Facções avançam e demonstram poder para consolidar lideranças
Com ausência de lideranças no crime organizado, as facções se movimentam sem limites dentro dos próprios bandos. Busca por liderança resulta em demonstrações de poder indiscriminadasAs ações cada vez mais ousadas do crime organizado no Ceará, atingindo crianças e passando dos limites do que as próprias facções estabelecem, não seriam casos isolados. Conforme fontes ouvidas pelo O POVO, as antigas estruturas de hierarquia bem definidas dos grupos criminosos teriam ruído com os conflitos passados e prisões de grandes traficantes de drogas. O cenário seria outro. Mudou para uma desorganização dentro dos próprias facções, e a busca pelos postos de liderança estaria motivando as demonstrações indiscriminadas de poder.
As competições internas motivaram situações que comoveram e amedrontaram comunidades, como a família morta em Jaguaribe; os adolescentes atacados na Areninha do Boréu; no Barroso, em Fortaleza; um outro adolescente executado na Areninha do Sítio São João; e o casal morto e um bebê baleado, em Baturité. Tudo isso entre o dia 23 de outubro e o dia 5 de novembro.
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Um policial da Inteligência da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) disse que o movimento pelo domínio dos pontos de vendas de drogas desencadeou mudanças muito bruscas nos grupos organizados, com o enfraquecimento de algumas facções e surgimento de outras.
“Essa geração que está matando hoje em dia não é a mesma do primeiro grande conflito, que aconteceu de 2015 até 2017. Aqueles foram presos, mortos ou fugiram para outros estados. Quem está matando é uma nova geração que não tem as mesmas características. Eles passaram pelas chamadas ‘troca de camisa’, que é quando o bairro todo muda de domínio de uma facção para outra. Eles não têm um controle forte, a hierarquia é totalmente horizontal. Estão matando para demonstrar poder e conquistar lideranças”, explicou.
O distrito de Curralinho, no município de Jaguaribe, sentiu os efeitos deste novo cenário. Um policial militar que atua na região, disse que os moradores ainda estão aprendendo a conviver com a execução do pai, mãe e irmã de um suposto membro de uma facção. “Eles não tinham nada a ver com crimes. Quando os atiradores entraram na casa, o ‘Lucas’, que era quem eles procuravam, fugiu e por isso mataram a família dele. Sem dúvida, é um choque para os moradores da vizinhança. Matar família é o tipo de crime que nem facção aceita”, afirmou.
A comunidade do Conjunto João Paulo II, onde fica a Areninha do Boréu, passa pela tristeza da perda de um adolescente de 14 anos, durante um treino de futebol. Outros dois garotos de 12 e 13 anos que participavam da partida foram feridos, assim como o treinador do time, de 29 anos. Segundo policiais militares que atenderam a ocorrência, alguns homens chegaram ao local procurando um integrante da facção rival e ele teria corrido para dentro da areninha. Mesmo o alvo estando no meio das crianças e adolescentes, o tiroteio não cessou. Dois suspeitos do crime foram capturados.
Em maio deste ano, um caso parecido havia ocorrido na Barra do Ceará, quando um homem de 23 anos também tentou se esconder de um ataque de uma facção rival, entrando em um aniversário infantil. Uma criança de cinco anos morreu e um adolescente de 12 ficou ferido. Um adulto e um adolescente de 15 anos foram detidos pelo assassinato.
“Este é um cenário totalmente atípico. As regras nas facções eram muito claras, porque as lideranças também eram. O Primeiro Comando da Capital (PCC) deu um ar de empresa ao crime organizado no Ceará. Veio o conflito com o Comando Vermelho (CV), o surgimento da Guardiões do Estado (GDE) e as facções foram adotando um ar muito mais beligerante", afirma o policial da célula de Inteligência. "Porém, havia regras entre os integrantes e quem matasse pessoas que não tinham a ver com as atividades deles era severamente punido. Matar criança é fora de questão”.
Um oficial da Polícia Militar afirma que o novo agravamento é totalmente diferente do anterior e pega novamente as estratégias de Segurança Pública de surpresa. “Esses meninos cresceram no meio dessa confusão. Eram crianças quando as facções entraram em guerra pela primeira vez. Infelizmente, eles acham que o auge da vida é ser traficante, ser reconhecido como uma figura temida e cruel. Foram arregimentados muito cedo para perder o medo da morte”, afirmou.
Avanço das facções criminosas: resultado das ações policiais
Questionada sobre as investidas das facções, a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), disse que "as ações de enfrentamento à criminalidade já culminaram na redução de 5,1% Crimes Violentos Letais e Intencionais (CVLIs), no acumulado entre janeiro e setembro de 2023, em relação ao mesmo período de 2022". Nos nove primeiros meses do ano passado, foram notificados 2.238 casos, em período equivalente em 2023, foram registradas 2.124 mortes violentas.
A pasta também informou, por nota, que outras ações para o combate aos crimes no Ceará incluem as instalações de 73 bases do Comando de Policiamento de Rondas e Ações Intensivas e Ostensivas (CPRaio) e 4.060 câmeras de videomonitoramento em todo Estado.
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