PMs são réus acusados de matar pai, mãe e filho em Fortaleza no ano de 2019

O cabo Igo Jefferson Silva de Sousa e o soldado Luis Mardônio Moraes da Silva foram denunciados pelo triplo homicídio, que ainda teria relação com outras duas mortes

11:40 | Out. 07, 2024

Por: Lucas Barbosa
Pichações feitas pelos assassinos de pai, mãe e filho em referência a uma facção criminosa (foto: Via WhatsApp O POVO )

Dois policiais militares são réus em uma ação penal em que são acusados de um triplo homicídio ocorrido em 31 de janeiro de 2019 no bairro Jacarecanga, em Fortaleza. O cabo Igo Jefferson Silva de Sousa e o soldado Luis Mardônio Moraes da Silva foram denunciados pelos assassinatos de Francisco Adriano do Nascimento Gregório, de 37 anos, Janaína Carneiro da Silva, de 32 anos; e Adriandeson Mendes Gregório, de 19 anos — que eram pai, mãe e filho, respectivamente.

Na edição da última segunda-feira, 30, do Diário de Justiça do Estado (DJCE), portaria que concedia ao advogado do cabo Igo acesso aos autos informava ainda que a 4ª Vara do Júri recebeu a denúncia do Ministério Público Estadual (MPCE) contra os acusados.

O caso tramita em segredo de justiça. O POVO questionou a Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD) quais teriam sido as motivações do crime, mas a pasta não respondeu.

Em nota, a CGD afirmou apenas que a Delegacia de Assuntos Internos (DAI) finalizou e encaminhou à Justiça o inquérito policial. “A CGD instaurou procedimento disciplinar para apuração na seara administrativa, estando este, atualmente, em trâmite processual”, também afirmou o órgão.

O POVO mostrou em 2020 que a Polícia Civil do Ceará (PC-CE) suspeitava que o triplo assassinato havia sido praticado por um “grupo de extermínio” composto por PMs e que o caso ainda teria ligação com dois outros homicídios.

Conforme a investigação, as três vítimas estavam dormindo em casa, acompanhadas de duas crianças, quando, por volta das 5 horas vários homens encapuzados e com coletes à prova de bala invadiram a residência. As crianças foram trancadas pelos criminosos em um cômodo e, em seguida, as vítimas foram assassinadas a tiros.

Antes de sair, os executores picharam as paredes da casa com referências à facção criminosa Guardiões do Estado (GDE). “Vai ter mais”, também foi pichado no imóvel. “Francisco Adriano havia saído há pouco da prisão e era monitorado por tornozeleira eletrônica”, informou O POVO na matéria de 2020.

O POVO também apurou que uma testemunha sigilosa indicou os cabos Igo Jefferson e José Heliomar Adriano de Souza Filho — este último morto em 12 de maio deste ano — como suspeitos do triplo homicídio.

Além disso, a testemunha afirmou que, dois dias antes do crime, policiais estiveram na casa das vítimas. Outra prova indiciária do envolvimento de agentes de segurança na execução foi a ida ao DHPP de uma pessoa, que se apresentou como PM, durante a oitiva das testemunhas protegidas. O MPCE assinalou que essa pessoa “estava em atitude suspeita”.

Germano Palácio, advogado que representa Igo Jefferson, disse que ainda não teve acesso à íntegra dos autos e, por isso, não poderia manifestar-se sobre o mérito da ação. O POVO não localizou a defesa de Luis Mardônio.

Ligação com outros homicídios

Vinte minutos antes do triplo homicídio, a cerca de 4,5 quilômetro dali, no bairro Barra do Ceará, Adenilton Gadelha dos Santos, de 22 anos, foi morto a tiros. O modus operandi dessa execução foi semelhante ao crime da Jacarecanga: homens encapuzados, que usavam coletes balísticos e trafegavam em um comboio composto por quatro carros, invadiram a residência de Adenilton e efetuaram disparos contra ele.

Uma diferença da execução de Adenilton para a da família na Jacarecanga foi a menção feita pelos criminosos à facção Comando Vermelho (CV). Após matarem Adenilton, os criminosos passaram a gritar o nome da facção na rua onde o homicídio foi registrado.

O soldado Luis Mardônio é o único réu pelo homicídio de Adenilton, mas ainda não foi julgado. Exame pericial constatou que partiu da arma de fogo do PM, uma pistola .40, os projéteis encontrados no corpo da vítima e também na cena do crime. Em 2019, o advogado que representava Luis Mardônio afirmou a O POVO haver "falha grave" no exame.

Luis Mardônio foi preso no dia 4 de fevereiro de 2019 em uma borracharia do bairro Pici. Com ele, os policiais encontraram um carro modelo Corsa Classic, semelhante ao que compunha o comboio dos executores que passou pela Jacarecanga e pela Barra do Ceará na madrugada do dia 31 de janeiro.

Além disso, o Corsa Classic foi flagrado em um assassinato ocorrido no dia 3 de fevereiro de 2019 no bairro Planalto Ayrton Senna. Nessa ação, foi morto Samuel Peixoto de Moraes, 21 anos. Luis Mardônio também foi o único denunciado nesse caso, tendo sido condenado a 46 anos e dez meses de prisão. Ele recorre da sentença em segunda instância.

O assassinato de Samuel também não teve motivação esclarecida. O MPCE denunciou o crime como latrocínio (roubo seguido de morte), já que, antes da execução, os criminosos tomaram o celular de Samuel e de outras pessoas que estavam com ele em um carro de aplicativo.

Cabo já era acusado por outros crimes

Tanto Luis Mardônio quanto Igo Jefferson já estavam presos quando os mandados de prisão preventiva referentes ao triplo assassinato de 2019 foram cumpridos. Igo Jefferson havia sido preso em 21 de fevereiro deste ano, quatro dias após ele e outros cinco PMs serem baleados no Pirambu.

Conforme a CGD, os agentes de segurança, que estavam de folga, foram até a região procurar e assassinar integrantes do CV, no que seria uma retaliação à morte do soldado Bruno Lopes Marques, em 12 de fevereiro. Os criminosos, porém, se anteciparam e efetuaram disparos de fuzis contra os policiais, vindo a ferir Igo Jefferson no maxilar.

No pedido de prisão, o MPCE apontou que havia a suspeita de que Igo Jefferson e outros PMs praticaram dois homicídios na madrugada do dia 15 de fevereiro, nos bairros Cristo Redentor e Carlito Pamplona, também em vingança à morte de Bruno, que foi morto por integrantes do CV.

Entretanto, a prisão de Igo Jefferson se deu no contexto da operação "Interitus", deflagrada em novembro de 2023 pelo MPCE e pela CGD. Ele e outros dez agentes de segurança foram acusados de compor uma organização criminosa especializada em delitos como extorsão, ameaças, homicídios etc.

Em 2020, o cabo já havia sido afastado preventivamente pela CGD suspeito de invadir, ao lado de outros PMs, uma casa em Caucaia (Região Metropolitana de Fortaleza) e, de lá, subtrair diversos objetos de valor. O suposto ato criminosos ocorreu durante a paralisação da PM em fevereiro de 2020.