Projeto busca solução para restauração da Torrinha, prédio histórico da UFC

Prédio está interditado desde 2020. Iniciativa de arquitetura levanta questionamentos e propostas para melhoria do equipamento, que nasceu como residência e observatório

16:58 | Jun. 25, 2024

Por: Rafaell Estebann
Torrinha, prédio histórico no Centro de Humanidades II da Universidade Federal do Ceará (UFC), no bairro Benfica (foto: Rafaell Estebann / Especial para O POVO)

Alvo da memória dos movimentos estudantis e abrigo de centros acadêmicos, a Torrinha é um espaço de grande significância para muitos estudantes da Universidade Federal do Ceará (UFC). Tomado por manifestações artísticas, o edifício histórico localizado no Centro de Humanidades II da UFC é objeto de discussões acerca de sua estrutura física e de sua relevância para a comunidade acadêmica. Transformar o edifício esquecido do CH II em um lugar – ou seja, um ambiente onde se gera estima e afeição – é o novo desafio.

A edificação do século passado é o que restou da residência do engenheiro e político João Tomé de Sabóia Silva (1870–1945). Ele governou o Ceará entre 1916 e 1920. O espaço funcionava como um observatório, já que Sabóia era um astrônomo amador. 

A famosa torre do campus Benfica permanece interditada e ainda enfrenta processos de deterioração atualmente. Em contrapartida, um projeto de arquitetura tenta somar esforços aos órgãos internos da universidade que já estão trabalhando em prol da reforma do prédio. O Memorial da UFC é um desses equipamentos responsáveis pela preservação e comunicação da memória institucional que manifestou interesse em realizar ação pela Torrinha.

Além de fazer parte da história acadêmica, a construção tem seu valor para muitos estudantes do Centro de Humanidades, especialmente, os alunos de Psicologia e Comunicação Social, cujos centro e diretório acadêmicos, respectivamente, eram hospedados no interior da Torrinha.

Foi pensando no valor agregado a esse símbolo da universidade que o workshop “O espaço esquecido: entre a percepção do espaço e a realidade virtual”, realizado no primeiro semestre deste ano, buscou fomentar a criatividade de graduandos e profissionais já qualificados na área de Arquitetura e Urbanismo acerca do processo de revitalização da Torrinha.

Os professores e arquitetos italianos Mario Fundaro (professor do Departamento de Arquitetura, Urbanismo e Design da UFC) e Alberto Collet (professor de projeto arquitetônico no Politecnico di Milano) são as mentes por trás do projeto. A iniciativa também contou com a parceria do Instituto de Arquitetos do Brasil (Departamento do Ceará), que se fez presente durante os cinco dias de atividade por meio de Cristiane Alves, diretora de políticas profissionais.

Realizado no Pavilhão Reitor Martins Filho, no campus Benfica da UFC, o curso iniciou com questionamentos acerca da estrutura do importante equipamento acadêmico. Alinhando teoria e prática, por meio de projetos desenhados, e utilizando-se de tecnologias de simulação, o objetivo central do evento era explorar potenciais transformações na conjuntura física e conceitual desse ambiente.

 

Questões como a psicologia ambiental e a teoria da mudança foram trabalhadas de maneira teórica. Na prática, a projeção e utilização de ferramentas virtuais simuladoras fizeram parte da programação. O diferencial do projeto foi contar com a dinâmica entre profissionais já atuantes e alunos da graduação em Arquitetura e Urbanismo, além dos recursos tecnológicos de softwares.

Propondo a ideia de um workshop de arquitetura

Ainda em período pandêmico, o professor Alberto Collet contatou várias universidades da América do Sul – inclusive a UFC – para propor a ideia de um workshop de arquitetura. A priori, o professor explica que tentaram começar online, pela facilidade de entrar em contato com diversas instituições. A ideia principal do evento era pensar em projetos de renovação para espaços tidos como esquecidos, seja pelo abandono social ou pela negligência de governos.

Em 2019, Collet organizou um workshop presencial em Belo Horizonte (MG), que originou o Projeto Acadêmico Alternativo, o qual coordena até hoje. O objetivo era dinamizar os estudos da academia, aumentando a carga cultural e aprofundando questões importantes para o contexto do curso de arquitetura da UNIBH (MG).

Foi em junho de 2023 que houve a primeira edição com o mesmo título utilizado neste ano, com o apoio do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB - CE). O espaço que foi objeto do evento anterior fica localizado no Departamento de Arquitetura e Urbanismo e Design da UFC (Daud), também no Benfica, e contou com estrutura de formação semelhante. A ideia é dar continuidade ao projeto, levando o mesmo nome, e trabalhar questões inerentes a esses espaços negligenciados aqui, no Brasil.

Lugar X espaço

Lugar e espaço podem até ser consideradas palavras sinônimas, mas o conceito explicado pelo professor Mario Fundaro fez os termos “espaço” e “lugar” se configurarem como distintos. “O lugar é a apropriação do espaço”, afirma e acrescenta que para se tornar um lugar, é preciso que haja senso de identificação pelas pessoas.

Foi trazendo essa relação “ser humano – lugar” que a professora de Psicologia, Zulmira Áurea, abriu a discussão na oficina de psicologia ambiental do workshop.

Levantando reflexões sobre como se pensar um lugar, não apenas em sua estrutura física, mas também na carga afetiva que ele pode transmitir, o estudo em cima da Torrinha tornou-se ainda mais humanizado. “Assim como estimamos a nós mesmos, podemos estimar lugares”, explica.

A fala de Zulmira se une à ideia de Fundaro no ponto em que os dois retratam apropriação de lugar enquanto sentimento. Para ele, a felicidade se transforma em ato de se apropriar; para ela, precisa-se sentir o ambiente para, então, se apossar dele.

“O mais importante é que a gente alcance as pessoas”

Perguntada sobre o papel da psicologia ambiental em um projeto arquitetônico, Andie Lima, doutoranda em Psicologia e oficineira no evento, envereda para o conceito de estima de lugar. Ela acrescenta que esses lugares sócio-históricos estão sendo ocupados, justamente, por pessoas e o que elas sentem em sua relação com o ambiente é o mais importante a se considerar.

Não à toa alguns estudantes do campus Benfica que já tiveram contato com a Torrinha e geraram esse senso de pertencimento ao local ainda lutam, hoje em dia, pela requalificação do prédio. As atividades dos centros acadêmicos dos cursos de Psicologia e Comunicação Social funcionaram até fevereiro de 2020, quando a torre foi interditada pela Prefeitura do campus Benfica. Hoje em dia, apenas o anexo – apelidado de “puxadinho” –, que é reservado aos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda, continua ativo.

É também por essa razão que estudantes dos cursos de Psicologia e Jornalismo da UFC almejam o início das obras o mais breve possível. Estando mais envolvidos com o workshop, representantes do centro e diretório acadêmicos puderam se fazer presentes durante o desfecho do evento.

A participação de Grasieler Martins (Jornalismo) e Marina Lopes (Psicologia) durante o evento ficou registrada pela fala sobre a importância atual do prédio para o movimento estudantil. Ambas reforçaram a necessidade da participação dos estudantes no processo oficial de requalificação da torre e comentaram sobre a relação do prédio histórico com os estudantes do Centro de Humanidades.

Marcela Teixeira também se fez presente, como representante do Memorial da UFC, equipamento interno da universidade que promove ações de preservação e comunicação da memória institucional. A diretora do órgão lembrou que o estímulo dos estudantes envolvidos com a causa da Torrinha foi fundamental para que se garantisse a participação do Memorial nos estudos em prol do resgate à memória do prédio.