Passarelas em Fortaleza: pedestres reclamam de distâncias e falta de acessibilidade

A instalação de passarelas é criticada por especialistas, que sugerem alternativas como semáforos e faixas de pedestres para melhorar a acessibilidade e segurança

18:19 | Fev. 23, 2024

Por: Lara Vieira
Estado teve 15,8 mil veículos, entre novos e usados, financiados. (foto: Samuel Setubal)

As passarelas de pedestres são projetadas para facilitar a travessia segura sobre vias de tráfego intenso. Somente em Fortaleza, conforme apuração do O POVO, há 38 dos equipamentos. Embora concebidas para aumentar a segurança no trânsito, muitos pedestres e ciclistas evitam usá-las devido a questões como distância e acessibilidade. Ao optarem por não usar as passarelas, contudo, podem se colocar em sérios riscos de acidentes.

Uma das vias de Fortaleza que conta com passarela para pedestres é a av. Senador Carlos Jereissati (CE-401), conhecida como Avenida do Aeroporto, no bairro Aerolândia. A rodovia é caracterizada por fluxo intenso de veículos, que têm permissão de trafegar por até 80 km/h.

Integrando o projeto das obras do VLT Ramal Aeroporto, a construção da passarela no local foi finalizada em dezembro de 2023 e o equipamento substituiu as faixas de pedestres e o semáforo que operavam na rodovia. Desde então, placas dispostas no local sinalizam que pedestres devem optar pela passarela para cruzar a avenida.

A equipe do O POVO, contudo, verificou que nem todos cumprem a recomendação. Na manhã da última terça-feira, 20, entre as 8h50min até às 9h40min, foi verificado cerca de seis pessoas, entre pedestres e ciclistas, cruzando as faixas de intenso fluxo de veículos.

Em tentativas de dialogar com as pessoas que se arriscavam pela rodovia, a maioria se recusou a conversar com a reportagem, sinalizando estarem atrasadas. Um dos pedestres que cruzou a via de alto fluxo foi Josicleia Lima, 40. Moradora do bairro Serrinha, ela e o marido aproveitaram uma folga entre os carros para se dirigir no sentido Aeroporto.

Ela conta que optou pelo “atalho” por estarem atrasados. “A distância é muito longa. Quando não está tão movimentado de carro, é melhor esperar para atravessar pela pista do que caminhar todo o caminho da passarela, chega mais rápido. O negócio é que arrisca a vida, né?”, relatou a pedestre.

O mesmo contexto foi apontada por Bianca Soares, que cruzou as seis faixas da Avenida do Aeroporto, caracterizada por duas pistas triplas de duplo sentido, em uma bicicleta. “Eu estou indo para o trabalho no Aeroporto e, para economizar tempo, prefiro vir pela pista. Eu acho a passarela muito longa, com muitas voltas, e pega muito tempo”, aponta.

Bianca conta, no entanto, que também utiliza a passarela. “Prefiro usar ela mais no final da tarde e início da noite, quando saio do trabalho. É horário de pico e aqui fica muito movimentado e perigoso. Se tentar atravessar vai demorar mais que subir”, conclui a funcionária.

O Código de Trânsito Brasileiro conta com determinações que dizem respeito aos pedestres. Uma delas se encontra no artigo nº 254, que expressa que os pedestres que se põem em risco, deixando de utilizar equipamentos de segurança viárias, como faixas, passagens subterrâneas e passarelas, estão cometendo infrações.

De acordo com o CTB, a penalidade para essa ação é equivalente a 50% do valor de uma infração leve. Conforme a última atualização dos valores de penalidade, que entrou em vigor em abril de 2021, essa multa seria de R$ 44,19 (valor integral R$ 88,38).

Contudo, conforme explica o gerente de educação para o trânsito da Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania (AMC), André Luis Barcelos, na prática pedestres que infringem as normativas dificilmente são penalizados.

“No Brasil, não há ainda uma regulamentação que permita que esses pedestres sejam efetivamente multados. Existe a regra, existe a multa associada ao pedestre, mas não existe uma regulamentação de como fazer essa autuação junto ao CPF do usuário. Por isso, ela não é aplicável”, comenta.

Segundo o educador, até o momento, as regras do CTB aos pedestres se configuram como uma indicação de segurança, que visam estimular a cidadania.

André Luis Barcelos ressalta que, mesmo em casos de descumprimentos das indicações de segurança aos pedestres, como o não uso de passarelas para fazer travessias em vias com fluxo intenso, os motoristas devem sempre priorizar a segurança dos pedestres.

“Os pedestres são o elo mais frágil de todo o sistema. Se ele já tiver iniciado a travessia, mesmo que não tenha uma sinalização de travessia ou não a esteja utilizando, o usuário do veículo automotor deve ajustar a velocidade dele e dar a prioridade”, explica o agente da AMC.

Os pedestres, no entanto, também devem ter consciência de sua fragilidade no contexto de trânsito. “Ele também tem a responsabilidade de cuidar da própria segurança. Existe regra para isso e ele tem que cumprir as regras para que a gente tenha aí um trânsito seguro para todos”, ressalta André Barcelos.

Segundo levantamento da Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania (AMC), em 2022 foram contabilizados 11 atropelamentos e 89 acidentes em áreas próximas às passarelas, a uma distância de até 100m de tais equipamentos. No mesmo ano, os pedestres representaram 44% do total de óbitos registrados na Cidade. Os dados de 2023 ainda estão em análise pela Autarquia.

O especialista da AMC ainda explica que, mesmo se um pedestre causar um acidente ou for atropelado por um veículo automotor em um momento de desobediência à sinalização de trânsito, a prioridade do pedestre também será avaliada pelos órgãos judiciais e de trânsito para medidas legais.

“É claro que cada situação tem que ser vista de forma individual. O pedestre, por exemplo, pode vir a ter o dever de ressarcir prejuízos financeiros. Mas é imprescindível que ele seja visto como mais frágil e que isso não tira a responsabilidade do condutor do veículo. Mas a justiça vai analisar o caso”, pontua o educador de trânsito.

As passarelas para pedestres em Fortaleza são construídas e gerenciadas por órgãos distintos, de acordo com as vias em que serão alocadas. Conforme apurado pelo O POVO, duas foram instaladas pela Prefeitura: uma na Av. Antônio Sales, no bairro Dionísio Torres; e uma na Av. Aguanambi, no bairro José Bonifácio.

Outras cinco localizadas no perímetro urbano de Fortaleza são gerenciadas pelo Governo do Estado, sendo três localizadas na CE-040 (Av. Washington Soares) e duas na CE-401 (Avenida do Aeroporto). Oito passarelas ainda são gerenciadas pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), sete localizadas na BR-116 e uma na BR-222.

Há, ainda, as passarelas instaladas próximas de estações do sistema do Metrô de Fortaleza. De acordo com o Metrofor, atualmente há 23 passarelas em funcionamento.

Falta de acessibilidade

Moradora do bairro Tancredo Neves, às margens da BR-116, dona Jacinta Gonçalo do Nascimento, 64, frequentemente utiliza uma passarela em seu caminho para o supermercado. Ela relata, no entanto, que além do longo e desgastante percurso, a idosa com problema de saúde ainda teme os obstáculos presentes no equipamento.

“Eu tenho um problema no joelho e sinto muita dificuldade de subir, por causa dos degraus. Eu preciso vir devagarinho, me apoiando, porque se eu cair é fatal”, relata a idosa, que também aponta o estado degradado da passarela. “Aqui é muito perigoso, um dia desses abriu um buraco no chão do caminho enorme. A parte da escada também é toda solta”,

Com locomoção reduzida, ela não se arrisca em passar pelas faixas da BR. “Mas eu vejo o pessoal ainda passar correndo. Quando é hora de mais movimento, aí não tem jeito. Fica ruim também para quem vem de bicicleta, que precisa subir com ela no ombro”, conta a aposentada.

As passarelas provisórias foram construídas na Capital pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT). Das oito instaladas pelo órgão, cinco são provisórias e se encontram na BR-116 (km 3,6; km 7,3; km 8,1; km 9,6 e km 12,5).

De acordo com o DNIT, existe a previsão para a substituição das passarelas provisórias por equipamentos definitivos nos locais onde estão instalados. “Entretanto, tal ação depende da resolução de pendências existentes, como aprovação de projetos, remoção de interferências e desapropriações”, declarou o órgão, em nota, sem dar um prazo para as novas instalações.

“Em paralelo, o DNIT conta atualmente com um contrato de manutenção de tais equipamentos, onde a empresa contratada é responsável por realizar serviços de manutenção nas estruturas sempre que necessário”, ainda explica.

Segundo a autarquia federal, em explicação fornecida em março de 2023, o custo mensal dos serviços de manutenção de cada passarela provisória é de aproximadamente R$ 8,6 mil. O valor total para a construção das passarelas definitivas foi de aproximadamente R$ 52 milhões.

Ainda em Fortaleza, sob responsabilidade do DNIT, existem duas passarelas de pedestres definitivas localizadas na BR-116/CE (no km 2,2 e no km 5,1), bem como uma passarela do tipo localizada no km 4,9 da BR-222/CE.

Sendo de concreto ou metálica, as passarelas são equipamentos polêmicos. É o que aponta o professor do Departamento de Engenharia de Transportes da Universidade Federal do Ceará (UFC), Mário Angelo Azevedo. “Do ponto de vista do pedestre, é algo desfavorável. Você o obriga a caminhar até a passarela, subir uma escada, atravessá-la e depois descer, tudo para permitir que os carros possam passar sem obstáculos. Não é à toa que algumas pessoas se arriscam”, pondera.

O especialista em sistemas de transportes ainda aponta como problemática a distância entre os equipamentos. “Há passarelas, como na Washington Soares, em que as mais próximas umas das outras estão a 900 metros de distância. Isso significa que, para acessar uma delas, você pode percorrer 450 metros”, diz.

Apesar de ser uma medida de segurança, o professor aponta que, na prática, a instalação pode causar frustração nos usuários, os fazendo desobedecer as indicações. “O ideal seria que o pedestre pudesse atravessar no local mais próximo de onde está. Construir uma passarela a cada 100 metros não é viável economicamente. Mas isso é facilitado com a adição de semáforos e faixas de pedestres”, indica Mário Angelo Azevedo.

Segundo o professor, semáforos criam brechas na corrente de veículos, sem riscos, proporcionando segurança não apenas na travessia específica. Além disso, abrem espaço para que outras pessoas possam atravessar em demais locais da via.

O pensamento também é expressado pelo gerente de educação para o trânsito da AMC, André Luis Barcelos, que explica que as passarelas pecam em questão de acessibilidade. “A gente sempre deve pensar que a cidade tem que ser projetada para aquelas pessoas que têm oito anos e 80 anos”, conclui.