Jovens denunciam racismo e agressão em casa noturna de Fortaleza

A dupla conta ter sido agredida física e verbalmente por seguranças do estabelecimento; segundo os advogados dos jovens, espaço tem se negado a cooperar com investigações

Dois jovens negros denunciam episódio de racismo e agressão sofrido na casa de shows Samba do Vila, localizada no bairro Varjota, em Fortaleza. O caso foi registrado no dia 1° de julho deste ano, quando eles dizem que foram agredidos física e verbalmente por seguranças do local. Indenização no valor de R$ 50 mil, para cada um deles, está sendo requerida na Justiça.

Davi Sales, 24, e o amigo, Gabriel Cruz, 23, contam que decidiram ir ao espaço após um torneio de beach tennis, esporte do qual Davi é atleta. Segundo ele, o incômodo dos seguranças com a presença deles foi notório logo na chegada, quando teriam dito que os dois não poderiam entrar com a bolsa em que carregavam alguns equipamentos, informação que teria sido desmentida por outros funcionários, ainda segundo eles.

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Após esse primeiro contato, os jovens pagaram ingresso, entraram e pediram um balde de cerveja para consumo dentro do local. Ao O POVO, Davi conta que o conflito teria se iniciado quando Gabriel molhou a blusa com a qual estava vestido, tirou e foi prontamente repreendido pelos seguranças que alegaram que ele precisava se manter vestido.

Davi conta que pouco depois foi ao banheiro e quando voltou viu Gabriel sendo levado por um grupo de seguranças com as mãos para cima. “Como se fosse um marginal mesmo. Como se tivesse roubado algo”, relembra o atleta. Surpreso com a cena, foi até os seguranças para saber o que estava acontecendo e teria sido informado de que eles estavam sendo “convidados a sair” pelo fato de Gabriel ter tirado a camisa.

Os dois contam que questionaram a atitude dos profissionais, que não explicaram porque eles estavam sendo expulsos da casa noturna. Naquele momento, eles dizem que os segurança os ofenderam com frases como: "Você não era nem para estar aqui neguinho", "Esse lugar não é para gente como você” e “Nem de gente do seu tipo eu gosto”.

Os amigos dizem que continuaram a questionar a expulsão e foram ameaçados de agressãos. Gabriel disse que pegou o celular, mesmo descarregado, para fingir que estava gravando, em tentativa de intimidar o grupo que os levava para fora.

No entanto, um dos seguranças, o qual Davi aponta como o chefe da equipe, teria mandado aos demais, entre seis a oito profissionais, que tomassem o celular de Gabriel. O rapaz diz que foi então “apagado” com um golpe “mata-leão” e, quando acordou, levou socos e pontapés.

Devido às lesões sofridas naquela noite, Davi diz que ficou 15 dias sem trabalhar, enquanto Gabriel passou mais de um mês parado. Eles dizem que passaram por dificuldades financeiras por serem autônomos, terem filhos e possuírem auxílio financeiro.

“Foram dias pedindo dinheiro emprestado, dizendo que quando eu voltasse [a trabalhar] eu ia poder pagar. Quando voltei a trabalhar dei também uma ajuda para o Gabriel. Só Deus e nós mesmo sabemos o quanto nós sentimos isso”, diz Davi.

Dupla registrou Boletim de Ocorrência

Ao perceberem o estado em que se encontrava Gabriel e após gritos de “Vocês vão matar ele”, proferidos por Davi, os seguranças teriam parado a agressão, momento utilizado pelos jovens para saírem do local.

Os dois relatam que se dirigiram até o 2° Distrito Policial (DP), no bairro Meireles, para registrar um Boletim de Ocorrência (B.O), mas foram informados que por estarem ensanguentados e muito feridos, não seriam atendidos naquele momento.

A dupla então seguiu até uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) próxima à região, foram atendidos e voltaram à delegacia para registrarem a denúncia.

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) afirmou que as investigações foram iniciadas pela Delegacia de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa ou Orientação Sexual (Decrin) e, posteriormente, devolvidos ao 2° DP.

Defesa dos jovens negros acusa estabelecimento de não colaborar com investigação

Segundo o advogado dos jovens, Natan Araújo, do escritório Machado Advogados e Associados, a intenção inicial de Gabriel e Davi não era processar a casa de shows, mas apenas os seguranças, que trabalham em uma empresa terceirizada.

Tanto as imagens dos circuitos de segurança interno e externo do local quanto a lista de seguranças que atuaram naquela noite foram solicitadas de forma extrajudicial ao Samba do Vila, que disponibilizou apenas as gravações de dentro do espaço, conforme ele.

Com a recusa em ceder a lista e as imagens do lado de fora, onde as agressões teriam acontecido, o local passou a também ser acusado. “Nossa primeira providência foi: ‘Vamos contatar o Samba do Vila porque eles devem querer colaborar, né?’ Se eu tenho um estabelecimento e alguém é agredido dentro dele e eu não compactuo com essa prática, eu colaboro com as investigações”, explica Natan.

Casa noturna nega acusações

O advogado do Samba do Vila, Livelton Lopes, negou as acusações feitas por Davi e Gabriel e disse que os jovens teriam agredido os seguranças, que também registraram Boletim de Ocorrência. Segundo ele, ambos teriam chegado alcoolizados ao local, colidido a moto em que estavam e causado confusões que teriam motivado a expulsão da dupla.

O POVO procurou a SSPDS para confirmar as denúncias de agressão que teriam sido feitas pelos terceirizados e aguarda resposta.

Questionado sobre o suposto não fornecimento de imagens do circuito externo, Livelton afirmou que todas as imagens foram cedidas à Polícia Civil do Ceará (PC-CE) e que devido à intimidade dos demais clientes, não pode ceder as gravações a terceiros.

Em nota enviada ao jornal, o estabelecimento alega que não compactua com nenhuma forma de discriminação e que os profissionais da casa recebem treinamento para boas práticas com o público.

"Ao sermos notificados pela Polícia Civil fornecemos todas as filmagens do ocorrido, o que comprova não só a colaboração do estabelecimento com a apuração dos fatos, mas acima de tudo que não houve qualquer tipo de agressão aos clientes. Ressaltando que, após criarem um tumulto no evento, os clientes foram retirados do estabelecimento pelos nossos seguranças de forma urbana e sem o uso de violência, conforme se pode constatar pelas imagens divulgadas pelos próprios clientes", informa. 

Cinco meses depois, caso ainda terá a primeira audiência

Em trâmite desde julho, a primeira audiência estava marcada para o segundo semestre deste ano. De acordo com o advogado Natan Araújo, devido a falhas na notificação, o estabelecimento acabou não sendo informado a tempo e a audiência aguarda reagendamento para 2024.

A espera tem sido angustiante, segundo os jovens. “Hoje eu não consigo passar pela rua [onde fica o Samba do Vila]. Toda vida que eu passo por lá eu lembro da cena e não consigo passar. Foi muito humilhante o que eles fizeram”, relata Davi.

 

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