Estudos arqueológicos desvendam estrutura militar sob o Farol do Mucuripe
Os estudos tiveram início no dia primeiro de agosto e fazem parte do processo de restauração do equipamentoForam iniciados, no último dia primeiro de agosto, os trabalhos de campo para estudos arqueológicos no Farol do Mucuripe, no bairro Serviluz, em Fortaleza. Esta é a primeira etapa para a restauração do equipamento, considerado patrimônio arqueológico pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em agosto de 2021.
O farol foi edificado na década de 1840 e não passa por restauros desde 1982. A restauração, executada pela Secretaria de Turismo do Estado do Ceará (Setur), vinha sendo demandada pela população, por entidades comunitárias e pelo Ministério Público estadual.
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Em 2021, o projeto de restauração começou a ser elaborado e, antes de iniciá-lo, foi necessário concluir o processo licitatório para o estudo arqueológico exigido pelo Iphan. Isso porque, no local, foram encontradas faianças inglesas e peças de cerâmicas datadas dos séculos 18 e 19.
Sobre o terreno elevado, de onde é possível observar o encontro do bairro Serviluz e o mar, pouco se vê do que está por baixo do farol. Também não é de conhecimento da maioria — inclusive por falta de registros desse local — que o farol está localizado sobre as ruínas do Forte de São Luís, provavelmente construído por colonizadores no século 18, ou 17.
Farol do Mucuripe: escavações revelam Forte de São Luís
Delimitar essa estrutura é um dos objetivos da equipe que realiza os estudos arqueológicos no local, a cargo da empresa ANX Engenharia e Arqueologia. O trabalho de escavação é diário, das 8 horas às 16 horas, e aos poucos revela a edificação de pedra sob o farol.
Uma das hipóteses com as quais a equipe trabalha é a de que as pedras do reduto militar, já em desuso, foram reutilizadas para fazer a base do farol. Apesar de haver um levantamento prévio à escavação, não foram encontradas plantas do antigo forte.
“O trabalho arqueológico que a gente está executando aqui na área do Farol do Mucuripe é a parte de escavação controlada. Fazemos camadas de escavação controlada de dez a 20 centímetros e vai rebaixando até termos andamentos suficientes para poder contextualizar a área. Não tem uma profundidade estipulada, vamos escavando até ter subsídios, elementos para caracterizá-la”, explica o coordenador de campo do estudo, Josué Lopes.
A escavação é dividida em uma malha e são realizadas sondagens de cerca de um metro quadrado. A cada nível escavado, são desenhadas plantas do local. Sondagens podem variar de profundidade entre 80 centímetros e 1,4 metro.
Segundo Josué, o que vem sendo encontrado no local não diverge do que costuma ser encontrado em outros sítios arqueológicos: são elementos como louças, cerâmicas e ferro, que “mostram as ocupações antigas, principalmente associados à área que está no topo das estruturas, na parte de cima”.
O material ainda deve passar por avaliação posterior, também a cargo da empresa que conduz os estudos. A Setur deve informar à população o que for encontrado, após atestada a importância histórica dos ítens.
“Não são materiais que se divergem de outros sítios históricos, em relação à materialidade, são coisas que são usadas no cotidiano, prato, potes de cerâmica, vasilhas, mas tudo em pedaços, tudo fragmentado. A gente não encontrou nada inteiro ainda desses elementos mais cotidianos, que a gente chama de utilitários”, diz Josué.
Em fase de diagnóstico e pesquisa histórica, o estudo deve continuar por pelo menos um mês, mas o tempo de trabalho vai depender do que for encontrado no local. Além disso, será realizada a educação patrimonial da comunidade, que é uma exigência legal do processo de gestão do patrimônio cultural.
A identidade do Farol Mucuripe
Sobre a relevância do Farol do Mucuripe, Josué relata que este é um lugar de memória e com o qual as pessoas da comunidade têm uma grande identificação. Essa percepção é ecoada por um dos membros da equipe, Kevin Araújo, que mora nas imediações.
“Aqui estão as raízes da gente, meu cotidiano, minha vida, foi todo aqui. Dos meus filhos, da minha mãe, do meu pai. Nossa infância foi toda aqui, correndo no farol, brincando”, diz Kevin.
À época em que brincava de pega-pega no Farol, ele não sabia que o subsolo do local guardava uma herança ainda mais antiga, ou que um dia seria chamado para trabalhar na sua escavação. Mesmo não tendo trabalhado com arqueologia antes, ele gosta do novo conhecimento que vem adquirindo.
O jovem lembra também da época em que o lugar era aberto para visitações, e recorda-se da vista de cima do Farol, experiências às quais as novas gerações não podem ter acesso.
“Antigamente aqui era um museu antigo, podia entrar, visitar, subir, descer... Tinha várias paradas diferentes falando sobre o histórico do farol e da comunidade também. Infelizmente, foi interrompido porque foi tudo abandonado,“ diz.
Organizações comunitárias do bairro Serviluz vêm pressionando o poder público pela restauração do equipamento. Em 2021, uma petição online organizada pela Comissão Titan e a Associação dos Moradores do Titanzinho chegou a mais de 1.800 assinaturas.
"A nossa luta está sendo árdua, existe um descaso muito grande com as comunidades, e não seria diferente com o Cais do Porto/Titanzinho, que tem nas suas raízes a pesca, o jangadeiro e os moradores antigos desde a praia mansa", disse uma das líderes do movimento, Kátia Lima, ao repórter Gabriel Borges em julho de 2021 em reportagem especial disponível no O POVO Mais.
Farol do Mucuripe: Os sinais de abandono
Demonstrando sinais de abandono, buracos nas paredes e estruturas caídas, por recomendação do Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), não é mais possível entrar no Farol do Mucuripe.
Além disso, em julho de 2021, o domo, estrutura superior do Farol, desabou. O projeto de restauração prevê a sua reconstrução, bem como a das paredes danificadas. A edificação também deverá ser pintada.
Apesar do abandono, não foram registrados atos de vandalismo desde que tiveram início os estudos arqueológicos. Do contrário, conforme Josué, as pessoas, especialmente quem mora próximo, têm curiosidade sobre o que está sendo feito no local.
Kevin vê de forma positiva a restauração. “A gente vê o pessoal querendo investir aqui na nossa comunidade, no futuro, que sabe, da gente ou de outras pessoas”, afirma.