Marcha da Maconha de Fortaleza celebra 15 anos de 'cultura canábica'
Agenda foi aberta pelo seminário "Ativismo, movimento social e cannabis como construção da cidadania", realizado no Auditório do Dragão do Mar, no sábado, 27
22:49 | Mai. 28, 2023
A Marcha da Maconha de Fortaleza comemorou 15 anos de luta por legalização neste domingo, 28. O Sol da Capital adiantou o início da caminhada, que estava prevista para 16h20min e saiu por volta de 15h50min. A agenda do ato foi aberta pelo seminário “Ativismo, movimento social e cannabis como construção da cidadania”, realizado no Auditório do Dragão do Mar, no sábado, 27.
O trajeto, alterado para facilitar a marcha de pessoas com dificuldade de locomoção e com deficiência, começou na Estátua de Iracema e ocupou a calçada e a ciclofaixa. Ciclistas usaram suas bicicletas para formar uma “parede” na lateral da multidão e possibilitar a passagem de veículos.
Em frente ao Ministério Público do Trabalho no Ceará (MPT-CE), na altura da avenida Almirante Barroso, o grupo dobrou à esquerda. Ao chegar na Praça Verde do Dragão do Mar, onde a programação seguiria até 22 horas, os presentes foram revistados para acessar a área de atividades.
O POVO apurou que o local estava cercado por grades, a lotação estava controlada e não era possível identificar grandes grupos aglomerados. A reportagem solicitou à Polícia Militar do Ceará (PMCE) uma estimativa de pessoas presentes e aguarda resposta.
No ambiente, um palco com vasos de maconha encarava pessoas sentadas, deitadas ou em movimento; quem queria manter distância acessou a área superior do Dragão do Mar para ficar assistindo. Comerciantes de tabacaria, roupas e acessórios se organizaram no local; na área externa, trabalhadores ambulantes vendiam bebidas alcoólicas e outros itens.
Lígia Duarte, 29, integrante da organização deste ano, explicou que cultura canábica banha o evento. Ela “consegue delimitar uma série de trejeitos, falas, modos de se comportar — até mesmo no ato de fumar em grupo”.
A Marcha representou esta cultura canábica antes e depois da caminhada. A construção de uma programação cultural na Capital foi impulsionada pelo aniversário de 15 anos.
Em 11 de maio, a organização realizou um “Cine Canábico” na biblioteca comunitária Livro Livre Curió com mães de pacientes da cannabis. O evento integrou o Maio Verde, apoiado pela Marcha. “Uma mãe que estava lá disse: ‘Se eu precisar traficar o remédio para meu filho, pode me chamar de traficante’. E todas as mães se identificaram com isso”, relatou Lígia.
Marcha da Maconha em Fortaleza: inclusão da periferia
Segundo Lígia, a Marcha da Maconha começou em 2006, com a Passeata Verde. O primeiro evento oficial ocorreu em 2008, 15 anos atrás.
Em Fortaleza, disse ela, “se propõe ser um movimento legítimo”, informando a realização aos órgãos competentes e evitando caminhos ilegais. O movimento foi eventualmente reestruturado para pensar fora do eixo central da Cidade e incluir as necessidades da periferia no debate.
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Para este domingo, a fortalezense contou que a organização esperava 10 a 12 mil pessoas no início do trajeto. A lotação superou suas expectativas, disse ela enquanto mostrava à reportagem fotos que tirou da multidão em cima do carro de som: “Eu estava em cima o tempo todo e eu não vi um fim [da multidão]. Foi assustador em determinado momento, mas foi lindo”.
Para a profissional de Marketing, o julgamento no STF será adiado até outubro deste ano, quando sai do STF a presidente Rosa Weber, que adicionou o tema à pauta. Grávida, espera que a maconha já esteja legalizada quando sua filha atingir 18 anos: “Pelo amor de Deus, meus filhos vão brigar com o mundo por outras coisas, por isso não”.
Marcha da Maconha em Fortaleza: atuação estadual e municipal
A Assembleia Legislativa do Ceará pautará o tema da cannabis medicinal no próximo dia 26 de junho. Lígia explicou que o foco da Marcha da Maconha é a judicialização estadual e municipal, por isso a militância apresentará os resultados positivos da prática medicinal durante a sessão.
Para o anestesista e pesquisador da cannabis medicinal, David Câmara, o governo estadual precisa “entender que a regulamentação precisa englobar toda a sociedade, não só quem tem dinheiro para comprar na farmácia ou importar. Quem precisa está no SUS”.
O julgamento sobre descriminalização no STF, marcado para 1º de junho, discute a constitucionalidade do(n.º 11.343, de 23 de agosto de 2006). É essencial para o debate sobre drogas, disse o especialista em tratamento de dor, mas deve acontecer uma “liberação ordenada e regulamentada”.
O médico é a favor do uso responsável e aponta que medicamentos cannábicos poderiam substituir analgésicos, anti-inflamatórios e tarjas pretas, muito usados no País. “O perigo realmente está na ilegalidade da situação. É a pessoa precisar ir na boca de fumo comprar”, disse.
Para o advogado Italo Coelho, o julgamento no STF não deve focar a discussão apenas na maconha, como foi sugerido pelos ministros Luís Roberto Barroso e Edson Fachin, “porque libera o usuário de maconha e estigmatiza o resto”. Segundo ele, é preciso discutir uma regulamentação bem estruturada, “ou a gente vai ficar fazendo gambiarra pelo Judiciário e não vai resolver nada”.
Italo não descarta a importância da descriminalização do porte. “Eu sou obeso, se eu comer três sanduíches de uma vez, a Polícia não deveria me criminalizar. O usuário não é preso, mas é constrangido a uma delegacia, enquanto tem gente bebendo cerveja no bar da rua ao lado”, pontuou ele, que é diretor da Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas (Reforma).
A assistente social Cíntia Studart, 45, compareceu à Marcha neste ano pela sexta vez. Professora do Curso de Serviço Social do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE), ela estudou a relação entre a maconha e a sociedade em seu doutorado.
A pesquisadora apoia a legalização e regulamentação de “todo o circuito de plantio, produção, comercialização e consumo”. “É uma mercadoria de ampla circulação que tem causado prejuízos. O governo gasta muito para combater algo que não tem como ser combatido”, explicou.
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A servidora pública Francisca Leite, presente na Marcha neste domingo em apoio à legalização, contou que uma pomada com canabidiol (CBD) teria a ajudado com uma dor no joelho. O medicamento foi comprado no Uruguai, após médicos terem diagnosticado a necessidade de cirurgia no joelho.
Uma arquiteta urbanista que preferiu não se identificar relatou à reportagem ter vivenciado muita ansiedade com a pandemia de Covid-19, o que a levou a remédios para dormir. Ela começou a usar o canabidiol na mesma época em que compareceu à Marcha pela primeira vez, no ano passado.
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“Depois de dois meses de uso, o canabidiol me deu tranquilidade. Faz dois meses que eu não tomo e estou super tranquila. Quer dizer, o canabidiol me trouxe uma tranquilidade de vida que antes eu não tinha”, disse a fortalezense. O uso de remédios para dormir também parou.
Os efeitos da maconha chegam, inclusive, à seara da dependência química, o que, para David Câmara, é um “paradoxo interessante”. “Alguns pacientes me procuram querendo reduzir o nível de fumo, e prescrevo o óleo de cannabis para ajudar nisso”, disse. O CBD reduz impulsividade, facilita o controle mental e atenua a ansiedade: “Pode ser uma porta de saída para um vício”.
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“Quem já usa vai continuar fumando sua maconha. É melhor que a pessoa tenha acesso a um produto sem químicos e substâncias estranhas e fornecido por vias saudáveis”, apontou. Além disso, o profissional afirmou que a possibilidade de dependência da maconha é muito baixa.