Caminhada lembra Dia Nacional da Umbanda e combate à intolerância religiosa

Percurso partiu da Praça dos Leões, que já foi palco de manifestações pela defesa dos direitos da raça negra, até a Cidade da Criança

20:31 | Nov. 15, 2024

Por: Gabriel Gago
Participantes da caminhada cobraram direitos e se manifestaram contra racismo e intolerância religiosa (foto: AURÉLIO ALVES)

Neste 15 de novembro, feriado da Proclamação da República e também Dia Nacional da Umbanda, o Instituto Carta Magna da Umbanda do Estado do Ceará (ICMU-CE) promoveu a segunda Caminhada Contra a Intolerância Religiosa, no Centro de Fortaleza.

O percurso foi da Praça General Tibúrcio (Praça dos Leões) até a Cidade da Criança, na avenida Visconde do Rio Branco, onde foi realizado o ritual de gira aberta. As pautas da manifestação trataram sobre a intolerância religiosa e o racismo religioso. 

Neste ano, a Umbanda completa 116 anos de reconhecimento no País. Ela une crenças de povos africanos escravizados e dos indígenas brasileiros, também de caboclos, sertanejos, pescadores e outros povos, como os turcos. Com o tempo, os rituais incorporaram também elementos do catolicismo e do espiritismo.

No ato, estava o professor, historiador e cientista social, Hilário Ferreira, militante das causas do povo negro. Ele disse que, na maioria das escolas, não há aulas sobre história do Ceará. "Naturalizou-se uma narrativa que silencia a real história sobre a escravidão no Estado".

Hilário conta que a Igreja do Rosário dos Pretos (apesar das pessoas não dizerem o nome até o final), remonta ao século XVIII e foi palco da luta pelos direitos da raça negra.

"Com o objetivo de converter e acalmar os animos da 'negrada', criou essa Igreja (dos Pretos), porque os negros não podiam entrar na Igreja do Carmo. Criaram essa estrutura para que os negros fizessem a leitura a partir da própria cultura e utilizassem essa participação para ter o sábado e domingo de descanso. Com isso, eles poderiam juntar dinheiro e comprar alforria, realizar a festa do Congo, tocar os tambores aqui [Praça dos Leões] até a Praça do Carmo". 

Segundo Matheus Pirez, secretário de articulação política do ICMU-CE, a caminhada recebeu cerca de 300 a 350 pessoas, dos municípios de Fortaleza, Pentecoste, Maracanaú, Caucaia, Eusébio e outros da Região Metropolitana. 

O trajeto, o mesmo feito no ano anterior, se justifica, segundo Pirez, porque a Praça dos Leões é um marco histórico da Cidade, também por diversas manifestações contra a Ditadura Militar. "Agora estamos lutando pelos povos de terreiro. Queremos que a Praça dos Leões, Parque das Crianças, o Centro, possam ser mais um nascedouro de resultados".

Para ele, ainda existe "ferrenha contradição" por parte do Poder Público sobre políticas sociais aos povos de terreiro. Cita, por exemplo, o projeto de lei do governador Elmano de Freitas (PT) que prevê a compra de bíblias nas escolas estaduais.

Nisso, Pirez reflete que os adeptos à religião de Umbanda estão há mais de dez anos aguardando a regulamentação da construção da estátua de Iemanjá na Praia de Iracema e um Censo Demográfico sobre os povos de terreiro.

De acordo com o secretário do ICMU, a Prefeitura de Fortaleza lançou um edital para fazer o reconhecimento destes povos. "O Governo do Estado ainda não tem essa iniciativa. Não é inventar roda, é garantir o básico". 

Secretaria da Igualdade Racial defende que outros livros religiosos sejam adquiridos nas escolas estaduais 

Foi a primeira vez que Zelma Madeira, atual secretária da Igualdade Racial do Ceará (Seir), participou da caminhada.

"É importante a gente estar presente e a Cidade toda assistir aos povos de terreiro. Como povos de comunidades tradicionais são um público que a gente atende, que sofrem o peso da discriminação e do racismo religioso, é um grupo que precisa ser reconhecido. Isso demonstra o poder de dar as caras na Cidade para dizer que existe o povo de Umbanda e o papel social que eles cumprem na periferia e nos bairros de Fortaleza". 

Ao O POVO, Zelma discorreu sobre a aprovação da Lei N° 10.639, que estabelece a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira no currículo oficial da rede de ensino. Até hoje essa diretriz não é cumprida por escolas públicas e particulares.

"Essa lei data de 2003, estamos falando de 21 anos. Isso ajudaria a diminuir o racismo religioso ou a intolerância. Não é fazer liturgia ou celebrar nada, mas explicar a cultura. Uma educação antirracista passa pela concretização e efetivação da Lei 10.639", defendeu a gestora.

Sobre aquisição de bíblias nas escolas, para ela, é necessário que outros livros religiosos também sejam adquiridos.

"O Estado é laico. As religiões de matriz africana e afro-brasileira se fazem muito pela oralidade. A gente não faz com Bíblia, embora a Umbanda tenha aproximação com a escrita. Cada casa, cada tereirro, expressa pela voz como tudo vai funcionar".

"A importância é que a gente garante que este Estado reconheça todas as religiões, não só o cristianismo, mas também as religiões de matriz africana e afro-brasileira, porque ela é uma presença forte, embora o racismo queira apagar, silenciar, deslegitimar. Um ato como o de hoje é de para dizer 'nós existimos', temos função social, e muitas pessoas são adeptas", encerrou a secretária.