Cozinha solidária é iniciativa de enfrentamento à fome na periferia de Fortaleza

Além de alimentar a população no conjunto Maria Tomásia, o equipamento serve de estrutura para promover oficinas, cursos, jogos, cultura, mobilização social e debates relacionados à saúde dos moradores

14:58 | Dez. 08, 2022

Por: Levi Aguiar
Sede da Cozinha Solidária do MTST no Conjunto Maria Tomásia, no Grande Jangurussu (foto: THAÍS MESQUITA)

Cerca de 100 pessoas frequentam o projeto Cozinha Solidária, no conjunto Maria Tomásia, na região do Grande Jangurussu, em busca de uma refeição diária. O equipamento atua na distribuição de marmitas para alimentar famílias em situação de vulnerabilidade social e nutricional, mas não somente. O espaço serve também de estrutura para promover oficinas, cursos, jogos, cultura, mobilização social e debates relacionados à saúde (física e emocional).

O equipamento é uma iniciativa do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), inaugurado em 2 de abril deste ano, com o propósito de ajudar a combater a fome em um período de pandemia, que tirou mais de 690 mil vidas no Brasil.

A nossa essência é a mobilização social. A gente chega em pessoas em situações precárias e desenvolve uma conexão com elas”, diz Sérgio Farias, 50, militante do MTST e líder do projeto Cozinha Solidária.

O contato entre os moradores e a Cozinha revela o diagnóstico das demandas da população, começando com a insegurança alimentar, falta de transporte coletivo, trabalho, saneamento básico, adoecimento físico e abandono de idosos.

“A gente passou a conhecer as necessidades das pessoas. Nós sabemos inclusive quem não têm acesso a nenhuma política pública, principalmente pelo fato de não terem nenhuma documentação.”

Quem se beneficia das ações promovidas na Cozinha Solidária é a família da Melissa Maria, 29. Ela, a irmã e as filhas frequentam  o equipamento.

“A cozinha ajuda muito, às vezes não é só não ter dinheiro para comprar comida, mas em alguns momento, não sobra tempo para cozinhar por causa da rotina de cuidado com as crianças e com as outras obrigações do dia a dia.”

Ressaltando o espaço como um local de lazer para a comunidade, Melissa diz: “A minha filha Joelma, de 7 anos, adora estar aqui. Ela vem para brincar de xadrez. Os pedidos são constantes: ‘Mãe, eu vou brincar só um pouquinho lá’. É maravilhoso ter isso. Há muitos lugares sem um equipamento como esse, e nós temos".

"Aqui, eu consigo esquecer até os problemas da vida, venho e converso com outros moradores locais”, conclui Melissa.

Cozinha solidária: você tem fome de quê?

Em 1987, a banda Titãs já cantava os seguintes versos: “A gente não quer só comida/ A gente quer comida, diversão e arte”. É com esse pensamento que Sérgio Farias busca ampliar o número de voluntários atuando na Cozinha, juntando não só o enfrentamento à fome, mas arte, cultura, lazer e educação.

“Nós pensamos coisas que estão para além da comida. A gente está falando de vida e emancipação. Se você não dá uma perspectiva de sonho para essa galera só vai dar revolta. A gente quer mobilizar para ações coletivas. A gente quer promover encantamento nas pessoas.”

Além da distribuição de comida, os voluntários da Cozinha Solidária ambicionam efetivar o espaço como um equipamento comunitário, aberto para aniversários, para assistir aos jogos da Copa, para trabalho com crianças e campeonatos de xadrez.

“Trata-se de um espaço de acolhida e organização”, conta o líder do local.

Engajamento na Cozinha Solidária

Juntamente com Sérgio Farias, atuam  na organização da Cozinha Silidária Edu, Maria, Marquinhos, Célia, Conceição e mais cinco voluntários. Ali, todo mundo tem um papel.

Célia e Conceição são as responsáveis por preparar as refeições; Edu mobiliza as crianças através da cultura; Maria é trancista e promove oficinas sobre o ofício. Já Marquinhos é barbeiro, ajuda na limpeza e planeja oferecer cortes de cabelo à comunidade.

“Eu conheci o Sérgio em um projeto de influenciadores da periferia, com o pessoal do Suricate Seboso. Depois disso, eu me engajei na Cozinha, comecei a fotografar. Aqui é o nosso patrimônio. Esta aqui é a minha energia vital”, conta Eduardo Soares, 19. Maria Clara, 16, complementa o amigo: “Eu me sinto orgulhosa por fazer parte disso. A gente tanto ensina como aprende”.

Consciente da importância do trabalho que desempenha, Célia e Conceição chegam às 7 horas na Cozinha para limpar o local e preparar os alimentos para o cozimento. “Eu gosto muito de fazer o que eu faço, de preparar a comida e ajeitar as quentinhas. A população precisa do que a gente faz. Tem muita gente passando fome”, diz Célia.

Moradora do Maria Tomásia, Conceição costumava se beneficiar com os serviços da Cozinha. Atualmente, a mulher está engajada nas ações do projeto e auxilia Célia. “A gente corta as verduras, faz farofa, batata doce. Todo mundo que poderia ajudar, deveria colaborar com o projeto.”

Já o barbeiro Marcos Aurélio (Marquinhos), 29, soube do projeto através do vizinho. "Ele me contou da Cozinha, e eu passei a frequentar o local. Achei a iniciativa bacana e agora eu estou apegado. Ver uma criança te chamar de 'tio' e te dar um abraço agradecido é muito bom. Não é só o dinheiro que ajuda, tudo o que nós fazemos é importante”, diz Marquinhos.

Histórico da Cozinha Solidária

O projeto começou a ser formulado depois que moradores de periferias começaram a recorrer a assentamentos do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) em busca de alimentação. Atualmente, o MTST mantém 31 cozinhas distribuídas em periferias de 12 estados no Brasil. Geralmente, as cozinhas estão situadas em uma região pequena, em que a alimentação não precisa ser transportada.

“Fortaleza é uma capital faccionada. Os moradores são impedidos de frequentar alguns locais do bairro, por impedimento desses grupos. Como a Cozinha Solidária é localizada, há o favorecimento da população do entorno. Ser algo pequeno e focalizado sempre foi o nosso plano", explica Sérgio Farias, líder do projeto. 

Além disso, a ideia é que não se distribua apenas comida, mas que o local reúna pessoas que vivem algum grau de insegurança alimentar para promover a emancipação dessas pessoas. "A cozinha é um espaço de organização comunitária para debater essas questões”, finaliza Sérgio.

Como ajudar a Cozinha Silidária

As cozinhas atendem os moradores próximos do equipamento, com prioridades para idosos, crianças, lactantes e pessoas com deficiência. As doações são feitas diretamente pelo MTST por meio de uma vaquinha nacional. No Ceará, as pessoas podem ajudar entrando em contato por meio do telefone (85) 99425 3562, ou pelo Instagram @cozinhasolidaria.ce.