Com celebração da cultura do funk, fortalezense se classifica em concurso nacional de dança

Realizado pelo Centro Cultural Lá da Favelinha, de Minas Gerais, o evento passa por mais sete capitais: Rio de Janeiro, Porto Alegre, Manaus, São Paulo, Salvador, Recife e Belo Horizonte

A disputa é nervosa. O aviso dado de antemão se confirmou na noite de sábado passado, 18, em Fortaleza, quando a Estação das Artes se transformou em um palco de uma competição acirrada. Ao som do funk, a capital cearense recebeu a etapa local da Disputa Nervosa Nacional, reunindo talentos de diversas idades e trajetórias em uma jornada repleta de criatividade, técnica e paixão pela dança.

Parte de um circuito que percorre oito capitais brasileiras, o evento encontrou em Fortaleza um público fervoroso e dançarinos com a cobiça de conquistar uma vaga na final, que acontece em Belo Horizonte (MG).

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A iniciativa faz parte do projeto Favelinha na Estrada, realizado pelo Centro Cultural Lá da Favelinha, que visa promover a cultura periférica e a dança em diferentes estados do Brasil. Além da disputa, o projeto inclui o espetáculo Brinco de Ouro, que celebra as manifestações afro-diaspóricas e as expressões culturais das periferias.

Antes mesmo das batalhas, o clima de entusiasmo já era percebido. A programação abriu com um aulão de Passinho de BH, ministrado pelos bailarinos Mr. Jones Victor e Vitinho do Passinho.

Eva Vieira, professora de geografia e moradora de Fortaleza, assistia a tudo com atenção. “Fui criada no Bom Jardim, um espaço de periferia. A música funk, como o passinho e o baile de favela, sempre fez parte da nossa identidade”, comentou, destacando como esses eventos fortalecem o vínculo com suas origens.

“Eu acho que tá pouco ainda, sabe?”, diz o multiartista Miky Vitorino. “Eu acho que deveria ter mais eventos, que poderia ter uma flexibilidade da instituição para receber essas outras culturas”, pontua ao comentar sobre a importância de espaços culturais públicos acolherem manifestações populares como o funk. Para Miky, ampliar a representatividade nesses ambientes é essencial para garantir que todos se sintam parte do local.

“Porque enfim, esse espaço é nosso, né? Esse espaço é público. E eu acho que deveria ter esse lugar também, desse cuidado, desse relacional, que não é um relacional assim tão excludente, pra fazer até com que a gente habite esse lugar também”, conclui, reforçando a necessidade de iniciativas que promovam a inclusão e a valorização das culturas urbanas em contextos muitas vezes elitizados.

E se a periferia tem se movimentado para acessar esses espaços, o centro também precisa ir até a periferia, acredita Eva.

"Lá no Bom Jardim tem um centro cultural. Eu vejo que dentro do próprio bairro eles conseguem fazer uma boa divulgação para que as pessoas cheguem nos eventos. É bom quando eventos assim vão até eles também", destaca. 

Eva foi uma das várias pessoas que acompanharam Miky e outros cinco competidores na disputa de passinho. Quem assistia a poucos metros do palco podia ver cabelos cortando o ar, braços traçando movimentos livres e pernas que tilitavam no tablado, sob os gritos da plateia.

Miky tirou o segundo lugar. No alto do pódio, a amiga de infância, Lacration. “Sem palavras. Eu era só uma poc, cisgênero ainda. Olha como as coisas mudam. Hoje em dia eu sou pioneira da cena majorette aqui na cidade, provavelmente no Nordeste, ou então no país”, diz a dançarina vencedora.

O majorette é uma dança que emergiu entre as décadas de 1960 e 1990 no sul e sudeste dos Estados Unidos. Com o tempo, o estilo evoluiu, incorporando influências de danças urbanas, hip-hop e ritmos locais em diferentes regiões do mundo.

No Brasil, a modalidade se ressignifica, dialogando com culturas periféricas e adaptando-se ao funk e a outras expressões populares, unindo técnica, criatividade e identidade cultural.

“É a primeira vez que eu tô indo fazer isso assim, por meio de uma competição. Eu que me bancava e tal, dinheiro de bolsa, mas agora é muito importante ter esse apoio pra artistas pequenos, porque a gente sabe que tem um grande potencial aqui no Nordeste”, completa.

Para o júri, a criatividade dá a tônica da competição, “O que ela vai mostrar, como vai agir, o contato que estabelece com o jurado e com a plateia. Acho muito interessante observar a performance e o carisma da pessoa”, diz o jurado, o dançarino mineiro Dudu Sorriso.

A cearense Isadora Helena, conhecida como Dorão, também jurada, destaca que a ousadia é o forte dos competidores locais. "A galera de Fortaleza é muito atrevida em questão de performance, em questão de mostrar o jeitinho cearense", afirma.

Diretora artística do projeto, Negona Dance sublinha que são muitos os desafios logísticos e artísticos de organizar essas etapas regionais. “Em Belo Horizonte, temos uma conexão muito forte com o mercado do funk, mas, nos outros estados, o maior desafio é alcançar as periferias, fazer o material chegar. É importante dialogar com esses públicos locais, principalmente porque a Disputa Nervosa é um espaço de liberdade”.

Kdu dos Anjos, fundador do Centro Cultural Lá da Favelinha, assente. Para ele, o evento representa mais do que uma celebração da dança: é uma demonstração de que o diálogo entre iniciativas públicas, privadas e a comunidade é possível e essencial.

"É um espaço que abraça o funk como a arte que é, marginalizada, mas uma arte que pode estar em espaços públicos e privados", afirma.

Ele também ressalta o impacto do projeto em promover a cultura do passinho de BH e sua integração com estilos de todo o Brasil. “A Disputa Nervosa é quase uma batalha de danças all styles de funk. Vai tocar funk de todos os lugares do Brasil, e é para mostrar essa versatilidade”, explica.

Segundo Kdu, os competidores são incentivados a explorar ritmos como o vogue, o brega funk e os passinhos de diferentes regiões. "A criatividade vence. Quanto mais versátil, criativo e com dom de improviso, mais chances tem de ganhar", enfatiza.

Além de Fortaleza, o evento passa por mais sete capitais: Rio de Janeiro, Porto Alegre, Manaus, São Paulo, Salvador, Recife e Belo Horizonte. O vencedor de cada cidade leva para casa R$ 800, um troféu e uma viagem para participar da final, que será realizada em agosto, em Belo Horizonte. O grande campeão nacional receberá um prêmio de R$ 15 mil.

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