Policiais militares acusados de torturar jovem na Chacina do Curió são interrogados

Os militares estavam em uma viatura do Serviço Reservado e ressaltaram que estavam na área apenas fazendo levantamentos sobre a morte do soldado Serpa

22:16 | Set. 13, 2023

Por: Márcia Feitosa
Oito PMs são réus nesta fase do julgamento da chacina (foto: J. Paulo Oliveira / TJCE)

Os réus da terceira fase do julgamento da Chacina do Curió começaram a ser ouvidos nesta quarta-feira, 13, no Fórum Clóvis Beviláqua. Antônio Carlos Matos Marçal, José Wagner Silva de Souza e José Oliveira do Nascimento estavam em um veículo descaracterizado do Serviço Reservado da PM e são acusados de terem torturado uma das vítimas, em busca de informações dos suspeitos de matarem o soldado Valtemberg Chaves Serpa, horas antes. Os militares negam e fazem queixas contra a Polícia Militar de forma institucionalizada.

O subtenente Marçal disse durante o julgamento que não houve tortura, mas confirma os fatos narrados na denúncia do Ministério Púbico do Estado (MPCE), que o jovem foi levado de casa, colocado na viatura e rodado durante algumas horas na Grande Messejana, dando informações sobre possíveis suspeitos. O militar está na Corporação há 32 anos e disse que já foi tido como “anjo” pela população, quando prendeu um traficante da comunidade do Pôr do Sol; e recebeu elogios por bravura do Governo quando salvou de um sequestro o filho da atual Secretária dos Direitos Humanos, Socorro França.

O subtenente revelou que foi parabenizado por sua conduta em relação à vítima sobrevivente da chacina, no dia que depôs da Delegacia de Assuntos Internos (DAI) da Controladoria Geral de Disciplina (CGD) e não esperava ser acusado da chacina. “Foi uma decepção e uma surpresa ao mesmo tempo. Chegaram lá em casa mandando eu me apresentar no quartel para ser preso e eu fui. Passei oito meses preso”, afirmou.

Ele acrescentou que pediu ao filho para não ser policial militar depois de ver “as covardias que a Polícia faz”. Emocionado, Marçal teve um pico de pressão e a sessão foi suspensa por alguns minutos até que ele se recuperasse. “Sinto muito pelo que aconteceu, pelos familiares das vítimas, mas nós somos inocentes. Eu e meus companheiros não fizemos nada para estar aqui”, afirmou.

Em seguida, o 1º sargento José Wagner Silva de Sousa, que estava na viatura na função de patrulheiro, foi ouvido. Souza faz 29 anos de PM daqui a dois dias e disse que recebeu condecorações por seu comportamento durante a carreira e não carrega arrependimentos, mas “se soubesse que estaria no banco dos réus, hoje, não teria nem entrado”.

"A polícia é boa, mas os componentes que formam ela são complicados. Eles não valorizam a gente não.
Sou um bom policial e estou aqui para provar minha inocência. Estou colocando minha vida nas mãos de vocês”, declarou emocionado.

Durante o depoimento, ele disse que começaram a trabalhar naquela noite com base em uma denúncia anônima repassada para o telefone de Marçal. O informante teria dito que os suspeitos de matar Serpa eram ‘Índio’, ‘Cúrio’ e o outro jovem, que acabou sendo encontrado por eles no Beco do Doze e colocado dentro da viatura descaracterizada.

Alguns pontos da narrativa de Wagner foram contrapostos pela Defensoria Pública, que atua no julgamento como assistente de acusação. Depois de alguns dados desencontrados da versão apresentada por ele na DAI, o militar preferiu não responder mais os questionamentos.

Tomada de decisões

O último integrante da viatura do Serviço Reservado a depor foi o 1° tenente José Oliveira do Nascimento. Com 32 anos de polícia, ele não estava de serviço naquela noite, nem era do Serviço Reservado, mas afirma que se voluntariou ao comandante para participar das buscas aos suspeitos de matar Serpa. Ele foi colocado como comandante do veículo em que estavam Marçal e Wagner. O oficial também se diz responsável por muitas das decisões tomadas.

O militar diz que foi ele que decidiu ir até o Beco do Doze, para averiguar a denúncia repassada para Marçal; que revistou casas próximas ao ponto de referência indicado, mesmo sem ter mandado judicial, segundo ele, com a autorização dos proprietários. Oliveira também diz ter decidido levar o jovem para passar por um “pré-reconhecimento” no 16ºBPM (Messejana), mesmo esse não sendo o padrão determinado por lei. Segundo ele, não levou o jovem para a delegacia da área, porque havia boatos de que o 30ºDP pudesse ser invadido e estaria tentando preservar a vida do rapaz.

“A mãe dele ligou, ele atendeu e eu falei com ela. Disse que o filho dela era suspeito de matar um policial e que estava com a gente, mas não se preocupasse, que se não tivesse nada a ver, eu deixaria ele em casa. Assim foi feito, quando a esposa do Serpa disse que não reconhecia, nós deixamos ele na casa da mãe dele”, declarou.