Retirada de areia nas dunas da Sabiaguaba gera impasse entre Estado e ambientalistas
Local tem sedimentos retirados periodicamente para segurança no trânsito da CE 010; ambientalistas alertam para prejuízos da ação e cobram solução definitivaA retirada de areia nas dunas da Praia da Sabiaguaba, em Fortaleza, tem gerado discussões entre o Governo do Estado do Ceará e ambientalistas atuantes na região. Segundo movimentos voltados à defesa do meio ambiente, a remoção de sedimentos prejudica o ecossistema local e deve ser substituída por uma solução definitiva.
O trabalho é realizado pela Superintendência de Obras Públicas (SOP) desde 2018, quando foi inaugurada a CE-010, rodovia estadual localizada próximo às dunas. A construção foi criticada desde o início por parte do conselho gestor do Parque Natural Municipal das Dunas da Sabiaguaba (PNMDS), devido à característica móvel dos montes de areia.
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“Ela [CE-010] foi construída ao arrepio da lei [...] É ridículo alguém justificar uma obra que foi construída propositalmente em uma área que… é como você construir uma estrada em uma área onde você sabe que tem desabamento”, afirma o representante do Centro de Educação Popular em Defesa do Meio Ambiente (Cepema) no conselho gestor, Rafael Tomyama.
Apesar das manifestações de alguns membros, a obra obteve aprovação do conselho por maioria de votos e foi realizada às margens do local de dunas. Como alertado previamente, o vento gerou a movimentação da areia, que hoje cai sobre a pista e precisa ser frequentemente retirada para evitar riscos aos veículos que transitam pela CE.
A remoção é feita na base dos montes, ponto que chega a cobrir acostamento, calçadas e parte da pista com areia. Segundo o geógrafo Jeovah Meireles, essa atuação pode danificar estruturas internas da duna e comprometer funções exercidas por ela como filtragem e controle de salinização da água, além da preservação de sítios arqueológicos ali situados.
“[A duna deve ser preservada] devido à paisagem, a tudo que ela representa em informações que ainda devem ser estudadas para consultar a evolução dos ambientes costeiros do nosso Estado. Ali existem sítios arqueológicos com cerâmicas que foram datadas com mais de cinco mil anos de idade, que é a datação mais antiga que temos no Estado”, explica o professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Ceará.
Caso ainda corre na justiça
Em dezembro de 2017, o caso chegou ao Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), após relatório feito pelo Laboratório de Estudos da Habitação da Universidade Federal do Ceará (Lehab-UFC), que mostrava a possibilidade de a estrada, ainda em construção, atingir o corpo da duna.
O documento também apontava que a região, por se tratar de uma Unidade de Conservação (UC) do tipo “Proteção Integral”, só poderia sofrer alterações que não causassem prejuízos à sua estrutura natural, de acordo com o art. 7° da Lei Federal N° 9.985/2000, que trata sobre o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC).
Durante o processo, as partes decidiram tentar estabelecer um acordo que agradasse a ambos. O resultado final foi o firmamento de uma cooperação para a elaboração de plano de manutenção rodoviária para resguardo, preservação e reparação do Parque Natural, que segundo o MPCE, vem sendo descumprido pela SOP.
“O que a gente vê hoje é um descumprimento dessa liminar. Nós tivemos a audiência, a juíza suspendeu o processo tentando fazer um negócio jurídico, mas a gente não conseguiu avançar nesse negócio jurídico”, pontua a promotora de Justiça e Meio Ambiente e Planejamento Urbano de Fortaleza, Ann Celly Sampaio.
Durante todo esse período, uma das ideias apresentadas para a solução do problema foi a construção de um ecoduto, estrutura que iria cobrir a CE-010 e ao invés de tirar areia da duna, iria impedir que ela caísse na pista.
De acordo com MPCE, a SOP chegou a abrir um processo administrativo para a elaboração de um projeto para esse ecoduto, avaliando a viabilidade técnica e financeira.
O POVO questionou a SOP sobre o processo de construção da CE 010 na Unidade de Conservação e não obteve resposta. Em nota, a pasta afirmou que possui autorização para a retirada de sedimentos emitida pela Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) e anuências válidas da Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma) e do conselho gestor do PNMDS.
Segundo a pasta, a areia retirada da pista é devolvida à região de dunas em outro local.
O POVO também perguntou à Semace sobre uma possível solução definitiva para o problema e sobre os danos ambientais apontados. Em nota, a pasta disse que se limita a analisar as soluções apresentadas pela SOP.
Mau uso de populares pode contribuir para degradação da duna
Como apontado pelo professor Jeovah, o parque, por ser uma Unidade de Conservação, deveria ser utilizado para pesquisa científica e preservação dos sítios ali situados. No entanto, essa não é a realidade que tem sido vista nas dunas da Sabiaguaba.
A área vem sendo utilizada como ponto turístico para visitantes, que escalam a duna, acelerando o processo de descida da areia para a pista. Além disso, há aqueles que decidem circular pelo monte de areia a bordo de carros de passeio e motocicletas, atividade ainda mais prejudicial.
“É moto, e quadriciclo… Lá eu trabalho com bastante criança, de três, quatro, cinco anos. Eles descem no esquibunda, às vezes descem com o pai, aí vem moto e carro querendo passar por lá. O único transporte autorizado e que sabe que não pode andar por lá onde nós estamos é o buggy”, conta José Roberto, 25, que trabalha com aluguel de sandboards na região.
Essa também é uma pauta acompanhada pelo MPCE, onde tramita uma recomendação para que a Seuma realize fiscalização e apresente os resultados sobre o acesso de diversos públicos à região.
“Tem sido bem complicado trabalhar porque há uma desobediência contínua, tanto da população, quanto das próprias secretarias que não cumprem o seu papel de fiscalizar”, diz a promotora Ann Celly.
Procurada pelo O POVO, a Seuma não se manifestou até a publicação desta matéria, que será atualizada assim que a resposta for enviada.