Chacina do Curió: julgamento chega à 3ª fase, com 8 PMs réus por suspeita de tortura

Os policiais militares estariam em uma viatura caracterizada e em três carros descaracterizados, do Serviço Reservado da PM, quando teriam torturado mentalmente um jovem tentando extrair informações sobre o suspeito de matar um soldado

A terceira fase do julgamento dos policiais militares acusados da Chacina do Curió começa hoje, no Fórum Clóvis Beviláqua, em Fortaleza. O crime que pesa contra os oito réus desta vez é o de tortura. A primeira fase foi voltada às execuções e a segunda para omissão do dever de agir. O processo foi desmembrado em três partes para individualizar a suposta participação dos policiais e acelerar os trâmites que se dão na 1ª Vara do Júri de Fortaleza.

O julgamento será o terceiro Tribunal do Júri do caso que apura o homicídio de 11 pessoas — na maioria jovens —, na região da Grande Messejana entre a noite de 11 de novembro e madrugada de 12 de novembro de 2023, naquela que é considerada a segunda maior chacina da história de Fortaleza.

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Originalmente, o caso era o maior da Capital, mas foi superado pela Chacina das Cajazeiras, também conhecido como o Forró do Gago, em janeiro de 2018.

Esta última fase do julgamento tem previsão de 21 depoimentos — sendo seis de vítimas sobreviventes, sete de testemunhas e oito interrogatórios de réus que teriam torturado uma das vítimas e agido em conluio com outros policiais no episódio resultante na chacina.

Sentarão no banco dos réus Antônio Carlos Matos Marçal, Antônio Flauber de Melo Brazil, Clênio Silva da Costa, Francisco Helder de Sousa Filho, Igor Bethoven Sousa de Oliveira, José Oliveira do Nascimento, José Wagner Silva de Souza e Maria Bárbara Moreira.

De acordo com a denúncia do Ministério Público do Ceará (MPCE), teria havido uma combinação entre policiais que estavam trabalhando e outros que estavam de folga, para vingar a morte do soldado Valtemberg Chaves Serpa, vitimado em suposto latrocínio poucas horas antes de a matança ser iniciada.

Serpa era armeiro do 16ºBPM (Messejana) e foi abordado pelos suspeitos, no bairro Lagoa Redonda, nas proximidades do Campo do Uniclinic.

Os jurados vão analisar, desta vez, se os quatro policiais que estavam em uma viatura caracterizada e os que atuavam no Serviço Reservado da PM em três carros descaracterizados, têm alguma culpa na chacina.

Segundo a denúncia do MPCE, este grupo teria submetido uma das vítimas “a intenso sofrimento mental por pessoas que atuavam em comunhão de esforços, com emprego de grave ameaça — incluindo a restrição de liberdade de sua locomoção — as quais visavam obter informações sobre o paradeiro de terceiras pessoas, conhecidas por Índio e Curió”.

Os apelidos "Índio" e "Curió" foram repassados para as viaturas, via rádio, como sendo dos suspeitos de terem matado o soldado Serpa. A partir daí, um cerco foi montado, incluindo uma aeronave da Companhia Integrada de Operações Aéreas (Ciopaer), várias viaturas da Área Integrada de Segurança (AIS) 4 e do Batalhão de Policiamento de Choque (BPChoque).

Em paralelo a isso, policiais à paisana se reuniam em pontos diferentes da Grande Messejana e desencadeavam a sequência de mortes e de tentativas de homicídios nos bairros Curió, Lagoa Redonda, Barroso e no Conjunto São Miguel.

Ainda conforme a denúncia do MPCE, “os acusados planejaram uma ação impactante, com divisão de tarefas, que começou pela procura de alvos preferenciais, de regra, pessoas com envolvimento em práticas delitivas ou sobre as quais recaiam suspeitas de ações delituosas, ou, ainda, desafetos pessoais de alguns policiais que estavam participando da ação”.

Estrutura do julgamento

A terceira fase do júri será novamente presidida por um colegiado de três juízes: Marcos Aurélio Marques Nogueira, presidente do colegiado e titular da 1ª Vara Júri; Adriana da Cruz Dantas, da 17ª Vara Criminal; e Sílvio Pinto Falcão Filho, da 1ª Vara Criminal.

O Ministério Público atuará na acusação com três promotores de Justiça e a Defensoria Pública do Estado atuará como assistente de acusação, representando as mães das vítimas da chacina — conhecidas como Mães do Curió. Todos os réus têm advogados particulares constituídos para as respectivas defesas.

As mães das vítimas da chacina declararam em entrevista coletiva, na última quarta-feira, 6, após encerramento do segundo júri que “não vão esmorecer” e pretendem seguir na luta por menos violência na periferia.

Inicialmente, a Chacina do Curió teve 44 réus pelo homicídio de 11 pessoas, além da tortura de outras sete. Durante o processo, 13 dos acusados foram impronunciados e os outros 31 tiveram o júri marcado. Até agora, 12 foram julgados, sendo quatro condenados e oito absolvidos.

Primeiro julgamento condenou réus por execuções

O julgamento da Chacina do Curió se iniciou no dia 20 de junho e culminou na condenação de Antônio José de Abreu Vidal Filho, Marcus Vinícius Sousa da Costa, Wellington Veras Chagas e Ideraldo Amâncio a 275 anos e 11 meses de prisão cada um. Os hoje ex-policiais militares integram o núcleo acusado das execuções propriamente ditas das 11 pessoas, ocorrida em novembro de 2015.

Três militares que integram esse processo não foram julgados, porque estão com recursos pendentes em instâncias superiores. Um último PM arrolado como acusado morreu durante a fase de instrução. Ele foi morto a tiros em latrocínio em 2020.

As defesas dos réus alegam que vão recorrer das sentenças. Marcus Costa, Wellington Chagas e Ideraldo Amâncio estão presos preventivamente, enquanto Antônio José foi preso no estado de New Hampshire, nos Estados Unidos. Ele foi detido depois que teve o nome incluído na lista de difusão vermelha da Interpol e está em processo de extradição.

Oito réus foram absolvidos de acusação de omissão do dever

O segundo julgamento foi relacionado à acusação de omissão do dever de agir dos policiais militares que estavam de serviço na Área Integrada de Segurança (AIS) 4 e trafegaram em viaturas, nas proximidades dos locais em que aconteceu a chacina. Esta fase foi voltada ao chamado "núcleo dos fardados", por ser focada em quem estava em serviço durante a execução da matança.

Esta fase tinha 18 réus, mas apenas oito compareceram ao tribunal para o júri mais longo da comarca de Fortaleza, com duração de nove dias. Todos os julgados foram absolvidos. Os outros 10 PMs aguardam resultados de recursos nas instâncias superiores.

Gerson Vitoriano Carvalho, Thiago Veríssimo Andrade Batista de Moraes, Josiel Silveira Gomes, Thiago Aurélio de Souza Augusto, Ronaldo Silva Lima, José Haroldo Uchoa Gomes, Gaudioso Menezes de Mattos Brito, Francinildo José da Silva Nascimento estavam nas viaturas RD1307, RD1072 e RD1069. O MPCE anunciou que recorreu da sentença.

“O Ministério Público não se conforma com o julgamento neste segundo momento e vai apresentar suas razões, seus argumentos jurídicos e a sua análise de prova para tentar demonstrar para o Tribunal de Justiça que o julgamento deveria ter tido outro resultado”, disse o procurador-geral de Justiça, Manuel Pinheiro, logo após a sentença ser lida.

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