Réu em caso de feminicídio é absolvido por insanidade mental
Antônia Maria Cordulino dos Santos foi vítima de feminicídio pelo próprio companheiro no dia 12 de janeiro deste ano. O MPCE recorreu da decisão pontuando a periculosidade do réuA sentença proferida pela 5ª Vara do Júri para o réu Rui Geise Sousa Queiroz, acusado do crime de feminicídio contra a companheira, Antônia Maria Cordulino dos Santos, gerou revolta na família da vítima. A Justiça absolveu sumariamente o homem em razão de um laudo pericial de insanidade mental. O crime aconteceu no dia 12 de janeiro, no bairro Henrique Jorge, em Fortaleza.
De acordo com o laudo médico, o réu apresenta um transtorno no controle de impulsos, o que resultaria na incapacidade de autodeterminação do acusado no período do crime. O homem é considerado inimputável, no entanto, a família de Antônia questiona a decisão e aponta que, durante doze anos de relacionamento, ele nunca teria apresentado qualquer problema psicológico.
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A decisão judicial da condenação, obtida pelo O POVO, afirma que o homem "não representa perigo à sociedade" e o colocou em medida de segurança de internação em um hospital de custódia e tratamento psiquiátrico. Afirma ainda que o réu receberá o tratamento de saúde mental por um ano e manterá, em paralelo, o tratamento médico para leucemia.
Rui deverá passar por avaliações biopsicossociais e, depois de um ano, pode ter a reversão de tratamento em liberdade ou extinção.
Procurado pelo O POVO, o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) informou que, por meio da 112ª Promotoria de Justiça de Fortaleza, ingressou com o recurso para pedir que a Justiça reconheça a periculosidade do réu determinando a internação dele pelo prazo de três anos, que é o máximo previsto em lei.
De acordo com o filho da vítima, Francisco Nadiel, Rui fazia tratamento contra leucemia, mas fazia uso de bebida alcoólica aos fins de semana. Ele afirma que o casal tinha uma relação conturbada e discussões por causa de ciúmes.
Nadiel aponta premeditação no crime, pois o homem teria esperado o filho de Maria sair da residência e depois teria escondido a faca com um pano, no intuito de surpreender a vítima. Maria foi ferida na garganta e na boca, de modo que não conseguiu pedir socorro a tempo.
Violência doméstica esteve presente nos dois relacionamentos da vítima
Familiares descrevem a vítima Maria Cordulino dos Santos como uma mulher trabalhadora, exercendo a profissão de doméstica por grande parte da vida. Seu primeiro relacionamento, com o pai dos seus dois filhos, acabou por causa da violência doméstica e do alcoolismo.
Francisco Nadiel mora sozinho desde que perdeu a mãe, há 10 meses. "Eu estou morando sozinho, criando as duas gatas dela, que ela deixou. Lembro dela e olho as roupas, fotografias, áudios que ela mandava. Fico pedindo a Deus para me dar uma luz", descreve o modelo fotográfico de 28 anos de idade, que convive com a dor da saudade da mãe.
Ele conta que o relacionamento com Rui foi uma nova oportunidade ao coração. Conforme testemunhas, no início o casal era feliz, mas com o passar dos anos, o homem tornou-se agressivo e também abusava do álcool. Testemunhas que conheciam os dois relatam que o homem era possessivo, ciumento e que a casa tornou-se um ambiente de brigas e confusões.
De acordo com Nadiel, Rui teria descoberto leucemia há dois anos. A mulher cuidava do companheiro quase que exclusivamente e era responsável pelas medicações. E mesmo depositando todo seu tempo para ajudar o homem, ao se aproximar do período de fim de semana, ele fazia uso de álcool e as brigas recomeçavam.
Cansada e disposta a por um fim no relacionamento, Nadiel conta que Antônia Maria conversava com o filho, que a incentivava a uma separação, mas a mãe, com pena de abandonar o homem durante o tratamento da leucemia, insistia no convívio.
Conforme as testemunhas do caso, no dia 12 de janeiro deste ano, Maria conversava com as colegas na calçada de casa. Sentar na calçada à noite e conversar com as amigas era uma das suas distrações. Foi quando o marido a chamou para dentro de casa para que ela o ajudasse com as medicações.
A mulher entrou, o companheiro teria fechado o cadeado e em seguida desferido vários golpes de faca no pescoço e na boca de Maria, que sequer conseguia gritar. Em um momento de desespero, ela teria soltado um urro e as vizinhas correram para ver o que era aquilo, mas se depararam com a amiga caída ao solo esfaqueada.
Após um dos vizinhos constatar que a vítima estava sem pulso, acionaram a Polícia e a ambulância do Serviço Móvel de Atendimento (SAMU), que constatou o óbito. O homem, por sua vez, teria tentado o suicídio, mas foi internado e, após receber alta, foi recambiado para a unidade prisional.
"Fecho os olhos e fico imaginando a cena dela toda esfaqueada"
Em entrevista ao O POVO, Nadiel afirma que a cena da mãe ensanguentada surge todas as noites. Depois de passar a infância presenciando a mãe ser vítima de violência doméstica, o rapaz sonhava em dar uma vida melhor a ela.
Nadiel, quando criança, não conseguia intervir nas agressões sofridas pela mãe. Mas depois de vê-la sofrendo, novamente, no novo relacionamento, ele passou a interferir e a insistir que a mãe e ele mudassem de casa e recomeçassem a vida, apenas mãe e filho.
O modelo fotográfico relata que, por muitas vezes, se sente culpado, pois havia acabado de sair de casa para trabalhar quando a mãe foi morta. Ao chegar no trabalho ele foi informado da morte dela e quando chegou em casa viu o corpo caído ao solo com as marcas da violência. Atormentado com a dor, ele saiu da casa onde morava e foi residir em um quartinho.
"Depois da separação (primeiro casamento) ficamos na mesma casa alugada e ela cuidando da gente. Ela pagava o aluguel, luz, comida. Cedo a gente começou a fazer bicos para ganhar uns trocados e meu irmão mais velho começou como ajudante de gesseiro, mas ela era a principal provedora da casa. Eu fecho os olhos e fico imaginando a cena dela toda esfaqueada. Desde janeiro tem sido muito pesado, estou traumatizado com tudo isso", descreve.
O rapaz relata que a mãe sempre fez tudo o que era possível por ele e pelo seu irmão. "É o sonho de todo filho poder ajudar a mãe. Eu era fotógrafo e modelo, com a ajuda dela, dentro de casa eu comecei a trabalhar e dar um conforto a ela. E agora não posso mais e nem consigo trabalhar direito", descreve o filho.