Marcha da Maconha de Fortaleza celebra 15 anos de 'cultura canábica'

Agenda foi aberta pelo seminário "Ativismo, movimento social e cannabis como construção da cidadania", realizado no Auditório do Dragão do Mar, no sábado, 27

A Marcha da Maconha de Fortaleza comemorou 15 anos de luta por legalização neste domingo, 28. O Sol da Capital adiantou o início da caminhada, que estava prevista para 16h20min e saiu por volta de 15h50min. A agenda do ato foi aberta pelo seminário “Ativismo, movimento social e cannabis como construção da cidadania”, realizado no Auditório do Dragão do Mar, no sábado, 27.

O trajeto, alterado para facilitar a marcha de pessoas com dificuldade de locomoção e com deficiência, começou na Estátua de Iracema e ocupou a calçada e a ciclofaixa. Ciclistas usaram suas bicicletas para formar uma “parede” na lateral da multidão e possibilitar a passagem de veículos.

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Em frente ao Ministério Público do Trabalho no Ceará (MPT-CE), na altura da avenida Almirante Barroso, o grupo dobrou à esquerda. Ao chegar na Praça Verde do Dragão do Mar, onde a programação seguiria até 22 horas, os presentes foram revistados para acessar a área de atividades.

O POVO apurou que o local estava cercado por grades, a lotação estava controlada e não era possível identificar grandes grupos aglomerados. A reportagem solicitou à Polícia Militar do Ceará (PMCE) uma estimativa de pessoas presentes e aguarda resposta.

No ambiente, um palco com vasos de maconha encarava pessoas sentadas, deitadas ou em movimento; quem queria manter distância acessou a área superior do Dragão do Mar para ficar assistindo. Comerciantes de tabacaria, roupas e acessórios se organizaram no local; na área externa, trabalhadores ambulantes vendiam bebidas alcoólicas e outros itens.

Lígia Duarte, 29, integrante da organização deste ano, explicou que cultura canábica banha o evento. Ela “consegue delimitar uma série de trejeitos, falas, modos de se comportar — até mesmo no ato de fumar em grupo”.

A Marcha representou esta cultura canábica antes e depois da caminhada. A construção de uma programação cultural na Capital foi impulsionada pelo aniversário de 15 anos. 

Em 11 de maio, a organização realizou um “Cine Canábico” na biblioteca comunitária Livro Livre Curió com mães de pacientes da cannabis. O evento integrou o Maio Verde, apoiado pela Marcha. “Uma mãe que estava lá disse: ‘Se eu precisar traficar o remédio para meu filho, pode me chamar de traficante’. E todas as mães se identificaram com isso”, relatou Lígia.

Marcha da Maconha em Fortaleza: inclusão da periferia

Segundo Lígia, a Marcha da Maconha começou em 2006, com a Passeata Verde. O primeiro evento oficial ocorreu em 2008, 15 anos atrás.

Em Fortaleza, disse ela, “se propõe ser um movimento legítimo”, informando a realização aos órgãos competentes e evitando caminhos ilegais. O movimento foi eventualmente reestruturado para pensar fora do eixo central da Cidade e incluir as necessidades da periferia no debate.

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"Quem usa maconha e mora em uma cobertura do Meireles é tratado como usuário; quando tem problema de abuso, é no máximo dependente. E a gente vai ser sempre tratado como drogado. Somos cidadãos e trabalhadores e queremos nossos trejeitos, acordos, culturas, nosso lifestyle garatindo, respeitado. E o fato de a gente fumar não atrapalha em atuação profissional, nem na vida de ninguém. Não traz perigo a ninguém"

Lígia Duarte

Para este domingo, a fortalezense contou que a organização esperava 10 a 12 mil pessoas no início do trajeto. A lotação superou suas expectativas, disse ela enquanto mostrava à reportagem fotos que tirou da multidão em cima do carro de som: “Eu estava em cima o tempo todo e eu não vi um fim [da multidão]. Foi assustador em determinado momento, mas foi lindo”.

Para a profissional de Marketing, o julgamento no STF será adiado até outubro deste ano, quando sai do STF a presidente Rosa Weber, que adicionou o tema à pauta. Grávida, espera que a maconha já esteja legalizada quando sua filha atingir 18 anos: “Pelo amor de Deus, meus filhos vão brigar com o mundo por outras coisas, por isso não”.

Marcha da Maconha em Fortaleza: atuação estadual e municipal

A Assembleia Legislativa do Ceará pautará o tema da cannabis medicinal no próximo dia 26 de junho. Lígia explicou que o foco da Marcha da Maconha é a judicialização estadual e municipal, por isso a militância apresentará os resultados positivos da prática medicinal durante a sessão.

Para o anestesista e pesquisador da cannabis medicinal, David Câmara, o governo estadual precisa “entender que a regulamentação precisa englobar toda a sociedade, não só quem tem dinheiro para comprar na farmácia ou importar. Quem precisa está no SUS”.

O julgamento sobre descriminalização no STF, marcado para 1º de junho, discute a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I - advertência sobre os efeitos das drogas;

II - prestação de serviços à comunidade;

III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
(n.º 11.343, de 23 de agosto de 2006). É essencial para o debate sobre drogas, disse o especialista em tratamento de dor, mas deve acontecer uma “liberação ordenada e regulamentada”.

O médico é a favor do uso responsável e aponta que medicamentos cannábicos poderiam substituir analgésicos, anti-inflamatórios e tarjas pretas, muito usados no País. “O perigo realmente está na ilegalidade da situação. É a pessoa precisar ir na boca de fumo comprar”, disse.

Para o advogado Italo Coelho, o julgamento no STF não deve focar a discussão apenas na maconha, como foi sugerido pelos ministros Luís Roberto Barroso e Edson Fachin, “porque libera o usuário de maconha e estigmatiza o resto”. Segundo ele, é preciso discutir uma regulamentação bem estruturada, “ou a gente vai ficar fazendo gambiarra pelo Judiciário e não vai resolver nada”.

Italo não descarta a importância da descriminalização do porte. “Eu sou obeso, se eu comer três sanduíches de uma vez, a Polícia não deveria me criminalizar. O usuário não é preso, mas é constrangido a uma delegacia, enquanto tem gente bebendo cerveja no bar da rua ao lado”, pontuou ele, que é diretor da Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas (Reforma).

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"O que a gente está discutindo no Judiciário hoje, nós estamos discutindo nas ruas há muito tempo. A Marcha da Maconha é responsável por estarmos aqui hoje podendo falar sem ser preso. Por isso é importante a luta política."

Italo Coelho

A assistente social Cíntia Studart, 45, compareceu à Marcha neste ano pela sexta vez. Professora do Curso de Serviço Social do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE), ela estudou a relação entre a maconha e a sociedade em seu doutorado.

A pesquisadora apoia a legalização e regulamentação de “todo o circuito de plantio, produção, comercialização e consumo”. “É uma mercadoria de ampla circulação que tem causado prejuízos. O governo gasta muito para combater algo que não tem como ser combatido”, explicou.

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A servidora pública Francisca Leite, presente na Marcha neste domingo em apoio à legalização, contou que uma pomada com canabidiol (CBD) teria a ajudado com uma dor no joelho. O medicamento foi comprado no Uruguai, após médicos terem diagnosticado a necessidade de cirurgia no joelho.

Uma arquiteta urbanista que preferiu não se identificar relatou à reportagem ter vivenciado muita ansiedade com a pandemia de Covid-19, o que a levou a remédios para dormir. Ela começou a usar o canabidiol na mesma época em que compareceu à Marcha pela primeira vez, no ano passado.

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“Depois de dois meses de uso, o canabidiol me deu tranquilidade. Faz dois meses que eu não tomo e estou super tranquila. Quer dizer, o canabidiol me trouxe uma tranquilidade de vida que antes eu não tinha”, disse a fortalezense. O uso de remédios para dormir também parou.

Os efeitos da maconha chegam, inclusive, à seara da dependência química, o que, para David Câmara, é um “paradoxo interessante”. “Alguns pacientes me procuram querendo reduzir o nível de fumo, e prescrevo o óleo de cannabis para ajudar nisso”, disse. O CBD reduz impulsividade, facilita o controle mental e atenua a ansiedade: “Pode ser uma porta de saída para um vício”.

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“Quem já usa vai continuar fumando sua maconha. É melhor que a pessoa tenha acesso a um produto sem químicos e substâncias estranhas e fornecido por vias saudáveis”, apontou. Além disso, o profissional afirmou que a possibilidade de dependência da maconha é muito baixa.

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