Conheça a história da família que foi repatriada das Filipinas para o Ceará

Família está entre as 699 pessoas atendidas em 2024 pelo Programa Estadual de Atenção ao Imigrante, Refugiado e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do Ministério Público do Ceará, que atuou para trazer pais, filhos e sogra de volta para casa

08:02 | Jan. 22, 2025

Por: Bárbara Mirele
Pai, mãe e filho na casa de familiares, em Fortaleza (foto: Divulgação MPCE)

Tudo começou com uma proposta para trabalhar em uma plataforma de jogos online. Foi assim que Fábio [nome fictício] viu o sonho de conhecer as Filipinas se tornar realidade. Em julho de 2024, a plataforma se tornou ilegal pelo governo do país após ser associada a atividades criminosas. O Ministério Público do Ceará (MPCE) precisou atuar na repatriação do homem e sua família, que se encontravam em situação de vulnerabilidade.

Os cearenses estão entre as 699 pessoas atendidas em 2024 pelo Programa Estadual de Atenção ao Migrante, Refugiado e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. A repatriação consiste em medida administrativa de devolução de pessoa em situação de impedimento ao país de nacionalidade.

A repatriação foi acompanhada pelo Posto Avançado de Atendimento Humanizado ao Migrante (PAAHM) do Aeroporto de Fortaleza, equipamento da Secretaria dos Direitos Humanos do Ceará (Sedih), inaugurado em outubro de 2024. 

Antes de ir para o país estrangeiro, o homem se deparou com um canal no Youtube que mostrava o cotidiano de brasileiros vivendo em Manila, capital filipina. Fábio então começou a trocar mensagens com a dona do canal, que também atuava recrutando brasileiros para trabalhar no exterior.

“Você ir para um país que você sempre quis conhecer, ganhando quatro, até cinco vezes mais, isso realmente cresce os olhos”, conta o homem ao MPCE.

Após conversar com a esposa, ele foi para o país e começou a trabalhar na plataforma. Era responsável pelo atendimento ao cliente e atendia entre 500 e 700 pessoas por dia.

"Eram todos protocolados. Eu tinha que atender o cliente, tinha que protocolar cada atendimento no excel, especificar qual era o problema e anotar o número do IP do cliente. Era bem cansativo", explica.

A jornada era de 12 horas diárias, ganhando 100 mil pesos filipinos por mês, equivalente a R$ 10 mil reais. “O que eu não sabia era que o custo de vida lá era muito alto”, confessa.

Em fevereiro de 2024, a esposa, os filhos e a sogra de Fábio chegaram às Filipinas. “Minhas contas fixas mensais ficavam em torno de R$ 7 mil. Os planos eram ficarmos por tempo indeterminado no país e ir ao Brasil a passeio a cada quatro, cinco anos”, conta.

Presidente das Filipinas torna cassinos online ilegais

Entretanto, em julho do ano passado, o presidente das Filipinas, Ferdinand Marcos Júnior, ordenou que todos os cassinos online que funcionavam no país fossem fechados. A medida foi tomada diante da ligação das plataformas com o tráfico humano, trabalho análogo à escravidão, golpes e até com o crime organizado chinês.

A medida determinava que todos os estrangeiros que trabalhassem nas atividades deixassem o território filipino até 31 de dezembro do mesmo ano. “Muitas empresas saíram no último dia e muitos funcionários também, mas uma grande parte não conseguiu. Eu fui um deles”, conta Fábio. Assim como outros trabalhadores, ele também teve o visto de trabalho revogado.

Ele havia sido demitido em junho de 2024, após matéria veiculada em uma emissora nacional denunciar que brasileiros estavam trabalhando em situações análogas à escravidão. “Veio uma ordem de cima para demitir todos os brasileiros”.

De acordo com o MPCE, o homem gravou e publicou um vídeo em suas redes sociais, onde pedia ajuda financeira. “A ideia era fazer com que o vídeo viralizasse e chegasse a alguma autoridade brasileira ou a algum influencer que se sensibilizasse e pagasse as nossas passagens”, explica.

Foi então que o vídeo chegou ao pastor guineense Luís Mantampa, com quem Fábio realizou algumas missões na igreja evangélica que frequentava no Brasil. Foi ele quem intermediou o contato entre a família e o promotor de Justiça do MP do Ceará, Germano Rodrigues.

Após saber de toda a história pelo pastor, o promotor de justiça entrou em contato com a família e também viu a realidade pela qual passavam. “A idosa também necessitava de alguns medicamentos, já que possui algumas comorbidades. Por isso, resolvi atuar, com o viés centralizado nos direitos da pessoa idosa”, explica.

O Ministério Público Federal (MPF) não foi acionado pois não se tratava de um assunto de regularidade migratória. “Não era o caso de um estrangeiro no Brasil, mas de um brasileiro no exterior”.

Atuação do MPCE e da Sedih traz família de volta ao Ceará

Buscando aprender mais sobre o assunto e chamar atenção para a questão no MP cearense, o promotor solicitou à Procuradoria Geral de Justiça (PGJ) autorização para participar da 2ª Conferência Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia.

Com o apoio da PGJ, Germano seguiu adiante com o caso, utilizando-se do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003) e dos princípios do Direito Internacional.

Outros órgãos como Ministério das Relações Exteriores (MRE) e a Secretaria de Direitos Humanos do Ceará (Sedih) foram notificados sobre a necessidade de repatriação da família.

“Atuamos nessa situação por meio das nossas políticas de atenção ao migrante e enfrentamento ao tráfico de pessoas, para que essa família pudesse voltar ao Ceará e restabelecer sua vida aqui. Isso aconteceu por meio de uma articulação feita com diversos parceiros, já atuantes nesses casos. Sejam migrantes ou brasileiros no exterior, nossa missão sempre vai ser a garantia da dignidade”, afirma a secretária dos Direitos Humanos, Socorro França.

Para que o governo brasileiro pagasse as passagens aéreas, entretanto, era necessário que a Defensoria Pública da União (DPU) atestasse a hipossuficiência financeira da família. O documento foi remetido ao Itamaraty e cerca de R$ 42 mil para a compra dos bilhetes foram liberados em dezembro.

Ao recorrer ao Departamento das Relações Exteriores das Filipinas em janeiro deste ano, Fábio conseguiu a liberação para sair do país, mas antes precisou escrever a punho uma carta em que pedia sua deportação voluntária.

De acordo com o MPCE, na madrugada de 6 de janeiro a família finalmente retornou ao Ceará. Para Germano, o caso serviu para alertar sobre a necessidade das instituições brasileiras se capacitarem sobre o tema das migrações e dos refugiados. “O mundo está cada vez menor e essa realidade está mais perto de nós”, finaliza.

Atualizada às 09h16