Famílias nas ruas de Fortaleza pedem presentes de Natal e esperança

Tradição de doar presentes e comida no Natal se mantém viva. O POVO acompanhou duas famílias carentes após as celebrações natalinas. Crianças esperavam ganhar na rua os presentes que não teriam em casa

16:40 | Dez. 25, 2022

Por: O Povo
Crianças pedem presentes de Natal em alguns cruzamentos de Fortaleza (foto: Flávia Oliveira)

Em todos os anos, o rito é o mesmo: muitas crianças acompanhadas das mães vão para as ruas na esperança de ganhar presentes. Os locais escolhidos também costumam ser os mesmos: esquinas movimentadas das avenidas Santos Dumont, Barão de Studart, Virgílio Távora ou Antônio Sales, todas situadas na chamada área nobre de Fortaleza. É assim no Dia das Crianças, assim como na véspera e no dia no qual o Natal é comemorado.

O POVO esteve no estacionamento vazio de um supermercado na esquina das avenidas Virgílio Távora com Antônio Sales e acompanhou a manhã pós-ceia de Natal daqueles que resolveram sair de casa para tentar ganhar um brinquedo ou um alimento, assim como de quem tinha condições de realizar esses desejos.

O objetivo era saber qual as pequenas - ou grandes - esperanças de cada brasileiro em relação ao ano que está se aproximando e quais os presentes materiais ou simbólicos que eles gostariam de receber.

“Uma cesta básica”, disse sem titubear Elaine, 27 anos. Vinda do Pecém (distante 58 km de Fortaleza), a diarista está desempregada e sobrevive de bicos. O marido foi demitido após apresentar um problema de saúde e trabalha como pescador para sustentar a família de cinco pessoas. No cruzamento, as crianças maiores eram dela: uma menina de 10 anos e um menino de 12 corriam para lá e para cá atrás de qualquer motorista que buzinasse chamando a atenção.

Felizes com os biscoitos recheados e os refrigerantes presenteados na rua, eles queriam boneca e bola de futebol. Elaine refez o pedido e revelou qual a sua grande esperança para 2023: que ela e o marido tivessem um emprego fixo.

“As crianças insistem para vir para cá porque aqui elas têm a chance de ganhar o que a gente não pode dar em casa”, resumiu a dona de casa Darling, de 30 anos, também vinda do Pecém. “A gente mal tem condição de comprar um pacote de bolacha, imagina um de biscoito recheado”, disse, enquanto segurava no colo a filha de 5 anos.

O marido de Darling é pescador mas tenta se aposentar porque perdeu a visão de um olho e está ficando cego do outro.

“Qual a minha esperança? Só se fosse algo impossível. Que eu pudesse dar um olho meu para ele, e assim cada um teria um olho bom para continuar a vida”, disse, sem se dar conta que milagre por milagre, poderia pedir que o marido ficasse restaurado dos dois olhos por si só.

Uma mulher parou o carro e tirou do porta-malas um grande saco cheio de bonecas, livros e brinquedos que eram da filha dela. Não quis dar entrevistas porque estava no caminho da igreja e iria se atrasar mais.

Um contador aposentado desceu e foi até as mães das crianças levando escovas de dente e creme dental. Não quis ser identificado porque quis que a doação ficasse anônima. A princípio, disse não ter esperança alguma para o ano que vem, pois o candidato em quem votou não ganhou as eleições presidenciais, mas depois cedeu e disse que espera um país com mais oportunidades para todos.

A designer Dayane Souza, 31, e a psicóloga Isabelly Uchoa, 29, pararam para distribuir água e comida e logo foram cercadas pelas crianças. Moradoras do bairro Presidente Kennedy, elas aproveitaram o percurso até Cascavel para fazer doações.

“O intuito é compartilhar um pouco do que conseguimos ao longo do ano. Agradecer e retribuir”, afirmou Dayane. Ela diz que viu vários sorrisos no caminho, ainda que seja só por uma garrafinha de água. “O que eu desejo? Prosperidade”, concluiu.