Pós-graduação em Comunicação é a 2ª da UFC a incluir cotas para trans e travestis

⁠A reserva oferta uma vaga para o mestrado e outra para o doutorado no semestre de 2024.1. As inscrições ficam abertas até 25 de agosto

15:02 | Ago. 11, 2023

Por: Gabriel Damasceno
Imagem de apoio ilustrativo. Banca Ares, da UFC, publica lista incorreta de candidatos aprovados em processo seletivo para programas de residência em Nutrição (foto: Divulgação/ UFC)

O Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal do Ceará (PPGCom/UFC) incluiu, pela primeira vez, vagas para pessoas trans e travestis na política de cotas. Na UFC, além do PPGCom, somente o Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) oferta cotas para esse grupo. A PPGCom/UFC disponibilizará, no semestre de 2024.1, uma vaga para o mestrado e outra para o doutorado destinadas a essa população. As inscrições ficam abertas até o dia 25 de agosto.

Apenas 0,2% dos estudantes de ensino superior no Brasil são pessoas trans e/ou travestis, de acordo com a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). O Brasil, além disso, é há 14 anos líder mundial de assassinatos de homens e mulheres trans e travestis.

Segundo Helena Martins, professora do Instituto de Cultura e Arte (ICA) da UFC e participante da comissão de ações afirmativas do PPGCom, uma das principais razões para a decisão foi o reconhecimento de que políticas públicas são necessárias para mudar a realidade.

“O que a gente tem hoje é uma dificuldade das famílias e da sociedade de acolherem pessoas trans. Não à toa, muitas dessas pessoas começam a ter problemas na própria escola, e esses problemas vão continuando. São afastadas dos ambientes institucionais, das escolas, do mercado de trabalho, e acontece que, muitas delas, vão acabar trabalhando ou como prostitutas, a gente vê o tempo todo nas ruas, ou em salões de beleza”, diz a pesquisadora.

Segundo estimativa da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), 90% das pessoas trans recorrem à prostituição, em algum momento da vida, como forma de trabalho. Na maioria dos casos, a exclusão do mercado de trabalho é a principal motivação. O Ceará, além disso, é o estado que mais mata pessoas LGBTQIA+ no País, segundo o Anuário de Segurança Pública.

As ações afirmativas, portanto, surgem como um estímulo para que novas oportunidades sejam criadas para o grupo. “As cotas são um processo de reparação, para que as pessoas possam chegar [à universidade] e ter a possibilidade de seguir um outro rumo que não seja o subemprego ou o desemprego, que leva à prostituição e à exposição a outros riscos sociais", explica o jornalista Bruno de Castro. Ele é mestre em Antropologia, aluno do doutorado em Comunicação da UFC e participou da comissão de ações afirmativas.

“Pessoas trans e travestis precisam ter uma formação para que elas consigam ter um emprego qualificado, ganhem bem, tenham qualidade de vida e consigam pagar todas as contas em dia, sem precisar se expor a situações de vulnerabilidade que possa levar a morte”, adiciona ele.

Bruno ainda destaca que a cota não é um privilégio, como muitas vezes é apontado por críticos da política. “[Isso] só mostra o desconhecimento dessas pessoas em relação ao que, de fato, é uma política de ações afirmativas. Quando a gente institui que tem uma vaga no mestrado e outra no doutorado para pessoas trans, não quer dizer que qualquer pessoa trans que estiver passando na rua vai abrir a porta da UFC e entrar”, explica o jornalista.

Os estudantes passam por um processo rigoroso de seleção. Devem elaborar um projeto de pesquisa que esteja adequado ao programa, passam por quatro etapas de avaliação, são entrevistados por uma banca de doutores e precisam tirar uma nota mínima.

“Na medida que essas pessoas entram na faculdade — aqui estamos falando especificamente da pós-graduação —, elas vão reivindicar que outros autores sejam lidos, possibilitar que outros tipos de pesquisa sejam realizados pela instituição etc.”, destaca Bruno. “O ingresso dessas pessoas nesses espaços é o começo de uma série de outras coisas que vão acontecer em decorrência disso.”

 “A gente precisa de mais pessoas negras, indígenas, PCDs (pessoas com deficiência), trans e travestis, porque é a partir dessas diferenças que a gente consegue construir uma Universidade que, de fato, é plural, como a sociedade”, diz o jornalista.

Como se inscrever?

Os interessados devem, obrigatoriamente, preencher o formulário eletrônico, localizado na aba “Processos Seletivos stricto sensu”, no site da instituição. No final da inscrição, o sistema apresentará um campo para a anexação de um único arquivo em formato PDF com o Projeto de Pesquisa.

Para a inscrição, os candidatos que concorrerão na modalidade de reserva de vagas para Políticas de Ações Afirmativas devem apresentar, além da documentação pessoal, um termo de autodeclaração étnicoracial ou de identidade de gênero (a depender da categoria na qual irá concorrer).

No caso das pessoas trans, também é necessária uma declaração de reconhecimento. Para indígenas, é necessária uma declaração de pertencimento emitida pelo grupo ao qual a pessoa faz parte. O documento deve ser assinado por liderança étnica local devidamente legitimada. Já pessoas com deficiência devem apresentar um laudo médico que ateste a condição.

Mestrado: são 17 vagas disponíveis. 11 para ampla concorrência e 6 para cotistas (2 para pessoas autodeclaradas negras, pretas ou pardas; 2 para pessoas autodeclaradas indígenas; 1 para pessoas com deficiência; e 1 para pessoas autodeclaradas trans e travestis).

Doutorado: são 8 vagas. 4 para ampla concorrência e 4 para cotistas (1 para pessoas autodeclaradas negras, pretas ou pardas; 1 para pessoas autodeclaradas indígenas; 1 para pessoas com deficiência; e 1 para pessoas autodeclaradas trans e travestis).