Chuvas em Fortaleza geram alerta para proliferação de dengue em espaços públicos
Limpeza e manutenção de espaços públicos e privados são necessárias para evitar a propagação do mosquito Aedes aegypti. Água parada, que fica mais comum na quadra chuvosa, é fator que gera risco à população das cidades
18:18 | Mar. 19, 2024
Com a quadra chuvosa no Ceará, os alertas sobre a proliferação do mosquito Aedes aegypti, transmissor de dengue, zika e chikungunya aumentam. Neste cenário, além da responsabilidade individual dos cidadãos, é crucial que o Poder Público se encarregue da manutenção adequada de espaços coletivos, que podem se tornar criadouros ideais para o mosquito transmissor devido ao acúmulo de água parada.
Liliana Maria Souza Lima é moradora do bairro Passaré, em Fortaleza. Mãe do pequeno Raul, de 6 anos, ela relata que o filho contraiu a forma grave da dengue no ano passado. “Foi um grande susto. Ele precisou ficar, inclusive, internado. Felizmente, deu tudo certo. Agora o que fica é o medo de ele vir a contrair de novo e até por nós mesmos, que também podemos pegar [dengue]”, diz a mãe.
A família mora há cerca de dois anos em um residencial na rua Desembargador Otacílio Peixoto, bem em frente a uma área verde, com árvores densas, e por onde também percorre um córrego. Apesar da beleza natural usufruída por muitos moradores, Liliana aponta: a área se tornou ponto de acúmulo de resíduos.
No local, sacolas plásticas, garrafas, latas e diversos outros detritos podem ser vistos ao redor da vegetação e próximo ao córrego. “Aqui tem muita muriçoca, é quase insuportável. Se não tivéssemos a tela de proteção, como tem na maioria das janelas do prédio, a gente não conseguiria dormir”, relata.
“É uma área verde, então não é questão de desmatar, mas talvez ter uma ação de diminuição dos mosquitos. Recolher o lixo e um fumacê, por exemplo”, sugere Liliana.
Dengue: cenário da doença em Fortaleza
A dengue é registrada em Fortaleza desde 1986. Nesses 38 anos, foram confirmados 366.104 casos e 299 óbitos. Somente neste ano, conforme dados do mais recente Boletim Epidemiológico de Arboviroses, que contempla da 1ª a 11ª Semana Epidemiológica (1º/1/2024 a 13/3/2024), 1.962 casos de dengue foram notificados e 113 foram confirmados.
O mesmo boletim indica que as notificações se concentraram nos bairros Barra do Ceará (66 notificações e 3 confirmados) e Cristo Redentor (36 notificações e 0 confirmados) e Pirambu (21 notificações e 0 confirmados), todos na Regional 1.
Já os bairros que concentram maiores números de confirmações para a doença foram Centro (37 notificações e 4 confirmados); Aldeota (11 notificações e 4 confirmados) e Meireles (12 notificações e 4 confirmados).
Descarte inadequado de lixo e piscinas públicas: cenário propício para o Aedes
Quase 15 km separam o Passaré do bairro Ellery, também em Fortaleza. O problema do acúmulo de lixo e aumento de muriçocas no período chuvoso, no entanto, é muito semelhante entre os dois pontos.
Perpassando o bairro, chama atenção o cruzamento das avenidas Tenente Lisboa com Dr. Theberge. Em uma via de tráfego intensa de veículos, o local também abriga a passagem de uma linha metroviária. Contudo, alinhado com a grande movimentação no cruzamento, há ainda acúmulo expressivo de lixo e grandes poças de água, que se alargam durante o período chuvoso.
É forte o odor exalado no local, dominado por moscas que circulam os dejetos. De acordo com Hortenilza Costa, 27, que há 12 anos mora nas proximidades do cruzamento, a realidade no local já é antiga.
“Já é de muitos anos que tem muito lixo por aqui. Agora com as chuvas, parece que os buracos das poças estão ficando mais fundos. Para secar é complicado”, aponta.
Caminhando nas proximidades do local com sua irmã e seu filho de apenas 1 ano, ela relata que, independentemente da época do ano, insetos são comuns. “O medo é grande de ter dengue ou outra dessas doenças [arboviroses]”, diz Hortenilza.
A moradora lamenta que parte da população coloque lixo na área. “Os moradores pedem para ajeitar, mas eles mesmos que colocam o lixo. Também sempre a gente ouve que vão arrumar aqui. Realmente seria bom que fizessem uma pracinha, talvez assim resolvesse esse problema do lixo. Mas o mais imediato era recolher o que tem aqui”, enfatiza.
Além do lixo, outra questão que merece atenção quando se trata do combate à proliferação de mosquitos são os reservatórios de água parados, como piscinas públicas. A equipe do O POVO foi então ao Centro Social Urbano (CSU) do Conjunto Ceará para vistoriar o local.
No último mês de fevereiro, uma idosa morreu após ser atingida pelo muro que circundava o equipamento. À época, a Prefeitura de Fortaleza chegou a comunicar que a Defesa Civil isolou a área e a Secretaria da Gestão Regional iria fazer reparos na estrutura.
Funcionários contaram ao O POVO que, desde então, as modalidades de lazer aquáticos estavam suspensas. Nas duas piscinas do local, foi avistada água turva e esverdeada.
A condição do local é um espanto para a moradora do Conjunto Ceará Keiliane Vieira, 34. Constantemente passando na frente do equipamento no trajeto de ida e vinda da escola da filha, ela relata que não sabia que o CSU ainda possuía piscinas.
“Quando minha filha, que hoje já tem 11 anos, era mais nova, eu até tentei ver se ofertava alguma aula de natação ou coisa parecida. Mas me foi falado que não tinha vaga. Como faz tempo, eu até achava que não tinha mais piscina, por que eu nem escuto falar de ninguém que faz aulas”, critica.
“Se ainda tem e está desativado, é uma grande preocupação para nós. Até porque tem uma escola bem perto e várias casas”, conclui.
Acúmulo de água em espaços públicos: o que diz a Prefeitura
A Prefeitura de Fortaleza foi procurada para esclarecimentos sobre medidas de combate à dengue nos três locais visitados pelo O POVO. Acerca do bairro Passaré, a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) informou que realiza visitas periódicas à área com o objetivo de eliminar os focos de mosquitos transmissores de arboviroses. Sobre os endereços citados, a SMS declarou que enviou uma equipe técnica ao local no dia 15 de março para verificar a denúncia.
A Secretaria Municipal da Conservação e Serviços Públicos (SCSP), por sua vez, declarou que não há histórico de ponto de lixo para este local, mas que enviará uma equipe ao endereço para analisar a situação. A Pasta reforçou que a coleta domiciliar nesta região ocorre às segundas, quartas e sextas-feiras, no período diurno.
Já sobre o ponto de lixo no bairro Ellery, próximo a linha metroviária, a Prefeitura de Fortaleza declarou que realiza periodicamente a coleta dos resíduos descartados de forma irregular. “Importante destacar que ao lado do terreno, na Rua José Acioli, há um Ecoponto para receber materiais de grande volume, assim como resíduos recicláveis, e a coleta domiciliar dessa região é feita às terças, quintas e sábados, no período noturno”, declarou a gestão municipal.
A SMS ainda informou que agentes de combate a endemias foram “nesta quinta-feira (14/3), ao endereço citado para eliminar focos de mosquitos transmissores de arboviroses (dengue, chikungunya e zika)”, disse em nota.
Sobre o acúmulo indevido de lixo em terrenos ou vias públicas, a Secretaria Municipal da Conservação e Serviços Públicos (SCSP) ressalta que essa prática é ilegal e está sujeita a multa, conforme o Código da Cidade.
A SMS também destacou que a “população pode contribuir denunciando espaços públicos ou terrenos abandonados em situação irregular que podem se tornar foco de mosquito. As denúncias podem ser feitas presencialmente na sede das regionais ou pelo canal 156”, disse.
Quanto ao Centro Social Urbano (CSU) do Conjunto Ceará, a Secretaria de Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SDHDS) declarou que o local está em reforma, “com a realização de manutenção em espaços internos e externos, muros e recuperação das caixas d 'água. Os serviços estão sendo executados pela Secretaria Municipal da Gestão Regional (Seger)”, também informou em nota.
Sobre as piscinas do equipamento, a Pasta declarou que são monitoradas por agentes de endemias para o combate à dengue e recebem limpeza periódica, tendo sido feita a última manutenção em fevereiro. Ainda sobre o Parque Aquático do Centro, a Prefeitura de Fortaleza diz estar em fase final de contratação de empresa para reativação do espaço.
Devem ser ofertadas 240 vagas para crianças e adultos para atividades de Natação e Hidroginástica. A previsão é de início após a conclusão da reforma — cujo prazo não foi disponibilizado.
Para não descontinuar os serviços ofertados à população devido às intervenções no CCDH, as atividades de esporte, lazer e capacitação estão acontecendo em locais provisórios no bairro:
- Cursos profissionalizantes e atividades esportivas e culturais: sede do Instituto Thereza Ramos de Albuquerque (INTRA)
- Programa Saúde, Bombeiros e Sociedade: quadra da Igreja Matriz
- Projeto Superação: Escola Pintando o 7
Chegada de vacina contra a dengue no SUS
Segundo dados do Painel de Arboviroses do Ministério da Saúde atualizados nesta segunda-feira, 18, o Brasil já passou de 1,8 milhão de casos (prováveis e confirmados) de dengue em 2024.
Além dos cuidados com a prevenção de espaços públicos e privados para evitar a proliferação do mosquito da dengue, a vacina contra a doença disponibilizada pelo Sistema Único de Saúde (SUS) tem sido uma fonte de esperança para muitos que buscam por mais uma forma de proteção contra o vírus.
De acordo com o infectologista e consultor da Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP/CE), Keny Colares, mesmo com as vacinas disponíveis, é crucial continuar a combater os criadouros de mosquitos.
“Precisamos continuar cuidando contra o mosquito, pois essa vacina vai chegar aos poucos e imunizar gradualmente nossa população. Por exemplo, neste primeiro ano, apenas uma pequena quantidade de pessoas conseguirá se vacinar”, ressaltou o especialista.
Ceará não está incluído entre os estados que devem receber a vacina. O lote inicial, com 712 mil doses, foi enviado para 315 municípios nos seguintes estados: Distrito Federal; Goiás; Bahia; Acre; Paraíba; Rio Grande do Norte; Mato Grosso so Sul; Amapá; São Paulo e Maranhão.
O critério usado pelo Ministério da Saúde para essa distribuição foi baseado em regiões que possuem municípios com mais de 100 mil habitantes onde houve alta transmissão da dengue nos anos de 2023 e 2024, especialmente causada pelo sorotipo DENV-2, um dos quatro tipos de vírus da dengue.
A distribuição das vacinas deve ser feita para 521 municípios selecionados. Aproximadamente 3.108.280 pessoas em todo o Brasil, com idades entre 10 e 14 anos, foram consideradas como público-alvo para essa vacinação.
Quem está fora da faixa etária classificada como prioritária pode procurar a vacina na rede particular. Neste caso, é preciso ficar atento, já que há 2 imunizantes distintos no mercado: Qdenga (distribuída pelo SUS) e Dengvaxia.
Segundo o infectologista Keny Colares, outro ponto de alerta é que, apesar de as vacinas serem eficazes, a população ainda pode contrair dengue mesmo imunizadas. “As vacinas apresentam uma eficácia de cerca de 80% a 90%. Então ainda existe a possibilidade de a pessoa contrair a doença, como vimos com as vacinas para a Covid-19 e quase todas as outras vacinas”, explica.
Outro aspecto apontado pelo especialista é que, além da dengue, o mosquito Aedes aegypti também transmite outras doenças.
“A zika e o chikungunya estão controladas em nossa região. No entanto, isso pode mudar. Além disso, um vírus que circula em outra região do mundo pode vir a ser transmitido pelo mosquito aqui também. Portanto, a existência da vacina vem para somar recursos, mas não vai evitar que tenhamos que continuar investindo na prevenção”, concluiu Keny Colares.
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