimento adequado e humanizado às vítimas. Já os crimes de violência doméstica e familiar contra mulheres trans e travestis podem ser registrados em qualquer uma das 10 delegacias de Defesa da Mulher (DDM) da PCCE", cita o documento.

A Polícia Militar do Estado do Ceará (PMCE), além disso, conta com o Comando de Prevenção e Apoio às Comunidades (Copac). Eles acompanham vítimas e familiares, por meio do Grupo de Apoio às Vítimas de Violência (GAVV). "O acompanhamento é feito por tempo indeterminado, a partir da solicitação da vítima e familiares".

"Em dezembro de 2024, o Governo do Ceará sancionou o Projeto de Lei para a reestruturação da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) e de todas as suas vinculadas. Entre as mudanças, destaca-se a criação de setores de apoio, no âmbito da Coordenadoria de Defesa Social (Codes), para o atendimento aos grupos vulneráveis, como a população trans e travesti", continua a nota.

Cidades em que pessoas trans foram assassindas no Ceará em 2024:

  • Fortaleza (6);
  • Russas (1);
  • Sobral: (1);
  • Juazeiro do Norte (1).

Correção: A SSPDS afirma que, diferente dos dados iniciais da pesquisa, "quatro deles resultaram em oito capturas em flagrante ou por mandados cumpridos pelas Forças de Segurança do Ceará". Em um quinto caso, a vítima morreu no local, durante uma briga com o suspeito, "que também foi lesionado no conflito, socorrido, mas não resistiu aos ferimentos".

Outras três situações relacionadas a crimes de homicídios seguem em investigação pela Polícia Civil do Estado do Ceará (PCCE).

"Já sobre uma morte ocorrida em 23 de dezembro de 2024, diferente do que foi publicado pela pesquisa, que classificou a situação como 'assassinato', as circunstâncias dessa ocorrência seguem em investigação, uma vez que a vítima foi encontrada sem sinais aparentes de violência", cita a secretaria.

O monitoramento do Dossiê é baseado em casos divulgados em meios de comunicação. Não em dados governamentais. Eles utilizam o Google Alerta para filtrar as matérias. Quando as informações chegam via Facebook, Whatsapp, Instagram ou e-mail, é solicitada a confirmação dos casos através das afiliadas da Rede Trans. Depois de checados, as informações são adicionadas ao Dossiê.

Os dados da pesquisa também serão atualizados, segundo a autora. A metodologia,de acordo com ela, é feita dessa forma por conta da falta de dados sobre a população em alguns locais do país.