Inspetora é indiciada por injúria racial após discussão na Serrinha

Policial teria dito a um garçom "comer milho da senzala" durante confusão pelo não pagamento da conta em uma churrascaria. O funcionário também foi indiciado por injúria

Uma inspetora da Polícia Civil foi indiciada após ser acusada de desferir ofensas racistas contra um garçom de uma churrascaria localizada no bairro Serrinha, em Fortaleza. Janete de Almeida Fermon nega ter feito as declarações em referência à cor ou à raça da vítima.

Vídeo feito por um dos funcionários da churrascaria mostrou a policial dizendo “vai comer milho da senzala” ao garçom durante uma confusão motivada pelo não pagamento da conta do estabelecimento. 

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O garçom, por sua vez, foi indiciado por injúria, pois ele teria declarado que “isso era coisa de liso, a pessoa sair pra beber e não ter dinheiro” (SIC).

O caso ocorreu em março deste ano e, na última sexta-feira, 19, uma portaria foi publicada pela Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública (CGD) no Diário Oficial do Estado anunciando a abertura de procedimento administrativo disciplinar contra a inspetora.

Confira vídeo que registrou parte da discussão:

Como se deu a confusão

Em 24 de abril último, a Delegacia de Assuntos Internos (DAI), da CGD, indiciou a inspetora pelo crime previsto no artigo 2º-A, da Lei nº 7.716/1989 (“Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro, em razão de raça, cor, etnia ou procedência nacional”).

Conforme o relatório final do inquérito instaurado pela DAI, a confusão teve início após a policial ir até a churrascaria, acompanhada do namorado e de uma amiga, e eles terem esquecido o cartão de crédito. Os amigos conversaram com os gerentes do local e foi estabelecido que eles poderiam pagar no dia seguinte. 

Apesar disso, o garçom não teria aceitado o acordo, afirmando que não se responsabilizaria, pois poderia “sobrar” para ele e que o estabelecimento poderia descontar o valor de seu salário. Com isso, teve início a discussão, em que ambas as partes se acusam mutuamente de injúrias preconceituosas.

Em depoimento, o garçom relatou que Janete disse que “da próxima vez, tinha que falar com gerente, porque o declarante não era nada”, no que ele respondeu: "Além de não pagar, ainda vão botar boneco?".

Com isso, afirmou o garçom, a policial e o namorado dela teriam ido "para cima" dele, momento em que o homem teria dito “Cala a boca, negão" e a inspetora, “Vai pra senzala comer milho" (SIC).

O garçom também afirmou que Janete disse que ele “nunca ia ser ninguém na vida, que nunca ia chegar a ser um gerente” e que, por mais de uma ocasião, mandou-o “comer milho na senzala”.

Acusações contra o garçom

Janete, por sua vez, afirmou, em depoimento, que, quando falou “vai comer milho da senzala”, referia-se “ao aspecto profissional” do garçom, “alegando que era por isso que ele nunca ia chegar a ser gerente, porque desrespeitava os clientes”. Ela frisou que afirmou “comer milho da senzala” e não “comer milho na senzala”.

Ela também disse que só “perdeu as estribeiras” depois de receber vários insultos por parte do garçom, que teria chamando os clientes de “fuleragens” e “caloteiros”.

Além disso, o garçom também teria chamado o namorado da policial de “ceguinho que não aguentava nem uma porrada”, uma vez que este é deficiente visual (tem síndrome de Stevens-Johnson).

O garçom, em seu depoimento, rebateu as acusações, afirmando sequer ter percebido que o namorado da inspetora era deficiente visual, pois ele, entre outros, transitou pelo estabelecimento sem demonstrar nenhuma dificuldade.

Na verdade, conforme o garçom, a verdadeira afirmação teria sido “algo do tipo ‘um cara bebo desse não aguenta uma mãozada e ainda quer vir brigar’”.

Por fim, a policial ainda anexou diversas fotos dela com pessoas negras, tendo declarado que, inclusive, o filho dela é negro e que, quando estava grávida, queria “que ele nascesse com a cor do pai, o que, de fato, aconteceu”.

Posicionamento da CGD

No relatório final, os delegados da DAI entenderam não haver elementos suficientes de que o garçom foi capacitista contra o namorado da inspetora. Por outro lado, entenderam que “não restam dúvidas” de que a policial praticou o crime de injúria resultante de preconceito de cor.

“Não há como se conceber que, ao proferir as palavras “VAI COMER MILHO DA SENZALA” (SIC), a investigada não tenha ofendido a dignidade (do garçom), em razão de sua cor, ainda que tenha se tratado de uma situação pontual, até mesmo porque, como exarado por JANETE, esta última tem vasta convivência com pessoas negras, inclusive na família”, é afirmado no relatório.

Os delegados também entenderam que o garçom praticou crime contra a honra da policial e de seus amigos ao fazer declarações como “isso era coisa de liso, a pessoa sair pra beber e não ter dinheiro" e “um cara bebo desse não aguenta uma mãozada e ainda quer vir brigar”.

O caso agora aguarda posicionamento do Ministério Público Estadual (MPCE), que pode, entre outros, ofertar denúncia à Justiça, propor Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) ou demandar novas diligências à DAI.

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