Chacina do Curió: MP tenta reconstituir trajetos de viaturas; PMs negam omissão

Expectativa é que julgamento ainda se estenda até o próximo fim de semana. Neste sábado e domingo, houve o depoimento dos quatro primeiros réus, que estão sendo julgados pela omissão do dever de agir

22:04 | Set. 03, 2023

Por: Márcia Feitosa
Julgamento já é o mais duradouro da história da justiça cearense (foto: NADSON FERNANDES/DIVULGAÇÃO-TJCE)

O julgamento mais longo da história do Ceará chega nesta segunda-feira, 4, ao seu sétimo dia. Neste fim de semana, sem pausa, houve o depoimento dos quatro primeiros réus e demonstrações de cansaço de todas as partes envolvidas. A expectativa de fontes ouvidas pelo O POVO é que o júri dos oito PMs acusados de omissão do dever de agir, durante a Chacina do Curió, só seja concluído no próximo sábado, 9.

O Ministério Público do Estado (MPCE) tem tentado reconstituir o trajeto das viaturas, para convencer os jurados que os militares estavam próximos dos pontos em que aconteceram os homicídios, enquanto os PMs ouvidos até aqui dizem que estavam atendendo a outros chamados da Coordenadoria Integrada de Operações de Segurança (Ciops) e não perceberam nenhuma movimentação que demonstrasse que aquela era uma noite/madrugada “atípica”.

Gerson Vitoriano Carvalho, Thiago Veríssimo Andrade Batista de Moraes e Josiel Silveira Gomes, que ocupavam a RD1307 foram ouvidos e disseram que atenderam a sete ocorrências naquela noite/madrugada. Inclusive o caso da lesão à bala contra João Batista Macedo Teixeira Filho, primeira vítima de disparos de homens encapuzados que invadiram os bairros Curió, Lagoa Redonda e o Conjunto São Miguel. Segundo eles, foi a composição 1307 que providenciou socorro a João Batista e evitou que ele morresse no local.

Todos os militares afirmaram conhecer Valtemberg Chaves Serpa apenas como armeiro do 16º BPM, onde eles também eram lotados, e não teriam razões para se envolver em uma possível retaliação à morte dele, ocorrida horas antes da chacina começar.

“Quero me solidarizar com a família das vítimas desse episódio horrível, mas eu não sou bandido. A gente não pode prender inocentes. Meu nome está sujo na internet como se eu fosse um assassino. Fico triste pelo MPCE ter tantos dados e não prender os verdadeiros culpados. Tem plotagens, dados, números. Acho que deveria ter sido feita uma investigação mais técnica”, afirmou o réu Josiel Gomes, durante o depoimento.

A declaração em tom pacífico não foi a mesma estratégia adotada por Thiago Aurélio de Souza Augusto, comandante da RD1072, que começou a ser ouvido na noite deste domingo. O PM teve um entrevero com a promotora Alice Iracema, durante o interrogatório, e a representante do MPCE disse que “se ele era daquele jeito aqui, imagine armado em uma comunidade”. O tom subiu e Alice afirmou que a prática dos 11 homicídios, ocorridos em novembro de 2015, nunca teve autoria completamente elucidada.

“A gente não sabe quem atirou, quem sabe são os senhores e nunca contaram”, afirmou a promotora. O réu disse, em seguida, que não responderia mais aos questionamentos do MPCE.

Mais um réu da viatura 1072 ainda será ouvido e outro está com um recurso em análise em uma instância superior. Três réus da viatura RD1069 prestarão depoimento nos próximos dias.

Entenda as fases do 2º julgamento da Chacina do Curió

O que já aconteceu

1 - Instalação do julgamento
2 - Escolha dos jurados
3 - Anúncio do processo/pregão
4 - Chamada das testemunhas
5 - Condução dos réus ao plenário
6 - Sorteio dos jurados
7 - Oitiva das testemunhas

A fase atual

8 - Interrogatório dos reus

O que está por vir

9 - Debates entre acusação e defesa
10 - Leitura dos quesitos
11 - Votação dos jurados
12 - Sentença

Procurador Geral de Justiça acompanha júri neste domingo

O procurador geral de Justiça, Manuel Pinheiro, chefe do Ministério Público Estadual, esteve no salão do júri na noite deste domingo, 3, e falou com exclusividade ao O POVO sobre o caso. “É um esforço muito grande para compreender todos os fatos. São muitos detalhes a serem observados que podem influenciar o julgamento. O trabalho dos promotores é de análise técnica das provas e para tentar recriar para os jurados, com base nas evidências o que aconteceu. Como instituição, estamos satisfeitos com o trabalho dos promotores, que tem sido muito esforçado”.

O procurador geral também ressaltou as dificuldades de religar todos os pontos em que a chacina aconteceu, para levar ao júri. “As próprias circunstâncias que o crime aconteceu dificultam uma investigação, mas foi um trabalho muito bem feito. A polícia judiciária construiu uma versão lógica de todos esses fatos, com o somatório de todas as provas colhidas”, pontuou.

O advogado Micias Bezerra, que representa os réus da RD1069, disse que o caso é de difícil assimilação, já que para considerar alguém omisso é preciso provar que algo não se fez. “Eles saíram de seus pontos-base para irem até o local dos acontecimentos para se omitir? É ilógico. Desde o início, digo que a acusação é muito frágil em relação às omissões. O inquérito, embora muito volumoso, é cheio de pontas soltas”, considera.