Chacina da Grande Messejana: julgamento começa nesta terça, 20; veja como acompanhar ao vivo

Sessão ocorrerá às 9 horas no 1º Salão do Júri, no Fórum Clóvis Beviláqua, em Fortaleza

21:47 | Jun. 19, 2023

Por: Gabriela Almeida
Chacina de Curió: série de julgamentos tem inicio nesta terça, 20 (foto: MAURI MELO/O POVO)

Nesta terça-feira, 20, será iniciada a série de julgamentos de quatro policiais militares envolvidos na Chacina da Grande Messejana — massacre que ocorreu em novembro de 2015 no Ceará. Depois de mais de sete anos esperando por justiça, familiares e amigos das vítimas vão poder presenciar um novo desdobramento do caso. Sessão ocorrerá às 9 horas no 1º Salão do Júri, no Fórum Clóvis Beviláqua, em Fortaleza. 

De acordo com Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), "o primeiro julgamento será de quatro réus, do total de oito, que integram o processo 1, uma vez que já tiveram os recursos apreciados em instâncias superiores e transitado em julgado (não há mais como recorrer nesta fase)".

Além dos quatro réus, um acusado veio a óbito durante a tramitação e os outros três aguardam conclusão de recursos em tribunais superiores. Estão previstos para a sessão de amanhã 24 depoimentos, "sendo sete de vítimas sobreviventes, 13 de testemunhas, além do interrogatório dos quatro réus". 

Dois outros julgamentos vão acontecer ao longo deste ano. Pelo menos mais 16 acusados pelo crime devem, até o momento, ser julgados em sessões marcadas para acontecer em agosto e em setembro. 

Julgamento ganhou repercussão

O início da série de julgamentos ganhou repercussão entre agentes públicos locais e de fora do Estado. Nas redes sociais, o governador Elmano de Freitas (PT), escreveu nesta segunda-feira, 19, uma nota prestando solidariedade aos familiares e amigos da vítimas.

"O Governador do Estado do Ceará manifesta sua absoluta solidariedade com os familiares e amigos das vítimas dos homicídios ocorrido no dia 12 de novembro de 2015, quando 11 pessoas dos bairros do Curió, São Miguel, Lagoa Redonda e Messejana foram brutalmente assassinadas. Afinal, foi uma tragédia para toda a sociedade", escreveu gestor do Estado em publicação.

Jurema Werneck, diretora da Anistia Internacional Brasil, também fez uma publicação falando sobre a importância do momento. Em vídeo, ela informou que órgão vai estar "observando" a sessão para que os direitos humanos "sejam respeitados", que a segurança seja garantida e que as coisas funcionem da forma como devem", informando que espera que o júri possa dar uma mensagem ao "Brasil e ao mundo".

"(O julgamento) É um momento histórico. É uma oportunidade histórica do Ceará mandar um forte recado para todas e todos agentes do estado que cometem crimes, de que esses crimes não serão aceitos. E que todos serão julgados, condenados e responsabilizados", disse representante. 

"É bom ver o Ministério Público levando esse caso até o tribunal. É importante também ver o Governo do Estado liderando e é preciso que lidere, mudanças urgentes, para que massacres como o do Curió não se repitam", completou.

Saiba onde assistir

Mediante importância do momento, o TJCE preparou uma página eletrônica para atualizar com fotos e videos da sessão. Pela plataforma, será possível acompanhar as informações ao vivo dos julgamentos e ter acesso às etapas do júri ao vivo.

Para acompanhar, acesse: https://juri-curio.tjce.jus.br/informacoes/

Como se deu a Chacina da Grande Messejana

Crimes ocorridos dias antes da matança concorreram para que 11 pessoas fossem mortas na madrugada de 12 de novembro de 2015. 

25 de outubro de 2015 — Curió

Por volta das 22 horas, o adolescente Francisco de Assis Moura de Oliveira Filho, 16 anos, conhecido como Neném, é morto a tiros e uma outra pessoa é baleada. Conforme investigação, os autores do crime foram o soldado Marcílio Costa Andrade e o namorado de sua sobrinha, Giovanni Soares dos Santos.

O episódio teria ocorrido após uma discussão banal entre a vítima sobrevivente e uma familiar de Marcílio. Neném foi morto por equívoco, diz a investigação, já que o alvo seria o outro homem. Marcílio e Giovanni foram pronunciados pelo crime, mas recorreram da decisão e aguardam julgamento.

29 de outubro de 2015 — Curió

Após a morte de Neném, as famílias de Marcílio e Giovanni se mudam do bairro por medo de retaliação, já que Neném seria integrante da quadrilha que comandava o tráfico de drogas no bairro. O fato indignou vários PMs, que acreditavam que o soldado havia sido expulso por criminosos por causa de sua profissão. Na noite do 29, militares encapuzados ajudam na mudança da família de Marcílio

30 de outubro de 2015 — Curió

Durante a madrugada, o pai de Neném, Francisco de Assis Moura de Oliveira, é morto a tiros. A vítima era cadeirante. Até hoje, o crime não foi elucidado, mas moradores que ligaram para a Polícia pedindo socorro afirmaram que os assassinos eram PMs. Horas antes, uma outra ligação para Ciops relata que policiais à paisana e de balaclava estavam “aterrorizando” os moradores do bairro.

11 de novembro, por volta das 21h30min — Lagoa Redonda

O soldado Valterberg Chaves Serpa é morto a tiros em uma tentativa de assalto. Ele jogava futebol quando tentou impedir que três homens assaltassem a sua esposa. Até hoje, nenhum suspeito do latrocínio foi identificado e o inquérito que investiga o caso foi arquivado.

Após a morte de Serpa, policiais militares de folga combinaram, por meio das redes sociais, reunião em base do programa "Crack, é Possível Vencer" para auxiliar as buscas por suspeitos do crime.

11 de novembro, por volta das 23h30min — Lagoa Redonda

Na rua Raquel Florêncio, a primeira vítima da chacina. Um homem que havia fugido da clínica de recuperação em que era atendido é surpreendido por homens em carros particulares, que passam a efetuar disparos contra ele. A vítima, porém, foi socorrida e sobreviveu.

11 de novembro, por volta das 23h30min — Lagoa Redonda

Um jovem apontado por um informante da PM como alguém que sabe do paradeiro de dois traficantes da região é abordado por policiais do Serviço Reservado, que estavam encapuzados. Ele fica cerca de quatro horas sob poder dos policiais, "submetido a intenso sofrimento mental", conforme o Ministério Público.

O jovem chegou a ser colocado em um carro e obrigado a ligar para pessoas para que pudesse obter pistas de suspeitos de matar o soldado Serpa. Sem sucesso. Já quando os PMs levavam-no para casa, eles passaram pelo local onde uma das vítimas foi morta. "Tá vendo o que acontece com quem fica na rua fora de hora?", disse um dos militares.

12 de novembro, por volta das 0h26min — Lagoa Redonda

Homens encapuzados em sete veículos abordam cinco rapazes e uma moça que estavam em uma calçada da rua Lucimar de Oliveira. Eles ordenaram que as vítimas ficassem de joelhos, virados para a parede e, em seguida, atiraram contra eles. Quatro jovens foram mortos: Antônio Alisson Inácio Cardoso, Jardel Lima dos Santos, Pedro Alcântara Barroso do Nascimento Filho e Alef Souza Cavalcante. O quinto rapaz é baleado, mas sobrevive, enquanto a moça conseguiu fugir.

12 de novembro, por volta das 0h44min — Lagoa Redonda

O pai de uma das vítimas da chacina na rua Lucimar de Oliveira socorre os jovens na própria picape, acompanhado de um vizinho. Na tentativa de socorro, os homens se depararam com encapuzados. Temendo que eles tenham retornado para “terminar o que tinha começado”, o homem que acompanhava o pai de uma das vítimas pula da carroceria do veículo e corre em direção a uma churrascaria fechada.

Ele é perseguido e alcançado por oito homens encapuzados, que passam a espancá-lo e forçá-lo a identificar traficantes que atuavam no bairro. A vítima consegue fugir, mas é, novamente, alcançada, levando um tiro na perna. Ele sobreviveu.

12 de novembro, por volta da 1 hora — José de Alencar

Homens encapuzados passaram a invadir casas da rua Elza Leite de Albuquerque, no conjunto São Miguel, dizendo estarem atrás de um traficante. Em uma das residências, eles atiram na perna de um jovem, que sobrevive.

Em outro ponto da rua, os homens abordam dois jovens que estavam sentados numa calçada: Marcelo da Silva Mendes e Patrício João Pinho Leite. Eles são espancados e mortos a tiros. Um dos assassinos usava colete balístico com a inscrição Polícia Militar.

12 de novembro, por volta da 1h06min — Lagoa Redonda

Na avenida Professor José Arthur de Carvalho, Renayson Girão da Silva é retirado do ônibus onde estava ao lado da namorada por homens encapuzados, que o matam.

12 de novembro, por volta da 1h43min — José de Alencar

Na mesma rua onde Marcelo e Patrício foram mortos, homens encapuzados atiram e matam Valmir Ferreira da Conceição, que havia ido a um comércio comprar cigarros. Ele era tio de um homem apontado como traficante da região. O dono do estabelecimento, Francisco Elenildo Pereira Chagas, também foi morto.

Em uma casa em frente ao comércio, os criminosos invadem uma casa e matam Jandson Alexandre dos Santos, que estava deitado na companhia de uma criança de seis anos.

12 de novembro, por volta da 1h47min — Barroso

José Gilvan Pinto Barbosa e um amigo conversavam em uma esquina quando foram atingidos por disparos. Os autores do crime também estavam encapuzados e trafegavam em dois veículos. Ambos são socorridos, mas Gilvan morre dois dias depois.

22 de novembro, por volta das 21 horas — Curió

Mesmo após a chacina, PMs continuaram a buscar suspeitos de matar o soldado Serpa de forma clandestina. Um jovem de 22 anos, parente de Valmir, foi abordado por PMs quando estava em casa e conduzido às proximidades de uma horta. Os homens disseram para ele não reagir, caso contrário, iriam matá-lo. "A gente já matou um bocado aqui, um ou dois não faz diferença não”, teria dito um deles.

Na horta, o jovem passou a ser espancado para que dissesse o paradeiro de um traficante. Após a tortura, os PMs deram a ele uma pá e mandaram que ele cavasse a própria cova. A vítima, porém, não foi morta; um dos PMs atendeu uma ligação do traficante que procuravam em que este dizia que a população havia filmado os PMs e queimado um ônibus. Eles, então, desistiram do assassinato.
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Linha do Tempo — Processo

12 de abril de 2016 — CGD anuncia ter concluído o inquérito que investigava o caso com o indiciamento de 33 PMs por homicídio e 5 por prevaricação

14 de junho de 2016 — MPCE denuncia 45 PMs pela chacina. Os promotores incluem PMs que não haviam sido indiciados pela CGD, incluindo três que haviam sido indiciados por prevaricação. Também foi denunciado por homicídio o oficial que supervisionava o policiamento na Capital no dia do crime. Um outro oficial, pertencente ao Comando Tático Motorizado (Cotam), que também havia sido indiciado por prevaricação, não é denunciado

25 de agosto de 2016 — Colegiado de juízes aceita a denúncia do MPCE contra 44 PMs, recusando a acusação contra o oficial supervisor de policiamento. Eles também decretaram a prisão preventiva dos PMs

31 de agosto de 2016Os 44 PMs acusados são presos

7 de outubro de 2016 — A sargento Maria Bárbara Moreira, única mulher acusada pela chacina, tem a prisão preventiva substituída pela prisão domiciliar. A defesa dela argumentou que ela tinha uma filha de 8 anos, portadora de um problema congênito e que necessitava ser cuidada por ela.

18 de abril de 2017 — Justiça pronuncia (ou seja, decide que há elementos suficientes para que um réu seja submetido ao Júri Popular) oito PMs. Os PMs recorreram à segunda instância, assim como os demais pronunciados. Na ocasião, os réus também ganharam o direito de aguardar o julgamento em liberdade, ainda que seguissem afastados do policiamento nas ruas. A exceção é Marcílio Costa Andrade, que além da chacina, respondia também por outro assassinato

23 de maio de 2017 — Mais oito PMs são pronunciados, enquanto dez tiveram as acusações arquivadas por falta de provas. Todos foram soltos.

31 de maio de 2017 — Os 18 PMs restantes são pronunciados e igualmente liberados.

30 de outubro de 2019 — A 3ª Câmara Criminal do TJCE nega recurso dos PMs e mantém a decisão de levar 34 PMs a júri popular. Os réus recorreram a tribunais superiores

12 de junho de 2020 — O réu Daniel Campos Menezes é morto em uma tentativa de assalto no bairro José Walter.

6 de março de 2023Marcado o primeiro julgamento. Quatro PMs para os quais não cabia mais recurso à sentença de pronúncia têm julgamentos marcados. Nos dias seguintes, mais dois julgamentos, envolvendo três acusados, foram marcados, para os dias 30 de agosto e 14 de setembro. Os casos dos demais réus aguarda decisão de STJ e STF.