Festa no Theatro José de Alencar celebra Dia da Visibilidade Lésbica

Encontro da Secretaria da Diversidade do Ceará encerra sábado de atividades alusivas à data; Dia da Visibilidade Lésbica é celebrado em 29 de agosto

08:57 | Ago. 27, 2023

Por: Bemfica de Oliva
FORTALEZA, CEARÁ, 26-08-2023: Theatro José de Alencar recebe festa em celebração do Dia da Visibilidade Lésbica, com homenagens à pessoas que contribuíram com a luta e resistência do grupo. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo) (foto: FERNANDA BARROS)

O Theatro José de Alencar (TJA) foi palco, na noite desse sábado, 26, da festa em alusão ao Dia da Visibilidade Lésbica. O evento encerra um dia com programações em celebração à data, comemorada em 29 de agosto.

O evento, acompanhado por O POVO, ocorreu no anexo Cena do TJA, que engloba a Praça Mestre Boca Rica e o teatro Morro do Ouro. Uma exibição de curta-metragens da mostra For Rainbow, neste último, abriu a programação, às 18 horas. Foram exibidos os filmes "Luazul", "Praia dos Crush", "Tá Fazendo Sabão" e "Vó, a Senhora é Lésbica?".

Em seguida, a Praça recebeu programação musical e stands da Feira Empreendedora LGBT. No palco, se apresentaram a cantora Alê Eloi e o grupo Essas Mulheres.

Entre os shows, foi realizada uma cerimônia de homenagem à artista Alice Oliveira. Militante do movimento LGBT desde a década de 1970, Alice é considerada referência pelas décadas de ativismo em defesa da diversidade sexual e de gênero.

Veja fotos da Festa da Visibilidade Lésbica neste sábado, 26

A reportagem conversou com a homenageada e com a titular da Secretaria da Diversidade, Mitchelle Meira. Leia trechos da entrevista:

O POVO: Alice, você é uma figura histórica no movimento LGBT. O que enxerga de mudanças nesta pauta entre quando começou como ativista e atualmente?

Alice Oliveira: Quando comecei, em 1978, não existia nada, não havia políticas públicas. Lentamente as coisas foram mudando: surgiram mais grupos [de militância LGBT], que foram se fortalecendo, e fortalecendo o processo de reivindicações, de cobranças.

Naquela época, vivíamos em uma ditadura, era muito complicado, mas a gente tinha que "abrir a boca", que seria mais fácil de as pessoas nos defenderem. Quando as coisas ficaram mais "tranquilas", foram aparecendo mais grupos, políticas públicas para a comunidade LGBT.

Quando o último governo [federal, do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL)] entrou, afetou completamente esses progressos. Conseguimos segurar alguns pelo Supremo Tribunal Federal (STF), mas esse processo deveria ter passado pela Câmara, pelo Senado.

Com esse novo governo, a gente pode respirar. Aqui no Ceará há a Secretaria da Diversidade, a primeira [na esfera estadual] do País. Deixou de ser Coordenadoria e passou a ser Secretaria, é um avanço porque uma Coordenadoria não tem orçamento próprio, e isso dá uma tranquilidade para pensar mais políticas públicas.

OP: Não apenas há a Secretaria da Diversidade, mas o corpo funcional do órgão é formado por pessoas LGBT. Qual a importância disso?

Alice: Quando comecei [na militância] nunca podia imaginar que ia ver secretarias e coordenadorias, nas esferas federal, estadual e municipal, com pessoas LGBT trabalhando. Para mim, foi um dos maiores ganhos que tivemos. Porque qualquer ser humano, para ter dignidade, precisa ter seu salário, seu emprego. Nisso a gente conseguiu avançar, mas ainda temos muitas coisas a fazer, principalmente na questão das políticas públicas.

Mitchelle Meira: o governador Elmano [Freitas] vem trabalhando com as políticas junto ao Governo Federal, que criou uma secretaria nacional para políticas LGBT. A secretária, Symmy Larrat, é travesti, e está na luta para a inclusão da população LGBT nos estados, em todo o Brasil.

Quando o Governo do Estado também implanta uma Secretaria dessas, estimula as prefeituras. Ter uma equipe com LGBTs - e quando você é LGBT não tem como não ser militante, você sente na pele o que é ser LGBT na sociedade - mostra que a gente está "dando o sangue" para transformar a vida das pessoas, trazendo elas desse lugar da vulnerabilidade, do esquecimento.

OP: Como é a atuação da Secretaria junto aos outros órgãos do governo estadual?

Mitchelle: É uma secretaria para pensar políticas públicas para a população LGBTQIA+, mas isso passa por todas as secretarias. A gente tem articulação com todas. Quando construímos o PPA [Plano Plurianual Participativo], isso foi um tema transversal em todas as políticas.

A gente tem feito articulações bem próximas com a Secretaria da Cultura (Secult), a cultura é fundamental para a transformação. A educação também, para debater e incluir a população LGBTQIA+. Teremos um edital da cultura LGBTQIA+, pela Lei Paulo Gustavo, e vamos fazer um programa contra a LGBTfobia nas escolas.

Com a Secretaria do Esporte [e Juventude, Sejuv], vamos trabalhar a luta contra a LGBTfobia nos espaços de esporte. Com a Secretaria da Segurança Pública [e Defesa Social, SSPDS] temos uma cooperação técnica, para formação dos profissionais, desde o recebimento na delegacia, e o Observatório da Violência LGBT. Na Administração Penitenciária, outra cooperação técnica, para dar tratamento humanizado à população LGBTQIA+ no sistema carcerário.

A gente precisa optar, não dá para abraçar tudo em um primeiro momento, porque a Secretaria é nova. Mas esperamos que, nestes quatro anos, a gente consiga envolver todas as secretarias. Temos pensado muito essa construção a partir da premissa de que LGBTs estão em todo lugar.

OP: Em relação ao Dia da Visibilidade Lésbica, quais demandas essa população tem trazido, e quais ações estão sendo realizadas?

Mitchelle: uma demanda é junto à Casa da Mulher Cearense e à Casa da Mulher Brasileira, para a gente ter dados concretos sobre a violência doméstica contra lésbicas. O período da pandemia foi muito difícil para todas as pessoas LGBT, mas estamos em um Estado onde o feminicídio está em alta, e as lésbicas estão dentro deste conjunto. Estas mulheres [lésbicas] também são violentadas, por exemplo, com o "estupro corretivo".

Temos uma demanda também junto à Secretaria das Mulheres, para tornar visível a população lésbica, e a gente trabalhar, dentro dos equipamentos, a luta contra a lesbofobia.

Alice: Quando a gente conversa com gestor [de órgãos públicos], a primeira pergunta é: "vocês estão onde? Quantas vocês são?". Nós não temos esta resposta. A primeira coisa que precisa ser feita é quantificar, para poder dar claramente ao gestor, e com isso fica muito mais fácil.

Você tem a saúde, você tem a educação, mas o mais impactante é a saúde. Uma mulher (lésbica) que não tenha empoderamento, ela vai ao ginecologista, que vai achar que ela é heterossexual entrando e fazer uma série de perguntas direcionadas ao comportamento heteronormativo. A mulher não tem coragem de falar que é lésbica, pode sair com uma receita "para dar para o maridão". Eu já passei por isso. Mas não é só o gestor, a saúde tem que ser repensada lá na faculdade, tem que se reorganizar e quebrar preconceitos. Não é um decreto que faz isso.

Quando se pensa em políticas públicas, também tem que se pensar no fortalecimento da nossa comunidade. Fortalecimento até de autoestima, para que a comunidade vá buscar os seus direitos. Haja visto a Lei Maria da Penha, está aí colocada, mas em termos de proporção, do número de mulheres que são vítimas de violência, há muita subnotificação. Você pode ter 20 mil direitos, se a comunidade não estiver fortalecida, ela não consegue sair para reivindicá-los.

As entrevistas foram editadas por motivos de espaço e clareza. A reportagem se compromete a não realizar alterações que alterem o sentido das falas.