Chacina do Curió: quarto dia de júri é marcado por embates entre acusação e defesa
As discussões se acaloraram durante o depoimento do ex-perito geral, Ranvier Feitosa Aragão, contratado para fazer uma perícia particular do casoO quarto dia de julgamento dos oito policiais militares acusados de omissão do dever de agir, na madrugada que aconteceu a Chacina do Curió, foi marcado por discussões entre os representantes da defesa e a acusação dos réus, em especial durante o depoimento do perito Ranvier Feitosa Aragão. Em uma dos momentos, a representante do Ministério Público do Estado (MPCE), promotora Alice Iracema, chegou a dizer que a situação estava virando “uma feira”. “Isto não é uma feira. Isso é um tribunal”, advertiu o juiz alertando para que a fase de debates não fosse antecipada.
Ranvier Aragão já foi diretor da Perícia Forense do Ceará (Pefoce) e foi contratado para fazer uma perícia sobre o trajeto das viaturas e a tese de que não teria havido omissão no atendimento das ocorrências. Antes de começar a depor, o MPCE fez um pedido para que Ranvier não pudesse testemunhar, alegando que ele tinha três Procedimentos Administrativos Disciplinares (PADs) e processos judiciais sobre perícias com indícios de falsa perícia na Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS).
A defesa, no entanto, apresentou certidões negativas que comprovam que não tem nada em aberto contra ele, dizendo que os processos administrativos e judiciais foram arquivados e o colegiado de juízes indeferiu o pedido dos promotores. Ao longo do depoimento, o perito respondeu perguntas técnicas e indicou inconsistências no sistema de localização da PM, que, de acordo com ele, estava “sujeito a falhas terríveis”. Ranvier também apontou que, em muitos casos, o policial não conhece a área em que está operando.
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Ao ser questionado pela promotora se teria ido ao local da chacina e se teria visualizado a ocorrência, o perito respondeu que não. No depoimento, ele aponta ter feito uso do Google Maps, com base na ciência da perícia. O perito fala especificamente da viatura 1072, a qual, segundo ele, teria atendido a ocorrência na rua Elza Leite Albuquerque, ponto em que não seria possível visualizar os corpos, conforme o laudo dele.
A promotoria então rebateu o apontamento, demonstrando que a foto posta no documento não corresponde à rua citada por ele, sendo referente à rua Odilon Guimarães. O MPCE ressalta que o laudo da viatura 1069, acionada para ocorrência na rua Jorge Souza, teve como ponto de referência a escola Elza Albuquerque e não teve como ir ao local, por conta da distância de um ponto para o outro. O perito negou que tenha sido por esse motivo e afirmou que uma ocorrência era no Norte e o outro para o Sul, em “caminhos opostos”.
De acordo com a advogada, que faz a defesa de José Haroldo Uchôa Gomes, Gaudioso Menezes de Matos Brito Goês e Francinildo José da Silva Nascimento, a viatura dos policiais estava em outro local e não trabalhava na área onde a chacina aconteceu.
“Quando o Centro Integrado de Operações de Segurança (Ciops) foi acionado, foram enviadas viaturas que estavam próximas do local e eram da área, que cobriam a região do Curió. As três viaturas arroladas nesse processo, nenhuma pertencia a área da chacina. Isso chega a ser absurdo. É importante que a população saiba, são policiais militares que estavam trabalhando em outra área e estão arrolados no processo”, acrescentou a defesa.
A segunda testemunha a depor foi um operador de rádio da Ciops, que não estava de serviço no dia do crime, mas explicou como o sistema funciona. Ele diz que, muitas vezes, a ocorrência é gerada sem o endereço completo, apenas algumas referências e é atualizado via terminal da viatura.
Ele faz críticas aos Terminais Móveis de Dados (TMD), cuja tela seria muito pequena e difícil para o policial acompanhar na viatura. “Nesse meio tempo, o policial pode até deixar o local ou estar em outro canto. Não tem como o operador da Ciops saber em tempo real onde está a viatura. Muitas vezes, a viatura fica ‘travada’ em determinado local, mesmo que o operador saiba que ela está em movimento. A principal forma de comunicação entre Ciops e viatura é via rádio, embora possa ser feita também por telefone”, assegurou a testemunha.
Direitos Humanos
A representante da Coordenação Geral de Combate à Tortura e Graves Violações de Direitos Humanos e do Ministério dos Direitos Humanos, presença de Fernanda Oliveira, esteve no Fórum Clóvis Beviláqua nesta sexta-feria, acompanhando a sessão do júri.
“Estamos acompanhando como observadores com o objetivo de garantir que o julgamento se desenvolva com respeito aos direitos humanos. Tanto em relação às vítimas e suas famílias, quanto em relação aos acusados”.
Ela ainda relata que a coordenação recebe uma demanda baixa de denúncias de tortura oriundas do Ceará, mas acredita que isso acontece por conta de subnotificações. “Quanto mais pobre e menos movimentos sociais estruturados o estado é, mais as situações de violação de direitos e garantias fundamentais são subnotificadas. Então, estados do Sul e Sudeste, onde a renda é maior e existem organizações mais antigas e estruturas, denunciam mais”, pontua.
Com informações dos repórteres Jessika Sisnando e Lucas Barbosa