A história do brasileiro que nasceu em um campo de concentração nazista

George Legmann e sua família são alguns dos milhares de judeus que migraram para o Brasil antes ou depois do Holocausto

“A história não é apenas algo do passado. A história é o nosso presente e também o futuro”, declara George Legmann. Aos 77 anos, ele é um dos poucos sobreviventes dos campos de concentração nazistas que atualmente moram no Brasil. Em visita ao Ceará, ele repassa sua história de vida e enfatiza a importância de “priorizar a paz”.

Nascido no campo de extermínio de Dachau, no sul da Alemanha, George veio após a Segunda Guerra Mundial com 16 anos ao País e se naturalizou brasileiro. Ele e sua família estão entre os milhares de judeus que se mudaram para o Brasil antes ou depois do Holocausto. De acordo com a Confederação Israelita do Brasil (Conib), a comunidade judaica no Brasil soma hoje 120 mil membros.

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Entre pausas para se lembrar de detalhes que lhe fogem da memória e, em alguns momentos, para enxugar lágrimas oriundas de recordações familiares dolorosas, George Legmann conta que a vida de sua família mudou completamente em abril de 1944.

Na época, a Alemanha e a Itália fascista forçaram a Romênia a entregar metade da Transilvânia - região natal da família de George - à Hungria. “Em 24 horas tudo mudou. Não somente judeus, mas ciganos, pessoas com deficiência, Testemunhas de Jeová, negros; todos que iam contra a hegemonia da raça ariana foram deportados e acabaram nos campos de concentração”, conta Legmann.

Ele explica que a cidade natal de sua família era Cluj-Napoca (ou Klausenburg, em alemão). Lá, os judeus foram todos agrupados para serem enviados em vagões de trem para o campo de concentração de Auschwitz-Birkenau, na Polônia.

“No trem estava o meu avô, avó e meu tio materno. Também estava meu pai e minha mãe, que já estava grávida de mim. Todos agrupados igual uma lata de sardinha. Na primeira parada do trem, meu pai conseguiu escapar e disse para minha mãe: ‘ainda vou salvar vocês”, conta George, explicando que as informações foram repassados por seus próprios familiares.

“Eu era um número: 86878”

O grupo chegou ao primeiro campo de concentração em maio de 1944. Conforme explica Legmann, muitos que conseguiram chegar vivos ao local estavam em condições de subnutrição.

“Quando o trem chegou, um oficial ordenou que, quem não tinha forças para caminhar, deveria ir para um outro vagão que eles seriam levados até os alojamentos. Meu avô, que era de idade, e meu tio de 16 anos, que estava com o pé infeccionado, foram. Eles foram mortos no mesmo dia”, relata.

Naquele momento, a avó e a mãe de George tomaram a decisão de tentar aparentar da forma mais saudável possível. “Minha mãe escondeu que estava grávida. As duas foram enviadas a vários campos, onde foram obrigadas a trabalhar”, detalha.

Para sustentar a guerra, os refugiados eram obrigados a trabalhar em siderúrgicas, fábricas de munições, na construção de estradas, dentre outros campos. Trabalhando forçadamente e ainda grávida, a mãe de George Legmann recebeu a auxilio de um médico judeu, que também estava preso.

Mães carregam seus filhos nascidos no campo de concentração de Dachau. George Legmann é o primeiro bebê da direita para a esquerda.    (Foto: Acervo Museu do Holocausto/Reprodução)
Foto: Acervo Museu do Holocausto/Reprodução Mães carregam seus filhos nascidos no campo de concentração de Dachau. George Legmann é o primeiro bebê da direita para a esquerda.

Ela conseguiu esconder a gravidez até os últimos momentos. Contudo, em novembro de 1944, já no final da Guerra, um médico responsável pelo campo de Dachau encontrou sete mulheres grávidas no local. “Eu fui o primeiro bebe a nascer, em 28 de fevereiro de 1945. Meu número era 86878 do campo de concentração, o mesmo da minha mãe”, detalha.

Um novo começo

No final da Segunda Guerra Mundial, muitos dos sobreviventes tentaram voltar às suas terras de origem. O pai de George, que havia fugido antes de chegar no campo de concentração, acabou sendo posteriormente preso pelos alemães e foi enviado para lutar na linha de frente da Guerra. Felizmente, ele sobreviveu.

De volta a Cluj-Napoca, na Romênia, o homem viu um anúncio com a lista de sobreviventes, entre eles, sua mãe (Elizabeth), a avó (Regina) e o próprio (George). “Meus pais tinham acordado meu nome antes mesmo da Guerra. Foi assim que meus pais se reencontraram”, conta.

Na mesma época, o Brasil estava passando por um curto período de parlamentarismo [gestão de San Tiago Dantas, de 1961 a 1964]. Para reatar as relações diplomáticas com a Romênia, os países acordaram que 50 famílias de cada lado poderiam emigrar para outro país.

“Mas, aparentemente, nenhuma do Brasil foi à Romênia. Chegamos em 6 de setembro de 1961, para morar em São Paulo, onde me naturalizei como brasileiro e vivo até hoje”, conta George.

Do Holocausto à Libertação

Exposição fotográfica "Do Holocausto à Libertação", em homenagem às vítimas do holocausto na Sede do Ministério Público do Ceará - Espaço Cultural MPCE (Foto: Joao Filho Tavares / O Povo)
Foto: Joao Filho Tavares / O Povo Exposição fotográfica "Do Holocausto à Libertação", em homenagem às vítimas do holocausto na Sede do Ministério Público do Ceará - Espaço Cultural MPCE

A visita de George Legmann ao Ceará está vinculada a programação da Exposição Fotográfica ‘Do Holocausto à Libertação’, em cartaz no Espaço Cultural do Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) até o fim do mês de outubro. A mostra retrata os horrores do Holocausto, período que marcou a história da humanidade durante a Segunda Guerra Mundial.

Em meio a dois recentes conflitos mundiais, Legmann torce para o restauro da paz. “Isso é barbárie, isso não é civilização. Grupos terroristas não representam toda uma população. Esperamos que a legislação brasileira não permita que células nazistas e fascistas cresçam no Brasil. Devemos espalhar isso para as outras gerações, para que o ódio não prospere novamente”, conclui.

Serviço

Exposição Fotográfica “Do Holocausto à Libertação”

Até o próximo dia 30 de outubro

De segunda a sexta-feira, de 9 às 16 horas

Local: Espaço Cultural do MPCE (av. Gen. Afonso Albuquerque Lima, 130 Bairro Cambeba, Fortaleza)

Entrada: Gratuita

Recomendação Etária: 14 anos

Para agendar visitas em grupos, preencha o formulário.

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