Três anos depois, PM se torna réu por morte de jovem no Vicente Pinzón

Denúncia foi feita mesmo após delegacia recomendar o arquivamento do caso. PM nega ter feito os disparos que mataram Juan Ferreira dos Santos, de 14 anos

16:11 | Out. 15, 2022

Por: Lucas Barbosa
Juan Ferreira dos Santos, 14 anos, foi morto com tiro na cabeça (foto: Reprodução/ Facebook)

Após mais de três anos, o policial militar acusado de matar o adolescente Juan Ferreira dos Santos, de 14 anos, foi denunciado pelo Ministério Público Estadual (MPCE). Nessa sexta-feira, 14, a 1ª Vara do Júri recebeu a denúncia e tornou o soldado Breno Barros Soares réu pelo crime. A denúncia do MPCE ocorreu mesmo após a Delegacia de Assuntos Internos (DAI), responsável pela investigação, ter sugerido o arquivamento do caso.

Juan foi morto durante uma festa que era realizada na Praça do Mirante, no bairro Vicente Pinzón. De acordo com a denúncia do MPCE, por volta das 22h30min do dia 13 de setembro de 2019, policiais militares "começaram a circular pelo local e abordar populares", tendo sido colhidos relatos que apontavam que as abordagens “teria se dado de forma truculenta, inclusive com agressões a populares”.

No objetivo de dispersar os participantes da festa, disparos foram realizados. “Os relatos foram no sentido de que o grupo em que Juan estava na verdade já estava se movimentando para ir embora da praça, mas, ainda assim, o réu efetuou disparos contra o dito grupo”, afirmou o MPCE. Juan foi atingido na cabeça e, mesmo tendo sido socorrido a um hospital, morreu.

Em seu primeiro depoimento, o soldado Breno confessou ter atirado duas vezes na ocorrência, mas ele disse que assim o fez em legítima defesa e que disparou em direção ao chão. Conforme afirmou, um grupo de 20 pessoas teria ido em sua direção com pedaços de pau e pedras na mão; inclusive, ele chegou a ser atingido por uma pedrada.

Em um segundo depoimento, ele, porém, negou que atirou contra Juan, "até porque do local em que estava para onde o garoto foi atingido tem uma distância de mais de cem metros".

Os depoimentos colhidos na investigação vão na direção contrária. Uma testemunha chegou a dizer que viu o policial se agachar e "mirar nas pessoas", "não com a intenção de atirar para o chão".

Além disso, transcrições das ligações ao Coordenadoria Integrada de Operações de Segurança (Ciops) mostra um dos policiais afirmando que o "patrulheiro acabou disparando com a carabina e acabou atingindo um adolescente de 14 anos". O episódio teria ocorrido após a composição ter chegado para abaixar o som da festa e a população ter ido "para cima" deles.

A Rede Acolhe, programa da Defensoria Pública, ainda anexou aos autos um vídeo em que, conforme afirmou, "é possível observar ainda que o disparo não foi antecedido de nenhuma conduta ilícita por parte da vítima".

A Defensoria, que representa a família da vítima, ainda diz que "pela visualização da dinâmica do disparo, também não se pode conceber a versão processual de que o tiro seria realizado em direção ao chão”.

A DAI chegou a solicitar a reprodução simulada do episódio, mas o relatório da perícia mostrou-se inconclusivo. Por essa e outras provas, o delegado sugeriu o arquivamento da investigação por entender pela “ausência de provas quanto a materialização da individualização da autoria delitiva”.

A promotora Márcia Lopes Pereira, entretanto, discordou do parecer. “Nessa fase processual, não podem ser ignoradas provas que apontado o réu como autor do disparo, bem como que no caso não teria ocorrido ação em legítima defesa”.

“Esperança de que a Justiça possa ser feita”, diz mãe de Juan

Para Tânia de Brito, mãe de Juan, a notícia de que a Justiça aceitou a denúncia do MPCE trouxe a “esperança que a Justiça possa ser feita”. Ela ressaltou a demora e as “falhas” na investigação, mas considera que todos os indícios colhidos apontavam para o PM como o autor do crime.

Tânia afirma esperar a prisão e expulsão do soldado da PM, para que ele possa "pagar pela vida que tirou". A luta, ela diz, não é só pelo filho, mas para que casos como esse não voltem a se repetir. “Para que os nosso filhos, nossas crianças, nossas jovens possam viver em paz em nossas comunidades e viverem livres”, diz.

O POVO não conseguiu contato com a defesa do réu na tarde deste sábado, 15.