Em meio a chuvas, nível de assoreamento dos rios de Fortaleza não é monitorado

Fenômeno contribui para inundações em grandes cidades; acúmulo de resíduos em reservatórios é processo natural, mas se não for acompanhado, pode resultar em enchentes e aumento de arboviroses

09:59 | Jan. 19, 2025

Por: Kleber Carvalho
Ligação entre os rios Ceará e Maranguapinho, que estão entre os assoreados em Fortaleza (foto: AURÉLIO ALVES)

Os diversos pontos de alagamentos registrados nos últimos dias em Fortaleza têm como um de seus principais fatores o assoreamento, ou seja, o acúmulo de resíduos sólidos soltos nas vias públicas como areia, barro e lixo, que caem no fundo dos rios. Apesar de significativo para os problemas que assolam a cidade sempre que chuvas de grande porte são registradas, os níveis de ocorrência desse fenômeno nos principais mananciais da cidade não são monitorados pelas gestões estadual e municipal.

O POVO procurou pastas a nível municipal e estadual para obter informações sobre o nível de assoreamento dos rios Ceará, Cocó e Maranguapinho, principais mananciais da Cidade. Ao todo, sete órgãos foram consultados e todos afirmaram não realizar acompanhamento contínuo do volume de detritos presentes nas calhas dos fluxos d’água.

O que diz o Estado e o Município

As primeiras a serem demandadas foram as secretarias municipais da Urbanização e Meio Ambiente (Seuma) e da Infraestrutura (Seinf), além da Defesa Civil de Fortaleza, que negaram a competência sobre o monitoramento da quantidade de resíduos no fundo dos rios.

Em entrevista ao O POVO, o chefe da Defesa Civil de Fortaleza, coronel Haroldo Martins, confirmou que o serviço ainda não é realizado na Cidade, mas destacou que o órgão deverá se articular com outras pastas de ambos os níveis do governo para que ele seja iniciado.

"Como um órgão de articulação, a gente percebe que o problema do assoreamento contribui muito para alagamentos e inundações, porque diminui a quantidade de água [suportada] na calha do rio, fazendo com que ele transborde. A gente tem que acompanhar isso e ver de que forma vamos tentar articular com esses órgãos, sejam estaduais ou municipais, para evitar ou amenizar esses impactos", pontua o coronel.

A nível estadual, foram procuradas as secretarias do Meio Ambiente e Mudança do Clima (Sema), dos Recursos Hídricos (SRH) e das Cidades (SCidades), bem como a Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace). Assim como as pastas da Prefeitura de Fortaleza, os órgãos do Governo do Estado informaram não realizar o serviço de monitoramento.

Em nota, a Sema confirmou a presença de resíduos sólidos, mas negou possuir dados que mostrem a nível atual de sedimentos dentro dos mananciais. A resposta enviada pela pasta também cita trabalhos de remoção de macrófitas (plantas aquáticas), troncos e outros resíduos do fundo dos rios, sem informar o nível ainda vigente.

Já a SCidades, pontuou ter projetos de revitalização dos rios Maranguapinho e Cocó, iniciados respectivamente em 2009 e 2013. Desde então, mais de 220 mil metros cúbicos (m³) foram retirados do Maranguapinho, enquanto o Cocó teve 174 mil m³ de volume dragado.

Apesar de fazer a retirada dos resíduos sólidos de dentro dos cursos d’água, a Secretaria das Cidades foi mais uma a confirmar que não monitora continuamente a quantidade desses detritos, alegando competir a ela apenas a execução das obras, não o levantamento desses dados.

Em outra negativa, a SRH afirmou que não possui responsabilidade legal sobre o monitoramento. A pasta também ressaltou os serviços de limpeza e drenagem realizados pela SCidades através do programa de urbanização do Governo do Estado.

Por fim, o órgão informou que o acompanhamento do nível de assoreamento dos rios será pauta na próxima reunião do Comitê Integrado de Segurança Hídrica (CISH), composto por SRH, Cogerh, Sohidra, Funceme, Defesa Civil do Ceará, Sec. das Cidades e Cagece.

A Semace foi a última a negar fazer o levantamento, mas não enviou uma resposta oficial até o fechamento desta matéria. O texto será atualizado assim que um pronunciamento for repassado pela pasta.

O que é o assoreamento de rios?

Como já citado, o assoreamento é nada mais do que a queda de materiais sólidos soltos nas ruas dentro de cursos d’água. Essa é uma ação natural causada pelos ventos, que carregam areia, barro e outros resíduos soltos nas proximidades de rios e lagoas, mas que pode ser intensificada pela ação humana e ocorrência de fenômenos meteorológicos.

Entre os fenômenos que podem intensificar os efeitos do assoreamento estão as grandes chuvas, como as vistas em Fortaleza essa semana. Isso porque a corrente formada pelas águas pluviais acaba por levar esses materiais em direção a rios e lagoas, reduzindo o volume total dos reservatórios.

Com volume abaixo da capacidade total devido ao acúmulo de detritos, esses recursos hídricos se tornam incapazes de suportar o aporte que trazido pelas chuvas, o que resulta em transbordamentos.

“A chuva é quem gera o escoamento das ruas que leva essa água poluída e com sedimentos para dentro dos rios. O assoreamento gera os impactos não esperados ou desagradáveis das enchentes, que são os alagamentos. Muitas vezes os alagamentos nas cidades são mais intensos devido a esse assoreamento”, explica a arquiteta, urbanista e pesquisadora sobre inundações em grandes cidades, Tainah Carvalho.

 

Já a ação humana pode ajudar a assorear os rios de duas maneiras diferentes. A primeira delas é o descarte irregular de lixo e esgoto próximo aos mananciais, propiciando com que esses caiam dentro da água.

Além deste, a remoção da vegetação ciliar torna os reservatórios mais vulneráveis à entrada de detritos. Isso acontece em duas vias, a primeira porque as plantas dificultam a chegada desses resíduos aos leitos, e a segunda por facilitar a erosão do solo, que deposita os detritos nos rios.

“O que causa o assoreamento é o desmatamento. A falta de vegetação nesses recursos contribui para a erosão do solo e consequentemente esse sedimento vai parar dentro do leito do rio e aumenta os volumes. Também a urbanização, [com] a impermeabilização do solo nas cidades, que diminui a capacidade deste solo de absorver água”, acrescenta Carvalho.

Falta de desassoreamento pode aumentar casos de arboviroses

Ao lado da vegetação, a fauna presente nesses rios, como peixes, répteis e anfíbios, também é fortemente prejudicada pela intensificação do assoreamento. Dentro das calhas, a presença de lixo e outros materiais lamacentos prejudica a qualidade da água e pode comprometer a sobrevivência dos animais aquáticos ali presentes.

Já na beira dos rios, as queimadas e o desmatamento terminam por danificar o habitat natural de répteis e anfíbios. Algumas dessas espécies de peixes, lagartixas e sapos são predadores de mosquitos transmissores de arboviroses, como o aedes dengue, zika e chikungunya.

“Essa relação prejudicial faz com que a fauna se vá e isso gera inclusive o aumento por exemplo o aumento de mosquitos e animais que levam doenças. A presença dessa fauna saudável, com predadores naturais de mosquitos, reduz a incidência de doenças”, pontua Tainah.

A falta de informações sobre um agravante da transmissão de arboviroses, se torna ainda mais grave após um ano de crescimento nos casos de dengue em todo o País. Conforme noticiado pelo O POVO, o número de óbitos por dengue superou o de mortes por covid no ano passado.

Ao todo, 5,6 mil pessoas faleceram no País este ano morreram após diagnóstico da doença transmitida pelo Aedes aegypti, enquanto 5,1 mil foram vítimas do novo coronavírus. Em Fortaleza, o cenário foi menos letal, com apenas duas mortes registradas ao longo de todo o 2024. Ao todo, 3.377 casos da arboviroses foram contabilizados na Capital, conforme dados do Sistema de Monitoramento Diário de Agravos (Simda).