Cinco anos após aterramento, por que o mar da Praia de Iracema continua violento?
Intervenção para "acalmar" o mar na área é considerada inviável. Em 2023, um total de 270 pessoas foram resgatadas de afogamentos em praias de Fortaleza
18:48 | Fev. 07, 2024
Concluídas em 2019, as obras de aterramento na Praia de Iracema proporcionaram uma faixa de praia mais larga. Contudo, as intervenções de engenharia também impactaram na refração das ondas e na mobilidade das areias que contornando os espigões. Dessa forma, em decorrência de um mar violento, muitos banhistas, principalmente nas proximidades do Espigão Rui Barbosa, passaram a optar por outros locais de banho.
Trabalhando vendendo bebidas há mais de três anos na Praia de Iracema, em dias alternados, Wagner de Freitas comenta que já presenciou diversos afogamentos na região. Felizmente, nenhuma morte no período em que atuava. “A gente fica mais despreocupado porque o pessoal tem mais consciência e não vai pro fundo, mas nós mesmos explicamos que é pra ter cuidado”, comenta o comerciante.
Wagner comenta, principalmente quando a maré está cheia, o mar da região próxima ao Espigão da Rui Barbosa, onde monta sua barraca de venda de bebidas, se torna ainda mais perigoso. Por conta disso, explica que na própria barraquinha faz a entrega de flutuadores para alguns banhistas.
“O mar daqui é traiçoeiro. Por isso quem vem mais é um pessoal que já sabe nadar. Mesmo assim, sempre ficamos de olho. Quando o mar está enchendo e a gente vê famílias com crianças, nós avisamos para sair do mar ou não entrar”, relata José Wagner.
Durante todo o período de 2023, houve registro de duas mortes por afogamento registradas na praia localizada no bairro Praia de Iracema. Os casos foram registrados no mês de julho. O serviço de salvamento na região, contudo, é área de responsabilidade Inspetoria de Salvamento Aquático (ISA) da Guarda Municipal de Fortaleza (GMF).
A Secretaria Municipal da Segurança Cidadã (Sesec), que gere a Inspetoria, não informou o quantitativo de resgates por afogamento na região da Praia de Iracema, em particular na região do Espigão Rui Barbosa, no ano passado ou anteriores. O POVO aguarda as informações solicitadas pela Lei de Acesso à Informação (LAI).
O doutor em Geografia Física e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), Jeovah Meireles, comenta que a força e imprevisibilidade do mar da Praia de Iracema são decorrentes do aterramento da praia. “Os banhistas entram durante a maré alta e, em seguida, deparam-se com uma profundidade consideravelmente maior, que nós chamamos de cavas, por que foi depositada uma grande quantidade de areia na beira e isso gera um declive”, explica o professor.
Jeovah Meireles aponta ainda que, por conta das instalação dos espigões, a dinâmica das ondas e a sua refração nos equipamentos também mudam com frequência o fundo do mar, afetando, por conseguinte, a força e a direção das ondas. O solo do mar da Praia de Iracema é composto por “cristas”, quando o chão se molda em formato ondulado.
“Esse fluxo resulta em dificuldades para o banhista. Ele pode cair ao entrar nessa profundidade abrupta e, nesse ponto, ele se encontra com uma diversidade de frentes de onda, como as ondas de retorno”, ilustra.
De acordo com ele, após a conclusão da obra em 2019, tornou-se crucial realizar monitoramento constante e promover a regeneração contínua da areia no local, que está atualmente sofrendo processo erosivo. Esse processo é marcado pelo deslocamento de sedimentos da superfície. Antes da mais recente ampliação da faixa de areia, a Praia de Iracema já contava com 80 metros de aterro. No ano de 2019, foram adicionados mais 40 metros.
Segundo o professor da UFC, realizar outra grande intervenção para sanar as problemáticas envolvendo a força das ondas na Praia de Iracema seriam consideradas inviáveis. “Provavelmente, precisaria criar um grande piscinão para bloquear a entrada das ondas, para que ali tivesse um fundo mais previsível. Os espigões também são muito grandes, temos um 270 e outro de 240 metros”, comenta.
Para ele, a solução mais viável seria intensificar as ações educativas e de segurança na área. “Placas de sinalização de perigo, alertas pelas redes sociais, além de mais profissionais e postos de salva-vidas na região”, detalha Jeovah Meireles.
Sobre a ampliação de segurança no local, a Secretaria Municipal da Segurança Cidadã (Sesec) declarou que, “após a conclusão do concurso da Guarda Municipal de Fortaleza, que está em suas últimas fases, será possível um novo planejamento da Inspetoria de Salvamento, para um realinhamento dos postos de Guarda Vidas ao longo da orla”, disse em nota.
A pasta ainda informou que novas sinalizações para as áreas de banho da Praia de Iracema também serão redimensionadas seguindo o planejamento da segurança aquática da cidade.
Resgates por afogamento aumentam 104% em Fortaleza
Durante todo o ano de 2023, um total de 270 pessoas foram resgatadas em ocorrências de afogamento em praias de Fortaleza. O número é mais que o dobro, cerca de 104%, do registrado em 2023, quando foram contabilizadas 132 vidas salvas pela Inspetoria de Salvamento Aquático (ISA). Nos últimos anos, foram registrados também 115 resgates em 2021 e 109 em 2020.
De forma preventiva, antes de entrar no mar, é recomendado que a população procure os guarda-vidas do local. Assim, os agentes podem informar os melhores locais para banho e dar dicas para um banho seguro e consciente.