De praças a museus, polos culturais preenchem vazio no Centro aos domingos
Conhecido pela movimentação do comércio durante a semana, Centro também concentra programações culturais gratuitas e para todas as idades em lugares históricos aos fins de semana. Para além do "instagramável", espaços contam história do Ceará com fragmentos da memória espalhados pela cidade
18:28 | Nov. 26, 2023
O Centro de Fortaleza é conhecido pela oferta de produtos e serviços que conduz um vaivém frenético de pessoas durante a semana e torna esse um dos principais polos do comércio cearense. Mas lá também estão equipamentos culturais e lugares históricos que funcionam aos fins de semana e ajudam a preencher o vazio que permeia o bairro quando as lojas fecham.
Com programação gratuita e para todas as idades, esses espaços públicos movimentam a cidade com história, cultura, arte, música e gastronomia — e neste domingo, 26, O POVO visitou alguns deles.
As manhãs de domingo no Complexo Cultural Estação das Artes têm sido dominadas por elas: as crianças. Composto pela Estação das Artes, o Mercado AlimentaCE, a Pinacoteca do Ceará, o Centro de Design e o recém-inaugurado Museu Ferroviário João Felipe, o equipamento reúne atividades lúdicas como oficinas infantis e apresentações teatrais que levam famílias para o já tradicional “Domingo na Estação”.
No complexo cultural pela primeira vez, a fisioterapeuta Gisela dos Santos, 40, e o professor Nicholas Barroso, 36, planejavam levar a pequena Dora, de 3 anos, apenas para a tradicional pintura infantil, mas quando souberam do início do funcionamento do Museu Ferroviário seguiram para conhecer a nova exposição.
“Tem algum tempo que a gente acompanhava a Estação nas redes sociais, gostamos de passear aqui pelo Centro, mas nunca tinha vindo. Aí hoje a gente estava procurando alguma atividade para fazer com ela e resolveu parar de adiar essa visita. De brinde, a gente acabou conhecendo a história desse prédio que é tão antigo e tão bonito. Valeu a pena”, conta a mãe.
No lado de fora, a praça da Estação é o ponto de encontro para o grupo de capoeira Raízes dos Palmares, que atua com crianças e jovens do Moura Brasil sob a coordenação do professor Wagner, conhecido como Erê, por meio de uma instituição beneficente que desenvolve ações culturais através do esporte em Fortaleza.
O sol forte não foi obstáculo para Pedro Lucas, 11, que está no grupo desde os 9 anos e se autointitula como “cruel” ao se referir às habilidades na capoeira: “Eu moro na comunidade, aí meu tio me chamou para participar do projeto. Lá também tem a escola de surfe do Moura Brasil, outros projetos. Fui treinando, treinando, hoje eu sou cruel”, exalta.
No prédio vizinho, a bordadeira Sueli Gomes relata que, nos fins de semana, a maioria das pessoas entra nas instalações da antiga cadeia pública da cidade apenas para estacionar o carro, e só então descobre que ali funciona o Centro de Turismo do Ceará (Emcetur).
“As pessoas vêm perguntar onde é que marca consulta aqui dentro, pensando que é a Santa Casa de Misericórdia [prédio que fica ao lado]. Muita gente nem sabe que aqui abre dia de domingo, nem turista nem morador. Falta uma divulgação maior do nosso trabalho com artesanato aqui”, comenta.
Mais à frente, na Praça dos Mártires ou Passeio Público, o paulista Miguel Pereira fez uma parada para respirar e almoçar depois de uma manhã dedicada ao ciclismo. De férias no Ceará, o turista diz que ficou interessado em conhecer o lugar depois que visitou o Museu da Indústria, localizado em frente, com a esposa.
Lá, o público pode conferir gratuitamente três exposições que estão em cartaz: “Eletricidade: história, memória e futuro do patrimônio energético no Ceará”, no térreo, e “Carnaúba - Árvore da Vida” e “Design Imagina Cidade” no primeiro piso.
“Nos recomendaram a feijoada que tem na praça. Ficamos sabendo da história dos mártires que morreram nela e foi uma surpresa. Por ser um lugar tão calmo, tranquilo, nem parece que foi aqui”, narra.
Após seguir os rastros de uma agitada Feira da Madrugada, comércio de confecções que acontece nos arredores do Mercado Central e da Catedral Metropolitana de Fortaleza, a advogada Virgínia Eufrásio e o mecânico Orlando Silveira seguiram para o animado polo cultural Raimundo dos Queijos, a poucos quarteirões dali.
O casal ainda não conhecia o movimento do local fora do período pré-carnavalesco, mas aprovou: “A gente só tinha vindo aqui no pré-carnaval, porque é um dos points. Mas achamos muito bom, tranquilo, você não vê atrito, as pessoas são altamente cordiais, simpáticas. Queremos vir mais vezes. E já está chegando o pré-carnaval de novo, né?”, destaca Silveira.
Mais adiante, do Centro Cultural Banco do Nordeste (CCBNB) parte o Trenzinho da História (@tremdahistoriafortaleza) — uma locomotiva que leva crianças e adultos para um passeio pelo centro histórico da Capital na companhia do mascote Bode Ioiô. São 45 vagas e os ingressos são distribuídos gratuitamente na recepção do CCBNB Fortaleza.
Na Praça do Ferreira, uma fila à espera do barbeiro Fabiano Martins. Ele, que também é advogado, desenvolve a Ação Social Ordem da Barba Perfeita, uma iniciativa que oferece serviços de corte de cabelo e barbearia de graça para pessoas em situação de rua — uma população que é expressiva nas ruas do Centro e depende de ações como essa.
“A minha família é de barbeiros, meu avô costumava cortar o cabelo dos pacientes da Santa Casa, depois foi minha mãe. Resolvi fazer também, montei um salão no Montese, e por conta da filantropia comecei a desenvolver essa ação aqui com as pessoas em situação de rua que ficam na praça”, destaca.
Pela noite, a perspectiva é de movimentação em torno do Cineteatro São Luiz e do cinema do Centro Cultural Dragão do Mar de Arte e Cultura para a programação do 33º Cine Ceará, um dos festivais de cinema mais importantes do Brasil.
Confira algumas imagens do percurso pelo Centro de Fortaleza neste domingo:
Falta de diálogo e de educação patrimonial podem gerar esvaziamento
Para o educador e turismólogo Gerson Linhares, idealizador do projeto “Fortaleza a pé” (@fortalezaape), o que falta entre esses equipamentos e o público para preencher ainda mais o vazio no Centro é diálogo e educação patrimonial.
“Labuto nessa área há 28 anos através das caminhadas culturais pelo centro histórico e, ao meu ver, falta essa liga, essa comunicação, esse diálogo entre os equipamentos culturais, entre governo e prefeitura”, coloca.
Segundo Linhares, que também é idealizador do Museu do Bode Ioiô, no Parque da Liberdade (Cidade das Crianças) e do Museu do Caju, em Caucaia, são mais de 30 equipamentos, cerca de 23 museus, 25 igrejas católicas e 33 praças antigas somente no Centro da Capital.
“Dos museus, 20 ficam fechados no fim de semana, que é quando as pessoas têm mais tempo para visitar. Quer dizer, a gente tem um potencial fabuloso em termos de patrimônio histórico, arquitetônico, cultural, mas falta essa liga. E quem perde é o cidadão, o turista, as escolas”, observa.
Na opinião do educador, “falta um trabalho de educação patrimonial mais forte que possa viabilizar que pessoas da periferia visitem esses lugares, principalmente os jovens e os idosos, faltam espaços para alimentação. Tudo isso ajuda a criar um fluxo”.