Casas de apostas seguem sendo alvo de atentados praticados por facções criminosas no Ceará

Facções não permitem que loterias atuem em territórios sem estabelecerem acordos com os grupos criminosos

Os ataques orquestrados por facções criminosas a casas de apostas continuam no Ceará, apesar das operações policiais deflagradas para coibir a prática. A Loteria Popular, empresa conhecida como Paratodos, registrou mais de 100 boletins de ocorrências (BOs) por conta de roubos, incêndios, atentados à bala e ameaças praticados contra suas bancas desde 2021.

De acordo com investigações da Polícia Civil e do Ministério Público Estadual (MPCE), as ações ocorreram para impedir o funcionamento de casas de jogos que não estabeleceram pactos com a facção que atua no território.

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A operação Saturnália, deflagrada pela Delegacia de Combate às Ações Criminosas Organizadas (Draco) em outubro de 2022, identificou que a facção Comando Vermelho (CV) passou a cobrar 20% dos lucros da Loteria do Povo e da Loteria Gomes. Em contrapartida, bancas concorrentes são proibidas de funcionar onde a facção marca presença.

O acordo começou em setembro de 2021 e passou a render, mensalmente, R$ 1 milhão aos cofres do CV, conforme divulgado à época pela Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Estado (SSPDS).

Posteriormente, outras facções também passaram a se valer do expediente. A operação Saturnália prendeu quatro sócios e dois gerentes das loterias do Povo e Gomes, assim como denunciou integrantes do CV pela prática.

De acordo com a advogada Katarina Landim, representante da Paratodos, a ação policial mitigou os ataques por “cerca de cinco meses”, mas, em seguida, os atentados voltaram. A empresa foi autorizada a funcionar em uma decisão judicial de novembro de 2021 da 2ª Vara da Fazenda Pública do Ceará.

Uma das ações mais recentes ocorreu no dia 1º de setembro, no bairro Messejana, e foi registrada por câmeras de vigilância. As imagens mostram dois homens chegando a um estabelecimento onde funciona um ponto da Loteria, em plena luz do dia, e rendendo um funcionário com uma arma de fogo. Em seguida, os criminosos roubam as maquinetas dos jogos e o montante arrecadado no dia.

Há ainda ações que envolvem o uso de fogo, como O POVO já havia mostrado em outubro de 2021. Na madrugada dessa terça-feira, 26, mais um ponto foi alvo de incêndios, desta vez na avenida Castelo de Castro, na comunidade São Cristóvão, bairro Jangurussu. Veja a ação no vídeo a seguir:

A Paratodos já denunciou à Polícia Civil ataques a cambistas em bairros como Carlito Pamplona, Parque São José, Mondubim, Parque Araxá, José Walter, Messejana, Sapiranga, Cristo Redentor, Jacarecanga, Jóquei Clube e Pici. Landim, afirma, porém, que nem todos os crimes são denunciados, pois os cambistas têm medo de sofrer retaliações.

A advogada cita casos em que, em questões de dias, o arrendatário abre e fecha o estabelecimento com medo das ameaças. “Já aconteceu, por exemplo, (do agente lotérico dizer:) ‘Não, mas eu não vou trabalhar para vocês (faccionados) não’. (E eles dizerem:) ‘Vai sim, que você precisa trabalhar’”, diz a advogada. “É muito complicado”.

Além do CV, a rival Guardiões do Estado (GDE) também passou a adotar práticas semelhantes. Durante as investigações da Chacina do Lagamar, que deixou quatro mortos em fevereiro de 2022, a Polícia Civil recebeu denúncia anônima que afirmava que um chefe da facção na região havia instalado uma casa de jogos e proibia que os moradores do bairro fizessem apostas em outros estabelecimentos.

Em uma outra investigação, feita pela Draco, a atuação da GDE no jogo do bicho também apareceu. Antes de ser preso, Francisco Rogério de Sousa Rocha, de 40 anos, acusado de ser o chefe de uma organização criminosa que explorava jogos de azar na Regional V, fez um boletim de ocorrência (BO), em agosto de 2022, denunciando que, no começo daquele ano, um homem identificado apenas como Vidal foi até donos das bancas da região do bairro Conjunto Esperança apresentando-se como integrante da GDE.

Ele, então, teria ameaçado os cambistas de morte caso não dessem 20% de seus lucros à facção. Em agosto daquele ano, prosseguiu Francisco Rogério no BO, as ameaças se intensificaram e criminosos passaram a tomar as máquinas de jogos dos cambistas. No depoimento, o homem disse ter tomado conhecimento de que Vidal já havia matado um dono de uma das bancas que desobedeceram às suas ordens.

Em nota, a Polícia Civil informou que a Draco segue investigando os crimes contra casas de apostas. "Mais detalhes serão repassados em momento oportuno para não comprometer os trabalhos policiais em andamento", informou, em nota.

Contravenção penal

Conforme o artigo 58 da Lei das Contravenções Penais, texto de 1941, explorar ou realizar o "jogo do bicho" pode render "prisão simples, de quatro meses a um ano, e multa, de dois a vinte contos de réis"

"Incorre na pena de multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis, aquele que participa da loteria, visando a obtenção de prêmio, para si ou para terceiro", diz o parágrafo único do texto.

Assinantes do OP+ têm acesso a esta reportagem na íntegra.

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