Chacina do Curió: sobrevivente conta ter tido arma colocada na boca por PM

Nesta terça-feira, ocorreu o primeiro dia do terceiro julgamento do caso

21:02 | Set. 12, 2023

Por: Lucas Barbosa
Faixa colocada em frente ao Fórum Clóvis Beviláqua por familiares das vítima da Chacina da Grande Messejana (foto: Samuel Setubal)

Nesta terça-feira, 12, no primeiro dia do terceiro julgamento de acusados de envolvimento na Chacina da Grande Messejana, foram definidos os sete jurados que irão compor o conselho de sentença, assim como foram ouvidas três vítimas sobreviventes do crime.

O principal depoimento foi o de um jovem que contou ter sido vítima de tortura psicológica por parte dos oito réus deste júri — eles teriam envolvimento direto com este crime, além de se omitirem em outros episódios.

A vítima, que O POVO opta por não divulgar o nome, contou que estava ao lado de familiares, na casa da avó, quando homens encapuzados, que seriam PMs do Serviço Reservado, ordenaram que eles abrissem a porta.

Apoiando a ação, estavam PMs em uma viatura caracterizadas e homens em uma moto que estavam com rostos cobertos por camisas. Os veículos de passeio estavam com as placas adulteras, disse a testemunha.

Os encapuzados ordenaram que a vítima mostrasse o Whatsapp e passaram a olhar as mensagens. Uma delas, enviada por um amigo, recomendava que ele ficasse em casa, pois o “Reservado tava na área”. A partir disso, o jovem conta ter passado a ser encarado como suspeito de matar o soldado Valterberg Chaves Serpa, horas antes. 

"Ajoelha para morrer", teria dito PM do Reservado

Ele foi posto em uma viatura descaracterizada e ficou sob poder de cerca de sete PMs por cerca de três horas. Durante este período, ele foi obrigado, por exemplo, a indicar onde morava um suposto suspeito do latrocínio.

Além disso, durante o trajeto que fizeram, os encapuzados passaram a ameaçá-lo para indicasse os criminosos, mesmo que a vítima tenha dito que não sabia quem tinha envolvimento com a morte. 

Ao sair da casa onde estava, a vítima narrou que um dos homens disse: “Ajoelha para morrer” e colocou um revólver em sua boca. Outro PM apontou um fuzil para a sua cabeça.

"Eu me tremia porque nunca tinha passado por isso”, disse. Durante o período que ficou à mercê dos PMs, o jovem disse ter percebido que eles passaram por vários carros, assim como por pessoas encapuzadas, mas não se importavam. Em determinado momento, também deram sinais de luz para essas pessoas.

No caminho, ele também disse ter visto corpos em dois locais. Em um, havia ambulâncias, no outro, não havia ninguém. Ao passar pela cena de um dos crimes, um dos policiais que estava com o depoente afirmou: “tá vendo o que acontece com quem fica até tarde na rua?".

Em nenhuma das cenas, os policiais pararam. Por fim, o jovem disse que os PMs ouviram as ocorrências da chacina na frequência policial e que um dos PMs disse que "deu merda" quando soube que uma mulher grávida foi baleada — não consta, porém, que uma ocorrência dessa natureza tenha, de fato, ocorrido.

Defesa nega crimes

Os PMs afirmam que estavam em missão oficial e que não se omitiram diante dos crimes. O advogado João Mota, que representa os acusados, afirmou que não há nenhuma prova contra os réus. Conforme ele, não ficou caracterizada a tortura psicológica e o depoimento da vítima sobrevivente tem incoerências em relação às fases de inquérito e instrução.

“Nós lamentamos muito a maneira como o Ministério Público agiu nessa situação”, disse Mota. “Ele lançou uma grande rede e, o que ele puxou, ele denunciou. Foram denunciadas pessoas que não tem envolvimento nem direto, nem indireto”.

Pela manhã, antes do julgamento ter início, o movimento Mães do Curió realizou uma manifestação pedindo justiça pelo caso. Em coletiva, Suderli Lima — mãe de um dos mortos, Jardel Lima dos Santos — afirmou que os familiares das vítimas não se abalaram com o resultado do segundo julgamento, que absolveu os oito PMs que eram acusados.

Para ela, os policiais que se omitiram diante da matança são tão responsáveis pelos crimes quanto os autores dos disparos.

Relembre o caso

Onze pessoas foram mortas e outras sete ficaram feridas na virada dos dias 11 e 12 de novembro de 2015 em quatro bairros da região da Grande Messejana. Os crimes teriam em retaliação pela morte do soldado Serpa.

A matança também seria sido motivada por ameaças feitas por traficantes contra um PM que morava no bairro Curió, que era acusado de matar um jovem que teria envolvimento com a criminalidade na região.

Na ação, foram mortos: Álef Souza Cavalcante, Antônio Alisson Inácio Cardoso, Jardel Lima dos Santos, Pedro Alcântara Barroso do Nascimento Filho, Marcelo da Silva Mendes, Patrício João Pinho Leite, Renayson Girão da Silva, Jandson Alexandre de Souza, Valmir Ferreira da Conceição, Francisco Elenildo Pereira Chagas e José Gilvan Pinto Barbosa.

No primeiro julgamento do caso, quatro policiais militares foram condenados a 275 anos e 11 meses de prisão: Antônio José de Abreu Vidal Filho, Marcus Vinícius Sousa da Costa, Wellington Veras Chagas e Ideraldo Amâncio.

Já no segundo julgamento, oito PMs foram absolvidos: Gerson Vitoriano Carvalho, Thiago Veríssimo Andrade Batista de Moraes, Josiel Silveira Gomes, Thiago Aurélio de Souza Augusto, Ronaldo da Silva Lima, José Haroldo Uchoa Gomes, Gaudioso Menezes de Mattos Brito Goes e Francinildo José da Silva Nascimento.

Neste terceiro julgamento, são réus: Maria Bárbara Moreira, Antonio Flauber de Melo Brazil, Clênio Silva da Costa, Antonio Carlos Matos Marçal, José Wagner Silva de Souza, José Oliveira do Nascimento, Francisco Hélder de Souza Filho e Igor Bethoven Sousa Oliveira. (Colaboraram Jéssika Sisnando e Taynara Lima/Especial para O POVO).