Cozinha Solidária: 100 mil refeições entregues e o reforço de políticas na periferia

Inaugurado em abril do ano passado, o equipamento busca levar mais oportunidades para os moradores de residenciais e áreas do Jangurussu, em Fortaleza

17:54 | Set. 22, 2023

Por: Mirla Nobre
Atualmente, a cozinha entrega 150 refeições para moradores dos conjuntos Maria Tomásia e José Euclides e demais adjacências do Jangurussu, que estão em situação de vulnerabilidade social e nutricional (foto: Samuel Setubal)

A Cozinha Solidária do Grande Jangurussu, em Fortaleza, entregou nesta sexta-feira, 22, a refeição de número 100 mil e reforçou o aumento de políticas que promovam a cidadania na comunidade. Além de combater a fome, o equipamento do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) busca medidas para o enfrentamento também de demandas na área da saúde, educação e assistência social para os moradores da região.

Atualmente, a cozinha entrega 150 refeições para moradores dos conjuntos Maria Tomásia e José Euclides e outras regiões do Jangurussu que estão em situação de vulnerabilidade social e nutricional. Inaugurada desde abril do ano passado, a Cozinha busca ainda levar mais oportunidades para os moradores, como acesso à cultura e educação.

De acordo com o líder do projeto Cozinha Solidária, Sérgio Farias, a marca das 100 mil refeições representa um trabalho que vai além do alimento. “Acreditamos que o projeto Cozinha Solidária é para entregar cidadania. Muitas pessoas que estão distribuindo comidas não estão com fome, mas têm fome de ser gente, de cidadania, de não estar sofrendo por depressão e de não apanhar dos maridos. Elas estão com fome de coisas que o dinheiro não compra”, destaca.

Sérgio analisa que o Estado poderia se conectar com a política nacional das cozinhas solidárias do MTST, que vai além de projetos pontuais. “Reduzir a cozinha solidária a um canto de servir alimento e disputar isso politicamente é um erro do Estado”, comenta.

Recentemente, o Governo do Ceará inaugurou, por meio do programa Ceará Sem Fome, a primeira cozinha solidária, localizada em Fortaleza. Ao todo, o programa prevê o funcionamento de 1.298 cozinhas solidárias, com 100 refeições sendo distribuídas diariamente para os beneficiários do programa. A iniciativa, entretanto, não inclui as cozinhas do MTST, o que, na época, foi negado pela gestão estadual, de acordo com Sérgio.

O contato entre os moradores e a cozinha revela o diagnóstico das demandas da população, como insegurança alimentar, trabalho, saneamento básico, adoecimento físico, abandono de idosos e atenção às pessoas autistas.

É diante dessas demandas que o projeto busca apoio para a inclusão de políticas públicas que atendam às necessidades dos moradores da região. Os representantes da cozinha estiveram na Secretaria Executiva Regional 9 e entregaram uma carta para o prefeito de Fortaleza, José Sarto (PDT), descrevendo o “Projeto Rede Solidária Escola e Comunidade - Leonel Brizola”.

O projeto sugerido busca a abertura de 360 escolas municipais aos sábados e domingos para servir 1 milhão de refeições para crianças, idosos e deficientes; Serviços do Centro de Referência de Assistência Social (Cras), como Cadastro Único, emissão de carteiras de passes livres, carteirinhas de estudante e demais serviços municipais. A proposta inclui ainda serviços da área da saúde preventiva como aferição de pressão, glicemia, vacinação entre outros para o território.

Os demais pontos são a criação de uma rede de formação e organização com as mães de crianças autistas, para oferta de suporte psicológico, jurídico e de assistência social, que seriam realizadas nas cozinhas solidárias e nas escolas da região. A proposta inclui, segundo Sérgio, uma "cerca solidária", que seria uma sala integrada para estimulação das crianças.

Além disso, o projeto busca a criação de bancos municipais de alimentos e cidadania e de um canal de comunicação direto com a comunidade, o "Link Direto com o território", pelo qual será possível escutar, discutir e responder às demandas comunitárias. Sérgio explica que o objetivo é criar uma Rede Solidária baseada no método da Acupuntura Social, proposta de designer a ser implantada em territórios de alta vulnerabilidade social.

Universidade da Periferia

Durante as atividades desta sexta, o presidente do Instituto Centro de Ensino Tecnológico (Centec), Acrísio Sena, anunciou a iniciativa da construção da Universidade da Periferia. A medida, que tem parceira com o  Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) e o MTST, tem o objetivo de levar cursos técnicos para a região, coordenados pelos profissionais da comunidade. A expectativa é de o que projeto comece ainda neste semestre.

"Não é um formato com muro, mas um encontro de saberes, do técnico e cientifico, qualificados com os profissionais da própria comunidade. Esse encontro é que estamos chamando de Universidade da Periferia. Trabalhando os dois saberes: o popular e o cientifico. Vamos envolver gastronomia, tecnologia da informação e comunicação e cursos profissionalizantes. Pegar dentro da comunidade aquele que sabe concertar", disse Acrísio. 

Um dos articulados do projeto, Dudu Suricate, comenta que a Cozinha Solidária é um ponto de partida no combate à fome. “A fome não é olhada como ela deveria ser. E a fome aqui não representa apenas a fome de comida, mas de representatividade e de assistência social. O Estado não chega aqui, quem chega somos nós. A gente cria as nossas próprias oportunidades, a partir de doações e de pessoas que chegam para ajudar”, informa.

A cozinha solidária do MTST conta com voluntários na organização, no preparo e na entrega dos alimentos. Além de outras atividades que são realizadas no equipamento. Para a voluntária que auxilia no preparo e na distribuição das refeições, Daniele Lopes, 38, o projeto mudou sua visão de vida.

“Você entregar alimento para quem realmente tem fome, onde você consegue ver no olhar, é gratificante. Hoje eu me sinto uma pessoa melhor por poder ter entrado na vida de outras pessoas e de ter ajudado”, disse.

Ainda segundo Dudu, a cozinha ainda reúne pessoas que, atualmente, não estão inseridas no mercado de trabalho, mas que se sentem ativas por participar do projeto.

Para ele, a cozinha também representa um ponto de encontro, de troca e de esperança entre os voluntários. Ele destaca que para intensificar o objetivo dos equipamentos, o Estado deveria juntar as cozinhas que já funcionam e integrar a política.