Zé Maria do Tomé: último réu é julgado após 14 anos do crime em Fortaleza

Liderança comunitária que combatia a pulverização aérea de agrotóxicos foi assassinada com 25 tiros em abril de 2010. Último acusado do crime será julgado nesta quarta-feira, 9, no Fórum Clóvis Beviláqua, onde haverá manifestações

19:01 | Out. 08, 2024

Por: Mirla Nobre
Imagem de apoio ilustrativo. Julgamento será realizado no Fórum Clóvis Belivaquia, em Fortaleza. (foto: Yuri Allen/Especial para O Povo)

O último réu acusado do assassinato do líder comunitário Zé Maria do Tomé, na Chapada do Apodi, em Limoeiro do Norte, em abril de 2010, será julgado em júri popular, nessa quarta-feira, 9, no Fórum Clóvis Beviláqua, em Fortaleza. A vítima combatia a pulverização aérea de agrotóxicos e foi assassinada com 25 tiros.

O júri será composto por sete pessoas, com início do julgamento às 9 horas. A previsão é de que o júri seja finalizado ainda no mesmo dia, com a determinação da sentença do réu. Dos seis suspeitos acusados pelo Ministério Público do Ceará (MPCE) de participação no crime, restou apenas um para ser julgado.

Em agosto de 2015, dois acusados de serem mandantes do crime, identificados como João Teixeira Filho, proprietário de uma empresa na região de Apodi; e José Aldair Gomes Costa, gerente da empresa, conseguiram, através de recurso ao Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), serem despronunciados.

Na época, a Corte entendeu que não havia provas suficientes contra os acusados de envolvimento no crime, apesar de terem sido denunciados como os mentores MPCE. Outros três suspeitos morreram nos últimos anos ao longo das investigações do caso. Eles eram: Antonio Wellington Ferreira Lima, Sebastião Lima e Westilly Hitler Raulino, esse último apontado como autor do crime.

O último réu que sobrou nas investigações foi Francisco Marcos Lima Barros, acusado de ter dado suporte e organizado a logística do crime.

“Participaram ativamente da logística do crime, deram contribuição relevante para que ele [executor] conseguisse acessar o Zé Maria e realizasse o assassinato dele”, disse o advogado do Escritório Frei Tito (EFTA), da Assembleia Legislativa do Ceará (Alece), José Fontenele.

A luta do agricultor é destacada pela advogada, membro da Rede de Advogadas e Advogados Populares e do Coletivo Jurídico Zé Maria do Tomé, da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Geovana Patrício. A representante relembra o episódio que marcou a luta pelos direitos do meio ambiente.

De acordo com Geovana, a vítima tinha conseguido aprovação de uma lei que proibia a pulverização aérea em Limoeiro do Norte. Apesar da legislação, o líder comunitário reuniu provas de que a prática ainda acontecia e o objetivo era levar as denúncias ao Ministério Público. “Ele foi assassinado no dia 21, e no dia 22 era a data em que ele tinha uma reunião com o MP para apresentar as denúncias”, conta.

A advogada destaca que deve haver a responsabilização do caso. “Esperamos que haja a condenação, que depois de 14 anos a família possa ter o encerramento desse ciclo. A condenação representa que crimes assim não sejam mais tolerados”, comenta Geovana. Nove anos depois do crime, uma lei estadual que levou o nome da vítima proibiu a pulverização em todo o Estado.

Conforme o relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT), publicado em abril deste ano, em 2023 foram registrados os maiores números de conflitos no campo desde o início dos levantamentos da entidade, em 1985. Em 2023, foram 2.203 casos, contra 2.050 do ano anterior. O ano de 2020 foi o que registrou a maior quantidade de conflitos, com 2.130.

O documento revela que a maioria dos conflitos no campo é por terra. No ano passado, foram 1.724, sendo o maior número registrado pela CPT. Em seguida, estão as ocorrências de trabalho escravo rural (251) e conflitos pela água (225). Dentre os estados, o maior número foi registrado na Bahia, com 249 casos, seguido do Pará (227), Maranhão (206), Rondônia (186) e Goiás (167).

Dentre as regiões, a Norte foi a que mais registrou conflitos (810), seguida da região Nordeste (665), Centro-Oeste (353), Sudeste (207), e por fim, a região Sul, com 168 ocorrências.

Uma nova preocupação da representante da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, a advogada Geovana Patrício, é sobre a utilização de drones para a pulverização. "Vem chegando relatos de uso de testes com drones, o que é proibido também pela lei estadual. Não há estudos provando que eles são mais seguros, pois dispersam também esse veneno no ar", comenta.

Para ela, é necessário uma maior fiscalização e novas formas de combate a esse novo meio de agressão ao meio ambiente. "Estamos nos deparando com um novo problema. É preciso evitar a regularização do uso de drones na agricultura, que seria uma afronta à Lei Zé Maria do Tomé", pontua.

Ato deve marcar o início do julgamento de Zé Maria do Tomé 

Um ato deve marcar o início do julgamento do crime que vitimou Zé Maria do Tomé.  Por volta das 8 horas, os movimentos sociais se reunirão em frente ao Fórum Clóvis Beviláqua, em Fortaleza, no intuito de pedir Justiça para o líder comunitário e destacar a luta para combater o uso de agrotóxicos por meio da pulverização aérea. 

A filha da vítima, Márcia Xavier, detalha que sempre imaginou que esse dia iria chegar. "Nunca passou pela nossa cabeça que fosse demorar tantos anos. Esperamos que a Justiça seja feita e que ele pague pelo que fez", diz.

Márcia aponta a inexistência de uma elucidação, pois o suposto mandante teria sido excluído do processo. "A nossa esperança é que amanhã o réu abra a boca e aponte o mandante", ressalta. 

A filha destaca que vários pontos chamaram atenção do crime, desde a quantidade dos tiros até o dia da execução, dia 21 de abril, Dia de Tiradentes.

Márcia explica que o pai recebia ameaças, mas poupava a família. Uma semana antes do crime ele teria recebido ameaças por telefone informando que teria que deixar sua luta contra a pulverização de veneno por meio aéreo "de uma forma ou de outra. Ele dizia: 'se eu morrer e vocês continuarem minha luta eu morro feliz'", comenta a filha. Mais de uma década após o crime, a família seguiu com os movimentos sociais em busca por justiça.