Chacina do Curió: réu nega tortura psicológica contra vítima
Depoimentos de vítima e réu trazem informações similares sobre aquela noite, mas divergem na acusação de tortura psicológicaO quarto réu a depor na terceira fase do julgamento da Chacina do Curió foi ouvido na manhã desta quinta-feira, 14, no Fórum Clóvis Beviláqua. Durante o depoimento, Antônio Flauber de Melo Brazil negou que agentes da Polícia Militar do Ceará (PMCE) tenham praticado tortura psicológica contra uma das vítimas, conforme apresentado no depoimento de um dos sobreviventes.
Flauber, que hoje é cabo da PMCE, contou aos jurados detalhes sobre a busca realizada por ele e outros policiais a suspeitos do latrocínio que vitimou o soldado Waltemberg Serpa. O assassinato do soldado motivou a matança entre a noite e a madrugada de 11 e 12 de novembro de 2015.
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O cabo informou ter trabalhado das 6 horas da manhã do dia 11 às 6 horas da manhã do dia 12 de novembro de 2015, junto ao comandante Clênio Silva da Costa, também réu nesta fase do julgamento.
Segundo ele, os dois já vinham de uma ocorrência envolvendo um colega de farda quando voltaram à base da inteligência policial, no bairro Aldeota. Lá, eles teriam recebido a informação sobre a morte de Serpa e seguido rumo à Messejana em uma viatura descaracterizada da Coordenadoria de Inteligência Policial (CIP).
À época, Flauber era policial do veículo e, quando ia para missões, disse que costumava usar coletes e pistolas .40. Nesse caso, disse não lembrar se levaram o material de proteção.
Ele afirma que não sabia de nada além da morte de um policial quando saiu para o chamado e que, devido ao carro não ter um dispositivo de acesso ao sistema de dados da Polícia, toda a comunicação era feita por celular. O réu conta ainda que o rádio não era muito utilizado para se comunicar e que não circularam informações sobre a morte de Serpa em grupos de policiais no WhatsApp.
Desfamiliarizados com a região, os réus teriam acionado a equipe de inteligência do Batalhão, da qual faziam parte José Wagner Silva de Souza e Antônio Carlos Matos Marçal, outros dois acusados no júri. Flauber afirma que por serem locados, os carros eram quase todos iguais e os da inteligência não eram diferentes, além de negar a adulteração das placas com fita isolante.
Os dois novos policiais, que estavam de folga na noite da Chacina, teriam informações sobre três suspeitos de matarem Serpa. “Um rapaz (que O POVO opta por não divulgar o nome), um outro de alcunha Curió e um terceiro sem nome, sem alcunha, cabelo grande e com aparência de índio.”
As duas viaturas então seguiram até o campo do Uniclinic, onde Serpa havia sido morto, a fim de encontrar câmeras que pudessem ajudar na investigação. Flauber diz não lembrar se combinaram de estabelecer comunicação no caminho entre os veículos.
Já no local do latrocínio, os policiais encontraram uma viatura da cavalaria e outros carros da PMCE, também atrás de pistas do crime. Sem êxito na procura por indícios, partiram em busca das informações que receberam sobre suspeitos do crime.
Procura por suspeitos
Segundo o cabo, a primeira parada foi no Beco dos Doze, onde morava um dos sobreviventes que depôs no tribunal. O PM diz que não se aproximou muito, mas pôde ver o colega levando um jovem de cabelo loiro para a viatura.
Aos jurados, detalhou o padrão da abordagem: voz de comando, saca, aponta a arma e “posição pronto baixo”, com a arma apontada para o sol e dedo fora do gatilho.
De longe e sem entrar na casa da avó do rapaz, Flauber teria ficado apenas resguardando o perímetro e a viatura. Diz também não ter ouvido outras ocorrências pelo rádio e que o equipamento pode ter descarregado, só não lembra em que momento.
Sem comunicação, disse não ter ouvido disparos na região e que não recebeu ligações ou mensagens no celular sobre ocorrências do tipo. Contou que se houve violência contra Breno, ele não viu.
O próximo destino foi a casa onde moraria Curió, mas após varredura de policiais fardados e em viatura caracterizada, nada teria sido encontrado. O suspeito não moraria mais ali.
O novo local foi a casa de um amigo do primeiro suspeito. Esse amigo teria enviado mensagens avisando para que o colega se resguardasse, pois o "Reservado" (Polícia) estava rondando a área. Novamente, nada teria sido encontrado.
O caminho narrada por ele teria de continuar até a Delegacia do 6° Distrito, onde o suspeito passaria por reconhecimento com a mulher de Serpa. O policial conta que no caminho até viram várias viaturas, mas que o alto movimento é comum no bairro.
Além das viaturas, o policial confirma ter visto pessoas lesionadas no meio do caminho, mas disse que elas estavam sendo atendidas e que ele não poderia parar porque a viatura era de inteligência. Ou seja, trabalhava com missões e não com atendimentos.
Após a esposa de Serpa não reconhecer o jovem, ele foi liberado e, segundo o policial, após ser questionado pela defesa, o suspeito teria escolhido ser levado pela viatura para casa. O PM nega que tenham havido excessos ou qualquer tipo de tortura durante toda a abordagem, afirmando que a mãe do moço inclusive agradeceu aos policiais por levarem o filho de volta.
Esse inclusive foi o argumento apresentado por ele quando questionado pela promotoria sobre como saberia que não houve excessos se não teve contato com a viatura de Marçal. Perguntado como soube do agradecimento, disse que foi informado pelo comandante.
Réu lembra período em que esteve preso
Relatando embrulho no estômago, o réu Antônio Flauber de Melo Brazil disse que só soube das mortes no dia seguinte à Chacina e que chorou com o depoimento de uma das testemunhas.
Flauber se emocionou ao contar o que passou nesses anos. Relembrando o período em que ficou preso, disse que a esposa teve que mentir para o filho e dizer que ele foi fazer um curso em outro estado.
O réu disse que até hoje atende ocorrências na folga, mas com cautela e que considera os outros réus heróis por "não se conformarem com o mal". Novamente lembrando sua trajetória na Polícia, listou elogios que recebeu na corporação, principalmente quando foi membro da inteligência. Disse que quando retornou, mesmo afastado das funções, não deixou de se apresentar no local de trabalho.
Perguntado pela defesa se mudaria de área se soubesse que seria réu no julgamento, Flauber disse que estudou Filosofia, Teologia e é músico, mas que ainda escolheria ser policial.