Polícia aponta morte de adolescente em confronto, mas testemunhas relatam execução
PMCE afirma que houve confronto e que uma arma foi apreendida com o adolescente. Família diz que Ray não estava armado, que não houve confronto e PMs teriam chegado atirando
16:54 | Nov. 21, 2023
O adolescente Francisco Ray Oliveira de Jesus, de 16 anos, baleado na noite desse domingo, 19, na Barra do Ceará, foi enterrado na manhã desta terça-feira, 21, em Fortaleza. Há duas versões em relação ao caso, a da Polícia Militar do Ceará (PMCE), que aponta que ele foi morto em confronto com os PMs, e a da família e de pessoas que dizem ter testemunhado do caso — que denunciam que o garoto foi executado em abordagem policial
A PMCE divulgou, em nota nesta terça, que Ray estaria armado com um revólver calibre 38, que foi apreendido. O jovem morreu durante a ação policial no Conjunto Vila Velha 3.
Os familiares e amigos, no entanto, descrevem que Ray foi baleado na perna e, depois, executado quando já estava no chão, com mais dois tiros. Já morto, o menino teria sido colocado em uma viatura e deixado em uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA).
Além disso, acusam os policiais de forjarem a apreensão de arma de fogo. Uma das fontes diz que, ao colocar o menino na viatura, um dos policiais teria comentado: "Se fudeu".
"Houve confronto e um dos suspeitos, um adolescente de 16 anos, foi a óbito em posse do armamento", afirma a PMCE, em nota.
Procurada, a Controladoria Geral de Disciplina (CGD) informou ter instaurado procedimento disciplinar "para apuração do fato na seara administrativa, estando este em trâmite".
Ray estaria baleado e no chão quando foi morto, segundo denúncia
De acordo com testemunhas, ao ouvir os tiros, adolescente correu e foi atingido na perna, mas depois que caiu no chão, os agentes teriam se aproximado e efetuado mais dois tiros. Os policiais teriam chegado por volta das 20 horas, de acordo com um familiar.
"A população se revoltou. (eles) Pegaram o menino e jogaram na viatura como se fosse um cachorro", relata. "Para mim, eles já foram na intenção de matar, ele já estava baleado e chegaram e deram tiro nas costas".
Conforme a testemunha, não houve ordem de aviso. "Poderia ter acontecido comigo, com crianças, com filhos de outras mães. A gente pede justiça e proteção, pois não sabemos o que são capazes de fazer", afirma.
Conforme outra familiar, que também presenciou o fato, o garoto foi jogado dentro da viatura e encaminhado à UPA sem vida, sem que a Perícia fosse acionada. "Era um menino calmo, obediente e querido pela família", afirma a fonte ouvida pelo O POVO.
Ray era goleiro e tinha 13 irmãos
A família que se descreve como unida mora no conjunto Vila Velha 3 há três anos, depois que se mudou do Pirambu quando conseguiu benefícios para a compra de casa própria. Ray gostava de jogar futebol e atuava como goleiro, segundo os amigos. As fotografias dele eram mostradas por parentes no cemitério do Bom Jardim, durante sepultamento.
Com lágrimas no rosto, uma familiar segurava a cruz com o nome do jovem. Ela relata que Ray tinha 13 irmãos e que a mãe dele o adotou com dois meses, ainda bebê. O menino tinha recebido, conforme o relato, material para se aperfeiçoar e seguir o sonho de jogar futebol. A mãe não teve forças para ir ao cemitério, e uma das irmãs chorava ao canto.
Intimidação
Parentes afirmam que durante o velório uma viatura passava na frente da residência na madrugada e que permaneceu na esquina da casa. A situação foi considerada por eles uma forma de intimidação. Além disso, eles temem pela vida após o caso.
Imagens de câmeras de segurança mostram os policiais carregando o adolescente pelas pernas e pelas mãos. Os moradores gritavam, um policial realiza disparo para o alto. Há um tumulto generalizado e pessoas gritando.
A Controladoria Geral de Disciplina (CGD) informou que instaurou procedimento disciplinar para apuração do fato na seara administrativa e que o processo está em trâmite.
Já a Polícia Militar do Ceará afirmou, em nota, que houve um confronto e um dos suspeitos, um adolescente de 16 anos, morreu em posse de um revólver calibre 38 com cinco munições intactas e uma deflagrada. O caso foi registrado no 10º Distrito Policial.
As testemunhas afirmam que a versão da Polícia Militar não é verdadeira e que Ray não estava armado e que não houve confronto no local. Os nomes e imagens dos familiares são preservados.