Mulheres que perderam filhos para a violência recebem cuidados de beleza de Dia das Mães

Mães receberam tratamentos estéticos e terapêuticos como forma de resgate da autoestima, durante programação da 4ª edição do Dia da Beleza, no bairro Bom Jardim

Mães que perderam seus filhos e filhas para a violência, sobretudo cometidas por agentes de segurança do Estado ou feminicídio, participaram da 4ª edição do Dia da Beleza. O evento foi realizado na manhã deste sábado, 11, na sede do Movimento de Saúde Mental (MSM) do Bom Jardim, em Fortaleza, como uma homenagem ao Dia das Mães, celebrado no domingo, 12 de maio.

Na ocasião, as mães foram presenteadas com técnicas de autocuidado, como massagens, cortes e tratamento de cabelo e maquiagem, enquanto também compartilhavam apoio mútuo. A ação é promovida pelo movimento Mães da Periferia, dedicado às mulheres que residem em Fortaleza e em outros municípios do Ceará.

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Uma das principais lideranças por trás desse movimento e do evento do Dia da Beleza é Edna Carla. Ela é mãe de Alef Souza, que tinha 17 anos quando se tornou uma das vítimas da Chacina do Curió. O episódio é considerado uma das maiores chacinas já registradas no Ceará, resultando na morte de 11 pessoas, sendo oito adolescentes, no bairro de Fortaleza, em 2015.

Mesmo diante da dor de perder um filho, Edna e outras mães que passam por um contexto semelhante se esforçam para não viver apenas no luto. Para ela, que realiza o Dia da Beleza desde 2021, a iniciativa representa uma maneira de oferecer um momento de valorização.

“Nenhuma dessas mães tinha mais felicidade no Dia das Mães, assim como eu não tinha. Então, pensei: ‘Preciso criar algo para que elas possam ter o momento delas, um acolhimento’. Isso também é uma homenagem ao meu filho. Como ele gostaria que eu me arrumasse, pensei nos filhos das outras mães, como eles gostariam que suas mães se arrumassem”, diz.

“O Dia da Beleza é um momento para nos sentirmos deusas, para nos sentirmos desejadas por nós mesmas”, continua Edna. Ela explica que a ocasião também é para exigir justiça pelos filhos que foram mortos de forma violenta e injusta. “Mostrar que, mesmo na angústia, nós somos guerreiras. E é assim que vamos lutar por justiça pelos nossos filhos".

As mais de dez mulheres foram recebidas com café da manhã. Na ocasião, as mães dividiram relatos de perda e de força. Conversamos com uma mãe que, para preservar a própria segurança e da família, preferiu se resguardar em anonimato. Ela conta que, desde 2015, em um intervalo de pouco mais de um ano, perdeu um filho e, posteriormente, uma filha, em decorrência de violência policial.

Lutando contra as lágrimas, relata que, em meio a muita dor e se agarrando na fé, recentemente recebeu a notícia da morte de um terceiro filho, dessa vez após o envolvimento com grupos criminosos.

Segundo ela, o Dia das Mães nunca mais foi o mesmo pela dor da perda dos três filhos. Mãe de outros quatro filhos e avó, a mulher desde então se esforça para se manter forte, mas relata que ao longo do tempo a vaidade ficou em segundo plano.

“Eu participo desde o primeiro Dia da Beleza. Foi o que me fez recomeçar a me cuidar. Antes, eu não pintava meu cabelo, mas agora pinto. Quando saio, uso um pouquinho de batom e faço as unhas. Também arrumo minhas sobrancelhas. Ainda é uma luta, mas minha autoestima melhorou", diz a mãe.

O evento tem o apoio do Núcleo de Apoio às Vítimas de Violência (NUAVV), do Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE). De acordo com a promotora Joseana França, que também esteve presente no Dia da Beleza, uma das consequências de quem sofre com a violência é o adoecimento mental.

“Esse movimento é muito importante não só para elas, mas também para outras pessoas que não participam, porque é um exemplo de superação e ressignificação da vida. Elas melhoraram muito e trabalhar a autoestima é conseguir juntas preencher um pouco do vazio que elas sentem”, diz a promotora de Justiça.

Ao longo do dia e tarde, as mães foram presenteadas com sessões de cabelo e maquiagem. Profissionais do Movimento de Saúde Mental (MSM) do Bom Jardim também estavam lá para oferecer massagens, reiki e outras técnicas terapêuticas.

Uma das mulheres que receberam a sessão de relaxamento foi Rosilene Brito. Ela é mãe da jovem Stefhani Brito, que foi vítima de um brutal feminicídio em janeiro de 2018. Mãe de outros dois filhos homens, Rosilene conta que, naquele 1º de janeiro, perdeu uma amiga. “O mês de maio é muito doloroso. Além do Dia das Mães, no dia 16 a minha filha estaria fazendo 28 anos”, conta.

Essa é a primeira vez que Rosilene participa de um Dia da Beleza. “Eu fui convidada no mês passado, até então eu não conhecia. Mas é sempre bom ter o apoio de pessoas e eu me sinto feliz por não ser esquecida, porque quem perde um filho muitas vezes se sente esquecido pelas pessoas”, relata.

"Eu fiz uma massagem super relaxante. Eu estava precisando tanto, porque vivo sob alto estresse. E até recomendo para outras mães que busquem essa ação. É um momento que renova a autoestima. A beleza não é apenas externa, é espiritual", conclui.

Ao final do Dia da Beleza, as mulheres levaram para casa cestas com itens de autocuidado e de saúde, como shampoos, maquiagens e absorventes. Os recursos para a realização do evento foram fornecidos pela Open Society, rede internacional de filantropia, em parceria do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca Ceará).

 


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