Lord Hotel não será Câmara de Fortaleza e Prefeitura diz que devolverá prédio ao Estado

Prefeitura de Fortaleza desistiu da cessão do prédio e procura a devolução do empreendimento ao Governo do Estado, que afirma aguardar laudos técnicos

O prédio de quase 70 anos que sediou o Lord Hotel, localizado no Centro de Fortaleza, na
esquina das ruas 24 de Maio com Liberato Barroso, permanece abandonado. Anteriormente propriedade do Governo do Estado, foi cedido à Prefeitura em 2019, que propôs o restauro do local para abrigar a Câmara Municipal até 2022. A Câmara Municipal de Fortaleza, contudo, declarou desistir do projeto por conta da “complexa obra de revitalização do prédio que se mostrou inviável economicamente”.

Após desistência do Legislativo, a Secretaria de Cultura de Fortaleza (Secultfor), que executa a instrução de tombamento do prédio, declarou que realizou o processo de devolução do Lord Hotel ao Governo do Estado no dia 9 de agosto de 2023.

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Já o Metrofor, que ficou à frente da desapropriação do prédio em 2001, informou que o Lord Hotel ainda encontra-se sob responsabilidade da Prefeitura de Fortaleza. “Em dezembro de 2023, o Governo do Ceará recebeu ofício da Prefeitura de Fortaleza manifestando interesse em desfazer a cessão - antes do prazo inicial [de 25 anos] estipulado, e sem as anunciadas obras no local”, informou a pasta.

“O ofício que o Estado recebeu trata da intenção da Prefeitura em devolver. Iniciando, assim, os procedimentos para que seja concluído e oficializado o destrato”, informou em nota a assessoria de comunicação do Metrofor. Segundo o órgão, para que a cessão seja desfeita, são necessários laudos técnicos que apontem a situação atual da edificação.

Enquanto há conflito de versões entre os dois poderes, a Câmara Municipal de Fortaleza ressalta que ainda mantém o interesse de transferir as atividades da Casa para o bairro Centro. “Desde então ocorrem os estudos técnicos para viabilizar a transferência das atividades do Legislativo para o Centro, com a busca de uma outra edificação que possa alocar suas funções administrativas, legislativas e de prestação de serviço aos cidadãos”, completa.

O risco de desabamento do edifício Philomeno Gomes, primeiro nome do prédio, foi identificado em vistorias realizadas em 1999, antes do início das obras do trecho subterrâneo do Metrô em Fortaleza. Em 2001, o imóvel recebeu do Metrofor a proposta de demolição, visando às obras da Estação da Lagoinha.

No mesmo ano iniciaram-se negociações para sua desapropriação. Segundo o Governo do Ceará, foram realizados 101 acordos administrativos e 19 ações judiciais para a indenização dos proprietários. Os valores variaram de R$ 2.124,42 a R$ 161.256,55.

Ao longo da década de 2000, o prédio chegou a ser tombado provisoriamente pelo Município. Em 2019, o então governador Camilo Santana aprovou o repasse do edifício para à Prefeitura de Fortaleza. A ideia era abrigar no local a Câmara Municipal de Fortaleza, localizada hoje no Luciano Cavalcante.

Com a posse, um projeto de restauro e conversão do Hotel em Câmara Municipal chegou a ser apresentado. Além de reformado, o local também seria expandido e contaria com gabinetes, refeitório, plenário, salão de eventos, dentre outros setores. A expectativa era de que a mudança de endereço ocorresse até 2022.

Sem a demolição ou a reforma, o Lord Hotel atualmente é cercado por tapumes de proteção. Do lado de fora, há rachaduras e reboco caindo, com marcas de infiltração.

Além das janelas quebradas, são vísiveis as vigas de sustentação metálicas, fruto de intervenções do Governo para que o prédio pudesse suportar os impactos das escavações da então Estação Lagoinha (atual Estação José de Alencar). Foram investidos na obra R$ 3,7 milhões.

O comerciante Francisco Auricélio, 47, passa quase todo dia pelo antigo Lord Hotel desde que começou a trabalhar na área central da Cidade, em 1991. Segundo ele, na época, o prédio ainda estava bem conservado. “Apesar de já estar com bem menos movimento naquela época, como diziam os mais velhos, ainda era um hotel muito conceituado, o melhor daqui do Centro”, comenta.

“Geralmente, quem se hospedava eram turistas que vinham visitar o Centro de Fortaleza, visitar patrimônios históricos, como o Teatro José Alencar”, pontua Auricélio. Ele se entristece ao se dar conta de que o tempo e o descaso público tenham deteriorado a edificação.

"Vai acontecer a mesma coisa que aconteceu naquele prédio na Praia [de Iracema], o São Pedro. Quando perceberam, não havia mais como reformar. A gente vê que ainda tem uma estrutura saudável e ainda dá para fazer alguma coisa. É um patrimônio histórico que ajudou muito a Cidade, principalmente financeiramente”, conclui o comerciante.

Lord Hotel ao longo do tempo

 

A história do Lord Hotel remonta à sua fundação, em 1956. Construído pela família Philomeno Gomes, que também fundou e é proprietária do Edifício São Pedro, o local hospedou personalidades ilustres, como Roberto Carlos, Dercy Gonçalves e a Seleção Brasileira de Futebol.

A decadência gradual dos grandes hotéis do Centro começou a se manifestar na década de 1980, com a preferência dos turistas por hospedagens à beira-mar da Capital. Em meio a uma crise que afetava o setor hoteleiro, o Lord Hotel fechou as portas em 1992, juntando-se a outros estabelecimentos emblemáticos que haviam encerrado suas atividades — o San Pedro Hotel, em 1959, e o Savanah Hotel, 1963.

Após o fechamento, metade do empreendimento tornou-se pousada, e a outra parcela seria destinada a apartamentos residenciais. O térreo, por sua vez, tornou-se comercial. Ao todo, o empreendimento chegou a ter cerca de 120 apartamentos.

De acordo com Jefferson John, presidente do Departamento do Ceará do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-CE), o Edifício Philomeno Gomes possui elementos dos estilos Art Déco e do início de uma arquitetura moderna cearense. Para ele, o prédio tem potencial para uma revitalização.

"As técnicas de restauração podem ser aplicadas. Houve até um projeto arquitetônico para a Câmara Municipal. No entanto, esse prédio, por possuir características de um hotel, pode ser adaptado para qualquer outro tipo de atividade, um edifício público ou escritório, por exemplo”, pontua.

Segundo Jefferson John, é necessário que Fortaleza preserve prédios históricos, em especial os localizados no Centro.

“Uma cidade precisa desses elementos construídos para que se conte a história dela, isso é chamado de 'fatos arquitetônicos'. Estamos falando de um edifício ao lado do Theatro José de Alencar, próximo a uma praça e de um importante terminal de ônibus. Ou seja, toda uma região repleta de história."

Luiz Gonzaga de Brito, 78 anos, tem um ponto comercial ao lado do Lord Hotel desde 1985. Na época, o aposentado explica que o empreendimento hoteleiro impulsionava todo o comércio da região. “Aqui tinha várias lojas, mas colocaram os tapumes impedindo a circulação e não seguiram com nenhum projeto no prédio, virou um ponto morto”, relata.

Desde então, o idoso não consegue mais alugar seu ponto comercial. Para ele, sem reforma e ocupação, a única solução à vista seria uma demolição. “Se o governo acha que não tem condição de fazer nada aí, então não deveria estar de pé ocupando espaço”, diz Brito.

 

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