Morte por tortura em 2014: processo é desarquivado e pedido de indenização será reavaliado
Através da Rede Acolhe, a Defensoria Pública do Ceará (DPCE) conseguiu reverter a extinção do processo que pedia reparação de danos aos familiares da vítima. Crime teria sido cometido por três policiais militares, que foram absolvidos em 2016Em fevereiro de 2014, o pedreiro Francisco Ricardo Costa de Souza, de 41 anos, foi torturado e morto no bairro Maraponga, em Fortaleza. Três policiais militares foram acusados pelo crime. O caso foi julgado como prescrito pela 4ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Fortaleza. Em maio deste ano, dez anos após o ocorrido, a Defensoria Pública do Ceará (DPCE) conseguiu reverter a extinção do processo que pedia reparação de danos aos parentes de Tico, como a vítima era conhecida.
A ação foi protocolada em maio deste ano, através da Rede Acolhe, projeto da DPCE que atende familiares de vítimas de crimes violentos. O caso havia sido extinto pelo juiz dias depois sob o argumento de prescrição do crime.
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Relembre a morte: viatura teria largado o corpo em matagal e depois levado ao hospital
Quando retornava à casa da mãe, com quem morava, Tico foi abordado por três policiais militares por supostamente ser confundido com um assaltante. A vítima foi levada a um matagal e espancada, morrendo no local.
Testemunhas que passavam próximo viram o corpo estendido e chamaram a polícia. A mesma viatura retornou ao local e levou o pedreiro até o Hospital Frotinha da Parangaba. Os três policiais acusados do crime foram inocentados em júri popular em 2016.
Conforme o laudo pericial, Tico teve edema cerebral, fratura em sete costelas do lado direito e seis do lado esquerdo, hematomas ou escoriações em braços, pernas, tórax, abdômen, perfuração do fígado e lesão pulmonar.
O magistrado compreendeu que já havia se passado tempo demais desde a morte do pedreiro para a família reivindicar uma indenização do Estado. A Defensoria Pública Estadual recorreu dessa decisão e levou o caso ao Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), que acatou integralmente a tese de que alegar “prescrição” para pedido de reparação de dano não se aplica ao caso de Tico.
A DPCE solicita indenização de R$ 7 milhões para dona Francisca, a mãe, e para os irmãos de Tico. O valor deve ser pago pelo Estado, já que policiai, ou seja, agentes públicos de segurança, teriam sido os autores do assassinato.
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Defensora do caso diz que desarquivar o caso é uma “mudança de paradigma”
Ouvida pelo O POVO, a defensora pública Gina Moura explica que, com base na denúncia, o GPS da viatura da PM apontou que o veículo que levou Tico para aquele matagal foi o mesmo que socorreu a vítima e a levou ao Frotinha da Parangaba sem prestar as devidas explicações. “Essa absolvição de negativa de autoria foi julgada às custas de muita revolta e indignação da família”, pontua.
Gina Moura também explica que foram utilizados o Estatuto de Roma e a Súmula 647, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), como argumentos. “A gente entende que não está prescrito, porque crimes de tortura são imprescritíveis”.
“Há um caráter político nessa violência. É o extermínio dos indesejáveis e quem são eles? São pessoas racializadas e periféricas, pertencentes a uma determinada classe social”, diz a defensora.
Segundo Gina Moura, esse feito de desarquivamento do processo de Tico precisa ser divulgado e comemorado. “É uma mudança de paradigma. É um reconhecimento de que essa violência que existe nas periferias, com pessoas negras e pobres, precisa ser enfrentada como ela é. Nós [da Defensoria] festejamos muito, e a família mais ainda”.
“Isso abre uma centelha de esperança no caso do Tico, para que não tenhamos o completo esquecimento e indiferença no plano das outras responsabilidades, seja ela administrativa ou cível”, finaliza.
Dinheiro da indenização será usado para criar instituição em memória de Tico
Ao O POVO, a trancista e irmã de Tico, Antônia Costa de Souza, 44, relata que após a morte do pedreiro foram “muitos anos de luta”. “Nós nos sentimos muito aliviados. A gente teve que aceitar que eles [os policiais] foram inocentados e não tinham autoria no crime, mas eu e minha mãe não aceitamos [isso]”.
Antônia continua: “Foi um crime de tortura muito bárbaro. Nós perdemos o meu irmão e o Estado não fez nada. Disseram que havia duas viaturas e que não havia sido da autoria deles [os policiais acusados]. Nós queremos que o processo seja aberto novamente e investiguem se têm duas versões dos fatos”.
“Por isso pedimos a indenização, minha mãe e toda a família ficou doente e precisamos de dinheiro para o tratamento psicológico dela, para remédio e outras coisas. A morte do meu irmão não pode ficar no esquecimento e que sirva para fortalecer outras famílias na busca por justiça”, declara.
De acordo com Antônia, o dinheiro da indenização será utilizado para abrir uma instituição em memória de Tico, para ajudar outras mães com problemas psicológicos, jurídicos e outras necessidades.
“O dinheiro não vai trazer o meu irmão de volta, mas vai nos dar um alívio de que a justiça foi feita. E não vamos parar a luta, vamos colocar o processo criminal na Corte Internacional”, anuncia.