Seminário em Fortaleza discute entrega legal de crianças para adoção

Evento busca preparar profissionais de Justiça, saúde, assistência social, entre outras áreas, para pôr em prática o direito garantido às gestantes

15:23 | Ago. 14, 2024

Por: Kleber Carvalho
Cerca de 1300 pessoas participaram do evento (foto: Matheus Souza)

Entre as 8 e as 13 horas da manhã desta quarta-feira, 14, o teatro do Shopping RioMar Fortaleza, no bairro Papicu, foi palco para a terceira edição do Seminário de Entrega Legal de Crianças à Adoção. O evento reuniu cerca de 1.300 profissionais de diversas áreas, saúde, Justiça e assistência social, para discutir o direito de gestantes e puérperas entregarem legalmente os filhos para adoção.

Conhecida como entrega legal, a abdicação da guarda da criança é um direito garantido para as mulheres pelo marco legal da primeira infância, na Lei Federal N° 13.257/16, e está presente também no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Mediante uma série de normas, o processo de entrega pode ser iniciado desde a gestação até 45 dias após o nascimento da criança. Para realizar a doação da criança, a mãe deve manifestar o desejo para um profissional de saúde ou assistência social, que irá orientá-la durante o início do processo.

“A mulher que não quer maternar, por qualquer motivo, ela tem o direito de entregar a criança. Isso não é errado como algumas pessoas pensam. O que é errado é o abandono, que é crime. Qualquer mulher que não deseje maternar, não deseje ficar com o filho, pode dar seu filho em adoção”, explica a coordenadora do programa Entrega Legal de Crianças para adoção em Fortaleza, Silvana Garcia.

Declarada a vontade da mãe de doar o bebê, o hospital ou unidade de assistência social deverá encaminhar a mulher até uma unidade do Poder Judiciário. No local, ela deverá ser acolhida em uma sala reservada e passar por orientações com diversos profissionais, sem nenhum constrangimento, em acordo com o artigo 151 do ECA, para constatar a certeza da decisão.

Durante o processo, ela também poderá ser juridicamente acompanhada por um defensor público ou advogado dativo da Vara de Infância e da Juventude local. À mãe também é assegurado o direito de desistir da doação em até dez dias após a primeira audiência para a abdicação da guarda.

Toda a decisão sobre a entrega da criança é pautada na vontade da mãe. O processo inclusive pode ser realizado em completo sigilo, sem comunicação aos avós do bebê ou outros responsáveis.

Nos casos em que a mãe deseje comunicar a decisão ao pai do bebê, ele poderá ser chamado para uma audiência, onde os dois responsáveis terão de entrar em um acordo para a doação ou não da criança.

Fortaleza é o primeiro município do País a regulamentar a entrega legal

Além da norma nacional, Fortaleza também possui a sua própria legislação sobre a entrega legal, através da Lei N°11.467, sancionada em junho deste ano. A Capital também assume destaque na iniciativa em todo o País, sendo a primeira a possuir regulamentação sobre o tema a nível municipal.

“É o primeiro município do Brasil a ter uma lei municipal que normatiza a intersetorialidade das parcerias para fazer esse processo de adoção e evitar que a gestante, após o parto, não tenha condições de criar essa criança”, explica o presidente da Fundação da Criança e da Família Cidadã (Funci), Raimundo Gomes de Matos.

Assim como a lei nacional, a norma alencarina também estabelece a obrigatoriedade de assistência e acolhimento para a mãe que manifeste a vontade de doar o filho.

Entre as disposições inclusas na Lei N°11.467, está a criação do programa Entrega Legal, responsável, entre outras funções, por elaborar um relatório com o nome, endereço, contato, data prevista do parto e coleta de documentos da gestante.

Entrega pode acelerar processo de adoção

Um dos benefícios da entrega apontados é a celeridade no processo de adoção do bebê. Um dos objetivos do seminário é explicar que, em condições tradicionais, o processo pode durar mais de dois anos, enquanto através da entrega legal, ele pode ser reduzido para até três meses.

“A genitora, a pessoa que entregou essa criança, ela precisa passar por uma audiência para confirmar a entrega. É um direito dela. Nessa audiência ela confirma a entrega, e o TJCE ainda espera dez dias, que é o período de arrependimento previsto legalmente. Não acontecendo o arrependimento, a criança já segue para adoção”, explica a presidente do Coletivo de Pais Pretendentes à Adoção no Ceará (Coppa), Dominik Fontes.

A celeridade é boa não só para os pais, mas também para as crianças, que deixam de passar os primeiros dois ou três anos de vida, importantes para a formação, em um lar para adoção.

“As crianças entregues em adoção, em geral são mais calmas, ficam mais tranquilas, o desenvolvimento psicomotor delas é muito melhor e, para além disso, a gente evita o aborto e questões que vão fazer com que essa criança entre em risco social”, pontua Silvana.

Seminário busca capacitar profissionais da atenção básica às gestantes

Em sua terceira edição, o seminário objetiva preparar profissionais da saúde, Justiça, assistência social e demais áreas que participam do acolhimento às gestantes e puérperas, para o trato com situações delicadas como a da entrega legal.

Estiveram presentes no seminário profissionais de diversos municípios do Estado. Entre eles, os conselheiros tutelares de Quixadá, Fagner Silveira e Geibson Victor, que destacam a importância da capacitação.

“Em casos como este, é chamado o Conselho Tutelar para fazer essa intervenção. É aí onde vai acrescentar nosso conhecimento. Nossa expectativa é tirar as dúvidas e levar esse conhecimento para nossa cidade”, afirma Gleibson.

Realizado pelo Ministério Público do Estado do Ceará, em parceria com a Funci, o evento reuniu mais de 1.300 participantes para palestras sobre garantia e fortalecimento dos direitos da criança na primeira infância.

“Para nós é muito gratificante, muito bom ver que as pessoas estão dispostas a se reciclar, a ter mais conhecimento em relação ao processo legal e saber como atender da melhor maneira possível as pessoas que estão passando por essa situação”, explica o promotor de Justiça e diretor-geral da Escola Superior do Ministério Público (ESMP), Manuel Pinheiro.

Para mais informações sobre o processo de entrega consulte o Manual Sobre Entrega Voluntária do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).