Outra Casa Coletiva completa três anos de acolhimento à comunidade LGBTQIAP+ em Fortaleza

Ação já ajudou cerca de 500 pessoas e, atualmente, realiza diálogo com o Governo do Estado para a ampliação dos serviços e realização de novos projetos

Oferecendo moradia temporária e outros serviços essenciais para as pessoas LGBTQIAP+ em situação de vulnerabilidade e violência, a Outra Casa Coletiva completa três anos promovendo a criação de uma rede de apoio para a comunidade em Fortaleza. Em entrevista ao O POVO, o fundador da ação, jornalista e militante Ari Areia e a co-fundadora Renata Gois analisaram o período de atuação e projetaram ações futuras.

Criado em 2020, em um contexto de início de pandemia de Covid-19, o projeto surgiu para dar suporte à população LGBTQIAP+, uma das minorias mais afetadas pela crise sanitária.

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Segundo os idealizadores do projeto, além do crescente desemprego ocasionado pela pandemia, parte das pessoas que ainda morava com a família passou a conviver integralmente com os entes em um ambiente homofóbico.

“A casa era só um pouso. A pessoa passava o dia no mundo, seja trabalhando ou fazendo qualquer coisa, e ia para casa dormir. Então, uma família homofóbica era ‘suportável’ , porque você não convivia. Porém, o isolamento social obrigou a convivência 24 horas por dia. E aí, essas pessoas passaram a ser vítimas de violência psicológica e, em alguns casos, violência física”, contextualizou Ari.

Apesar do projeto ter surgido em um contexto de crise, Ari Areia destaca que a LGBTfobia letal é algo anterior à pandemia, explicando a continuidade do projeto. Segundo o ativista, o conceito se refere a ações que culminam e desencadeiam na morte da pessoa LGBTQIAP+.

“A casa surge como uma estratégia de emergência naquele momento [de crise sanitária], mas a gente entendeu que ela precisava continuar. Por isso, a gente resolveu formalizar. Essa LGBTfobia letal não começa quando uma pessoa atira em uma travesti, por exemplo. Na verdade, começa com o abandono, quando a família desprotege aquele ente, expulsa de casa ou quando torna insustentável a permanência daquela pessoa ali”, pontuou.

Inicialmente, a Outra Casa Coletiva tinha residência no bairro Jangurussu, mas, após seis meses, o projeto precisou ser realocado por questões territoriais sensíveis. Atualmente, a república está localizada no bairro Benfica e acolhe seis pessoas na casa, que se mantém a partir de doações.

O espaço tem capacidade para cerca de dez moradores, porém, Ari explica que, por questões de logística e manutenção, a casa acolhe seis pessoas e conta com vagas livres em situações emergenciais. Os residentes ficam no local pelo período de três a seis meses, tempo reservado para que possam se estabelecer e que pode ser estendido, dependendo do caso.

“É realizada uma triagem de emergência e uma vaga poderá ser concedida. Três meses é um período que a gente acha OK para essa estruturação inicial. Se a gente ver que a pessoa está tentando, está fazendo direitinho a terapia, está indo para o núcleo de empregabilidade, a gente vai esticar esse processo. Geralmente para pessoas trans e pessoas negras há uma dificuldade que é duplicada”, afirmaram.

Na primeira semana, são iniciadas as sessões de terapia, além do processo de assistência social, de  verificação das vacinas e da necessidade do uso de alguma medicação. Também é feita a análise de documentos, principalmente em casos da necessidade de retificação. Após o processo, são realizados os encaminhamentos para a rede de saúde e ações de empregabilidade.

Durante os três anos de atuação, a Casa já ofereceu assistência para cerca de 500 pessoas, incluindo de outros estados, como Manaus, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte e São Paulo. Na grande maioria das vezes, os acolhidos saem da residência com uma maior perspectiva para o futuro.

“São pessoas que saem daqui com a carteira assinada ou indo para a própria casa, que entraram na universidade ou passaram em concurso público. Para a gente, isso é o mais simbólico. Poder encontrar algumas pessoas vivas, principalmente as pessoas trans, que chegam aqui com situações de vida beirando o limite”, analisou Renata.

Caio Xavier, homem trans de 23 anos, foi um dos acolhidos pelo projeto e morou na casa por cinco meses. Na época, ele não podia morar com os pais e chegou a residir com outros familiares, porém, por conta da transfobia, buscou o apoio da Outra Casa Coletiva pelas redes sociais.

“Eu sofria muita transfobia e sou ex-detento e, na época, estava tudo muito difícil, principalmente dentro de casa. Eu ingressei na casa em 2020 e, atualmente, trabalho na Defensoria Pública de Fortaleza, que foi o RH da Outra Casa Coletiva que conseguiu para mim. Sou muito grato, porque a Outra Casa é uma família, veio para mim em um momento desesperador e me trouxe a vida novamente”, contou.

O acolhimento interno é apenas uma das esferas do projeto, que também oferece serviços gratuitos de psicologia, assessoria jurídica e suporte à inclusão laboral. Em uma das parcerias realizadas com a Secretaria de Juventude, uma ação de cursos de barbearia e cabeleireira foram promovidos para o público.

O projeto já realiza parcerias com a Secretaria da Saúde para a realização de exames e aconselhamento sobre o uso de preservativos, as profilaxias e testagens.

A ação também tem parceria com o curso de Farmácia da Universidade Federal do Ceará e com a Faculdade de Medicina da Universidade de Fortaleza (Unifor) para a realização de exames de clínica geral, exames laboratoriais e hemogramas.

Recentemente, o projeto passou pelo processo de formalização e, para os fundadores, o passo é uma enorme conquista para a instituição.

“A gente queria que a casa tivesse realmente essa essa característica institucional, que tivesse uma vida jurídica. Além de um corpo de voluntários, a casa tem um estatuto, uma conta bancária e um conselho fiscal que acompanha a execução de tudo isso”, explicou Ari.

Mais do que um espaço físico, a premissa da Outra Casa Coletiva é oferecer para toda a comunidade um espaço de acolhimento e, principalmente, cultura, eixo em que o projeto busca promover ações futuras.

A instituição também está dialogando com o Legislativo Estadual pela aprovação de um edital de manutenção para as organizações da sociedade civil que fazem o processo de acolhimento de LGBTs no estado. Os recursos seriam voltados para a garantia do funcionamento das casas de acolhimento.

“A deputada Larissa Gaspar apresentou um projeto de mensagem, que está com o Governo do Estado, e a gente vai fazer algumas reuniões. A gente está pensando em fortalecer uma rede de casas que precisam de suporte, pois, hoje, as coisas estão respiráveis para gente, mas eu não sei se no mês que vem vai estar, porque a gente não tem uma folha de doações”, explicou o fundador.

Os recursos obtidos a partir das doações são destinados para os custos da casa, como aluguel, contas fixas, alimentação, materiais de limpeza e de higiene pessoal. As doações podem ser feitas pelo link.

Na última segunda-feira, 5, a Assembleia Legislativa realizou uma sessão solene em homenagem aos três anos da Outra Casa Coletiva.

“Durante esses três anos, a missão foi se organizar para que a casa tivesse solidez e seriedade. Construir uma base para poder acessar outros espaços. A gente tem o respeito e a consideração do Ministério Público do Trabalho, da Defensoria Pública, por exemplo. Então, são instituições que são muito caras e o abraço dessas instituições respeitosas é um sinal de que a gente está fazendo tudo conforme o que tem que ser”, finalizaram.

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