Idosa mantém tradição de montar lapinha de Natal há 75 anos em Fortaleza

Moradora do bairro Mucuripe, Dona Mundinha arma lapinha natalina desde 1947

Natal é a época do ano mais esperada pela aposentada Raimunda da Costa Santos, moradora do bairro Mucuripe, em Fortaleza. É nesse período que a varanda da casa dela ganha cor, brilho e movimento com a montagem da lapinha natalina, tradição familiar que completa 75 anos em 2022.

Com a ajuda dos nove filhos, Dona Mundinha, como é mais conhecida, inicia os preparativos do presépio em outubro para que tudo esteja pronto até a primeira semana de dezembro. O ritual é o mesmo desde 1947. Aos 98 anos –bem vividos, como ela faz questão de ressaltar–, a aposentada acompanha o processo do começo ao fim.

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“Eu faço a montagem todos os anos, mas esse ano eu estava meio adoentada e meu filho disse: ‘mãe, não se preocupe’. Ele fez essa lapinha todinha, mas eu passava o dia todo olhando para ver se ele estava colocando as coisas no lugar certo”, contou dona Mundinha.

Neste ano, pela primeira vez desde o início da pandemia, ela voltou a abrir as portas de sua residência para visitantes interessados em conhecer os detalhes sobre a representação miniaturizada do nascimento de Jesus. “É a maior felicidade, para mim, receber as pessoas aqui. Gosto de conversar com todo mundo”, diz a anfitriã.

Em 2020 e 2021, as visitas foram suspensas devido ao risco de contaminação pela Covid-19. A decisão foi tomada pelos próprios filhos da aposentada a fim de evitar exposição dela à doença. Com a recente queda nas taxas de contaminação, a família resolveu flexibilizar a restrição neste ano.

“Ela pediu muito que a gente retomasse essas visitas, e as próprias pessoas da comunidade também pediram. Estamos abrindo só no período da manhã, por enquanto”, explicou Lucinda da Costa, uma das filhas da idosa, acrescentando que não há necessidade de agendamento. “Basta chegar e se apresentar, que nós recebemos com a maior satisfação”.

Apesar da tradição duradoura, a lapinha de Dona Mundinha se renova a cada ano. “Sempre tem um bonequinho, uma luz, ou alguma coisa nova pra gente colocar”, destacou ela. No cenário deste ano, o colorido foi realçado com mini-lâmpadas LED. A pintura das casinhas também foi renovada e novos brinquedos em miniatura foram instalados na estrutura.

Por outro lado, há peças preservadas desde a primeira lapinha, como as pedras da gruta, retiradas da orla do Mucuripe há 75 anos. A representação também conta com brinquedos que foram usados pelos filhos da aposentada na infância. “Tem um bonequinho que era do meu irmão mais velho, de 76 anos”, frisou Lucinda.

A tradição familiar que já dura sete décadas e meia nasceu como um sonho de criança. “Quando eu tinha uns cinco anos, lembro que ia visitar todo dia a lapinha de uma mulher que morava lá perto de casa. Tinha muita curiosidade, perguntava a ela o que significava cada coisa. Ali, eu ficava pensando: ‘quando eu crescer e me casar, eu faço uma lapinha na minha casa”, relembrou Dona Mundinha.

O casamento veio em 1946. No ano seguinte, após o nascimento do primeiro filho do casal, o desejo finalmente virou realidade. Com a ajuda do marido, Dona Mundinha montou a primeira lapinha em aproximadamente 40 dias. “Pense numa alegria quando tudo ficou pronto”, recordou.

Após anos repetindo o ritual, a aposentada acredita que as próximas gerações da família darão continuidade à tradição cristã. “Eu tenho certeza que meus filhos vão manter essa tradição, porque eles gostam também e já aprenderam como fazer a montagem. Todos têm gosto de fazer isso. Pra mim, ave maria, é uma felicidade muito grande”.

Cada um dos filhos desempenhou papel diferente na montagem da estrutura. Tobias e Cláudio foram os responsáveis pelas instalações elétricas e hidráulicas, enquanto Lucinda, Laísa e Antonieta cuidam da decoração, sob o olhar sempre atento e criterioso da mãe.

“É muito trabalhoso. Eu até dizia ‘mãe, pelo amor de Deus, é muito trabalho pra fazer isso’. Ela falava: ‘eu não quero nem saber, eu quero que vocês façam e eu vou ficar aqui olhando’”, brincou Antonieta.

Além dos nove filhos, Dona Mundinha tem 18 netos e 6 bisnetos. No natal, a lapinha vira cenário perfeito para a confraternização da família. “Eu sou feliz, adoro viver e celebrar esses momentos com eles. Graças a Deus, não tenho do que reclamar”, afirma a matriarca, que em abril de 2023 completará 99 anos de vida.

Misturando estímulos sonoros e visuais, a lapinha de Dona Mundinha proporciona experiência sensorial única aos visitantes. Há muita cor e movimento nas miniaturas instaladas. O cenário conta, por exemplo, com o emblemático castelo de Herodes, a manjedoura, casa de farinha, oficina de ferreiros, além de miniaturas de animais e bonecos que se movimentam sem parar graças às invenções artesanais desenvolvidas por um dos filhos da aposentada.

A representação ainda tem uma mini-chaminé que libera fumaça líquida, velas e fogueiras artificiais e até nascentes de água com sinais sonoros que lembram cachoeiras em regiões de serra.

Seguindo o ritual da Igreja Católica, o cenário será desmontado em 6 de janeiro, no Dia de De Reis. Foi nessa data, segundo a tradição cristã, que o Menino Jesus, ainda recém-nascido, recebeu a visita dos Reis Magos. O momento marca o encerramento do ciclo natalino.

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