Proibição de celulares: escolas se adaptam à mudança na volta às aulas
Com retorno do período letivo, escolas particulares de Fortaleza estão se adaptando às novas mudanças. Instituições de ensino da rede pública se preparam para o retorno às aulas
21:44 | Jan. 23, 2025
Com o retorno às aulas das escolas da rede particular de ensino nas primeiras semanas de janeiro, o impacto do uso de celulares entre crianças e adolescentes voltou a ser centro de discussões. A medida que restringe o uso desses aparelhos em escolas de todo o Brasil promete assegurar a saúde mental, física e psíquica das crianças e adolescentes.
Sanção da Lei nº 15.100/2025 foi assinada na segunda-feira, 13, pelo presidente Lula (PT).
Na visão da psicóloga e psicopedagoga Ana Letícia Soares, a longo prazo, a mudança deve promover mais ganhos que perdas em relação ao desenvolvimento psicossocial dos alunos. De acordo com a especialista, com o acesso cada vez mais precoce aos eletrônicos, os estudantes acabaram desenvolvendo uma dependência do uso de celulares.
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“Eles ficavam ali com frequência consultando os celulares e, muitas vezes, não tinha a ver com o conteúdo dado em sala de aula. Isso estava atrapalhando a concentração e, consequentemente, a aprendizagem deles. Estava impactando também na socialização, porque nos momentos de recreio eles não estavam verdadeiramente interagindo, ficava cada um no seu celular”, explica.
Segundo a psicopedagoga, a relação entre professores e alunos também estava sendo afetada pelo uso indiscriminado dos aparelhos, uma vez que, sozinho, o educador não consegue vigiar e controlar o acesso aos eletrônicos durante as aulas.
“Eles não estavam mais escrevendo, eles não estavam mais copiando, estavam batendo fotos da lousa. Eles diziam ‘eu vou passar a limpo em casa’, só que a gente não sabe se isso acontecia. Então, ficava algo comprometido, porque não queriam sequer copiar as instruções no caderno”, detalha.
As mudanças na convivência em sala de aula também já foram percebidas pelos professores. Nas aulas de Ciências e Biologia do professor Arthur Silva, 25, o docente percebeu que os alunos estão mais concentrados e que eles começaram a interagir mais entre si, voltando a participar ativamente das atividades propostas pelo professor.
“Eles ficam prestando mais atenção e acabam interagindo mais com os outros alunos. Eu percebi que no momento que não estou explicando, que eu permito que eles fiquem livres um pouco, rapidamente eles começam a conversar. Eu percebi que os alunos que mexiam muito no celular, eles passam a conversar mais. Eles não ficam fazendo nada, eles procuram alguma coisa para fazer e interagir”, detalha.
Apesar das boas expectativas, a nova legislação também foi alvo de polêmica entre os pais dos estudantes. Entre os que argumentam contra a medida, a principal queixa se debruça sobre perder o contato com os filhos durante o período letivo. Sobre isso, a psicopedagoga explica que a responsabilidade de promover o contato entre o estudante e seus familiares cabe à escola.
Por outro lado, a notícia sobre a restrição do uso de celulares nas escolas foi bem recebida por Helane Nascimento, mãe da Luna Nascimento, 10. Com a filha cursando atualmente o 5º ano, a professora explica que a criança costumava levar o celular para ouvir música, jogar e assistir vídeos durante o intervalo. A partir da nova medida, ela conta que percebeu mudanças no comportamento da filha.
“Eu percebi, sim, diferença no comportamento dela. Eu acho que o principal é o aumento da interação dela com as outras crianças. No intervalo, ela tá conversando mais, brincando com outras crianças, que antes ela não brincava. Tá aumentando o convívio com outras crianças; jogando bola. Ela tá levando bola para jogar vôlei na hora do intervalo. Então, as crianças estão se reinventando, estão vivendo no mundo real novamente”, defende.
Proibição de celular em sala de aula: crianças e adolescentes passam por processos adaptativos diferentes
De acordo com Ana Letícia, crianças e adolescentes estão sendo impactados de forma diferente pela medida. Com relação aos alunos do Ensino Fundamental I, estudantes entre 7 e 11 anos, a especialista destaca que ainda há um certo tipo de controle com relação ao uso de aparelhos eletrônicos por parte da própria família, especialmente pelo receio dos pais de que os esses alunos percam ou quebrem os aparelhos.
“Existe uma diferença na medida em que eles não escrevem tanto; não leem com muita frequência, não têm o hábito da leitura, porque eles estão ali o tempo todo com acesso à vídeo, constantemente. Então, a leitura se torna escassa na infância, nessa faixa inicial. (...) Isso vai impactar no desenvolvimento de produção de textos, na escrita correta das palavras, na criatividade e na concatenação de ideias”, explica.
No caso de adolescentes, a especialista destaca que as principais consequências da restrição do uso de celulares devem impulsionar o desenvolvimento de interações sociais, especialmente a partir da redução do uso das redes sociais. Ela explica que o incentivo ao uso de ferramentas lúdicas como brinquedos, jogos de tabuleiro e até mesmo do fomento aos esportes, podem funcionar como boas estratégias para a adaptação desses alunos.
“Nesse momento inicial, alguns jovens estão tendo ansiedade, que a gente chama de abstinência do eletrônico; a dependência, que é a nomofobia. Esses que têm uma dependência mais intensa estão demonstrando uma certa inquietação em sala. Mas, como todo processo de adaptação, a tendência é que isso vá sendo superado”, acrescenta.
O estudante do 1º ano do Ensino Médio, José Gabriel dos Santos, 15, conta que sua escola já adotava a restrição do uso de celulares. Acostumado a guardar o celular em uma caixinha, ele explica que as maiores mudanças foram percebidas na hora do recreio, momento em que costumava ter acesso ao aparelho.
“Eles adotaram um negócio que chama ‘caixinha do celular’. Sempre deixava lá e só pegava na hora do recreio. Essa foi a mudança. Na aula, já tinha as atividades pedagógicas no celular, aí eles liberavam”, explica.
Sobre as mudanças no nível de socialização com os amigos, o adolescente revela que gostou da medida e que passou a conversar mais com os colegas. “A gente tá conversando mais. Na primeira semana de aula, o coordenador deu a ideia de levar jogos, para a gente ficar jogando lá. Aí tá sendo bom. Ano passado, todo mundo ficava no celular na hora do recreio também, eu também ficava, não vou mentir. Agora tá melhor”, confessa.
Proibição do uso de celulares: escolas públicas da rede estadual e municipal se preparam para as mudanças no retorno às aulas
Na rede pública de ensino do Ceará e de Fortaleza, os preparativos para o retorno às aulas frente às novas mudanças seguem a todo vapor. Na rede municipal de ensino, a volta às aulas está prevista para 30 de janeiro. Na rede estadual, os alunos têm retorno marcado para o dia 3 de fevereiro.
Procurada pelo O POVO, a Secretaria Municipal de Educação (SME) afirmou, em nota, que a utilização da tecnologia junto de um planejamento pedagógico alinhado ao currículo escolar, sob orientação dos professores, já era prevista nas orientações escolares. De acordo com a secretaria, “para o ano letivo de 2025, a SME assegurará também o cumprimento desta [nova] lei”.
“Pautada no que prevê a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a SME tem a compreensão de que a formação integral do educando passa pelo desenvolvimento de habilidades e competências para inserção do indivíduo em uma sociedade cada vez mais mediada pelas ferramentas digitais”, diz um trecho da nota.
A Secretaria da Educação do Ceará (Seduc) também informou que, desde 2024, reforçou as orientações a respeito do uso do celular em sala de aula. Em nota, a pasta ressaltou a “importância da escola conversar com seus alunos sobre a utilização, de acordo com as definições da escola, dependendo da metodologia e do trabalho propostos, em conformidade com o Regimento de cada unidade de ensino”.
A secretária executiva do Ensino Médio e Profissional da Seduc, Jucineide Fernandes, afirmou que as Diretrizes do Ano Letivo para 2025 orientam as escolas do Estado quanto à revisão do regimento escolar para a adequação à nova legislação.
“É importante destacar que as escolas também realizaram palestras e orientações sobre o uso do celular; sobre essa medida, o que é que pode causar no estudante e o porquê que essa lei foi sancionada no Brasil. No Estado do Ceará, nós já tínhamos uma legislação anterior, desde 2008; no entanto, agora será incorporada à rotina das escolas a nova legislação federal”, afirma.
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Atualizada às 08h15 de 24/01/2025