Sem tombamento ou desapropriação, Edifício São Pedro segue deteriorado

Procuradoria Geral do Estado (PGE) ainda a avalia laudo que deverá colocar preço no edifício

O Edifício São Pedro, prédio histórico da Praia de Iracema de Fortaleza, continua no meio de um impasse. Há oito meses, o Governo do Estado do Ceará decretou que o imóvel é de utilidade pública e deu início ao processo de desapropriação do local para construção de um Distrito de Economia Criativa. O laudo que determinará o valor do imóvel segue em elaboração. Já os pedidos de tombamento federal foram negados. Enquanto isso, o edifício continua deteriorado e servindo de casa para pessoas que não tem outra alternativa de moradia.

De acordo com a Procuradoria Geral do Estado (PGE), o laudo de avaliação do valor do imóvel “está sob análise técnica das equipes da Secretaria de Turismo e da Comissão Central de Desapropriações e Perícias da Procuradoria do Patrimônio e do Meio Ambiente (Propama)”. O órgão respondeu ao O POVO em agosto que o laudo já estava em fase final.

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Somente depois da estipulação do preço é que o processo pode seguir. Segundo um dos proprietários do imóvel que não quis se identificar, "está tudo parado” no processo. “Ninguém foi comunicado de nada, ninguém tem conhecimento de nada. Além dos gastos, tem o prejuízo, a depredação do negócio todo, o problema para a sociedade e o risco que corre o prédio. A gente lembra logo daquele Edifício Andrea, que de uma hora pra outra aconteceu [de desabar]. Fica parecendo até como se a gente tivesse querendo criar situação problema, mas na prática não é”, afirma o dono.

O advogado Daniel Rocha, membro da comissão de Direito Imobiliário da OAB-CE, explicou que a avaliação do valor do imóvel é uma das partes mais demoradas do processo de desapropriação. Mesmo assim, para ele, “a avaliação não justifica essa demora”. Ele conta que, durante a confecção do laudo, especialistas em avaliação de imóveis devem analisar a estrutura do prédio, o valor do metro quadrado e da área em que está localizado.

“A avaliação não vai levar em conta a especulação imobiliária, não é o valor de mercado, é um valor que indenize pelo imóvel, não vai gerar lucro ao proprietário”, afirma o advogado. Caso o valor estipulado pelo Estado seja aceito pelos donos, a desapropriação pode seguir de forma extrajudicial. Em um cenário em que as duas partes não entrem em consenso sobre o preço, a indenização pode ser decidida por um processo judicial.

Conforme o secretário de Turismo do Ceará, Arialdo Pinho, é possível que o laudo seja entregue pela PGE “ainda neste mês” de novembro. Já a Procuradoria não deu data para a finalização do documento. A Setur deverá cuidar do prédio após a finalização do processo.

FORTALEZA, CE, BRASIL, 14.11.2022: Situação do edifício São Pedro na praia de Iracema.
FORTALEZA, CE, BRASIL, 14.11.2022: Situação do edifício São Pedro na praia de Iracema. (Foto: FÁBIO LIMA)

Tombamento federal foi negado

O único andamento importante ocorrido no processo nos últimos meses foi a adição do parecer técnico do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que nega o tombamento do Edifício São Pedro como patrimônio nacional. O órgão afirma no documento que “as narrativas empregadas para exaltar os valores patrimoniais estão vinculadas estritamente às realidades cearense, metropolitana e fortalezense”, sem elementos suficientes que justifiquem o tombamento a nível nacional.

Márcio Carvalho, arquiteto do Iphan Ceará, explica que os pedidos de tombamento, realizados pelo deputado federal Capitão Wagner e pelo engenheiro Aderbal Aguiar Junior, do movimento Náutico Urgente, foram recebidos logo após a prefeitura de Fortaleza cancelar o tombamento do edifício na esfera municipal, alegando inviabilidade econômica de restauração. “Após essa ação extremamente equivocada do governo local, chegaram esses pedidos num caráter de urgência”, diz.

O parecer demonstra a importância do imóvel para a orla da Capital, como um marco da verticalização da cidade, as referências em produções artísticas e culturais locais, e leva em conta a memória social. No entanto, não é possível, segundo o documento, encontrar no São Pedro a “representatividade nacional para a memória, a identidade, a história e a formação da sociedade brasileira”. Para Márcio, o indeferimento do tombamento municipal foi “um retrocesso das políticas de conservação do patrimônio cultural”.

Questionado sobre o indeferimento do pedido, Arialdo Pinho afirmou que “não tem problema nenhum”. “Nós vamos querer fazer o que o estado está propondo, que é recuperar o edifício. Independente do que eles acham ou não, nós queremos preservar o edifício, o uso dele pra bem comum, nós estamos trabalhando para isso.” A ideia inicial do Estado é demolir o interior do edifício e preservar a fachada.

Edifício serve de moradia mesmo em condições precárias

Há anos, a imagem de deterioração do Edifício São Pedro chama a atenção de quem passa pelas avenidas que o circundam. Mesmo em situação precária, com laudo técnico confirmando diversas ameaças à estrutura, pessoas em situação de vulnerabilidade social continuam utilizando as ruínas para morar.

O chão coberto de entulho e lixo dos corredores e vãos do prédio contrastam com a organização em um dos cômodos, demonstrando que alguém utiliza aquele lugar. O homem que mora no quarto improvisado não quis se identificar, mas afirma que está lá há oito anos. Assim como ele, outras pessoas ocupam o espaço.

“Aqui a chuva não molha, ninguém me vê dormindo”, diz. Ele conta que gostaria de morar em outro lugar quando o prédio for reformado, mas pede que o governo dê uma casa para quem vive lá. “Vou sair daqui pra onde? Vou morar na rua?”, questiona.

Enquanto ele desce as escadas de um dos andares do edifício, partes do reboco dos degraus caem no chão. As paredes têm ferros expostos e algumas foram demolidas. O morador diz que, todos os fins de semana, jovens sobem os andares do prédio, mesmo avisados para não entrar.

Sem manutenção, os riscos estruturais preocupam. No entanto, no meio do processo de desapropriação, é difícil saber quem teria responsabilidade caso alguém se machuque. Para o advogado Daniel Rocha, a partir do decreto de “utilidade pública”, o Estado garante direitos sobre o imóvel, mas também deveres. O que não isenta as obrigações dos proprietários. “Não existe uma resposta certa para isso, realmente ela [a responsabilidade] está mais ou menos nesse limbo jurídico entre a propriedade particular e publica”, diz.

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