Mulher denuncia caso de racismo em academia de Fortaleza

Lívia Nunes estava com vestimentas leves na cor branca e com uma bolsa com os itens para nadar, quando a recepcionista questionou à família branca que entrou na frente se a mulher estava os acompanhando; especialistas pontuam que o caso trata-se de um caso de racismo institucional

14:12 | Out. 07, 2022

Por: Bruna Lira
Lívia Nunes, oceanógrafa e microempresária, relata ter sofrido racismo na academia Greenlife do bairro Guararapes, em Fortaleza (foto: Arquivo Pessoal)

Uma mulher denuncia caso de racismo em uma academia do bairro Guararapes, em Fortaleza. O caso ocorreu no dia 16 de agosto último, quando a oceanógrafa e microempresária Lívia Nunes, de 41 anos, foi confundida ainda na recepção do estabelecimento como sendo a babá de uma família branca que tinha acabado de entrar no local.

Lívia conta que ia praticar natação na academia Greenlife, estava com vestimentas leves na cor branca e com uma bolsa com os itens para nadar.

Então, quando estava aguardando para entrar no local, atrás de uma mulher branca com dois filhos - ambos loiros e de olhos claros, vestidos em kimonos para treinar artes marciais -, a recepcionista perguntou à família se Lívia estava os acompanhando.

“Na hora, nem tinha entendido direito o que aquilo significava. Quando me dei conta, me senti profundamente humilhada. Ela me confundiu com a babá da família branca porque sou preta. A gerente logo percebeu o que havia acontecido e tentou corrigir, mas ninguém apareceu para me pedir desculpas. Disseram que foi um erro por falta de capacitação e de comunicação da colaboradora”, afirmou.

A microempresária relata ainda que o que mais a revoltou foi o descaso na forma como foi tratada após o acontecimento, sendo ela mesma a responsável por buscar uma retratação equivalente à injúria e o que recebeu foram mais condutas racistas.

“O dono da academia nem sequer me procurou, nem sei se ele chegou a ser informado sobre a situação. Entrei em contato com o sócio e, a princípio, ele se mostrou atencioso, perguntou como eu desejava proceder com o caso. Solicitei um ano de acesso à academia para mim e para o meu filho e, para que aquilo não retornasse a acontecer, pedi por uma campanha antirracista no local. E sabe o que ouvi dele? Que ele estava ‘se sentindo ameaçado’ com as minhas demandas. Ameaçado!”, declara Lívia.

Em nota, a Polícia Civil do Estado do Ceará (PC-CE) informou que segue investigando a denúncia de injúria racial. O fato foi noticiado por meio de um Boletim de Ocorrência (BO) no 15º Distrito Policial (DP), registrado no dia 26 de agosto, e transferido para o 4º Distrito Policial (DP). No entanto, Lívia pontua não ter sido notificada pela polícia sobre a transferência do caso.

O POVO tentou contatar a academia Greenlife Guararapes por meio dos telefones e do e-mail informado no site da empresa, nos dias 28 de agosto, às 18h39min, 5 de outubro, às 17h02min, e novamente em 6 de outubro, às 17h26min. Uma atendente que não se identificou disse, em ligação, que não sabe informar o contato da pessoa responsável por tratar do caso.    

Entenda o que o racismo institucional e estrutural representa no caso

Para Lívia, o problema não foi ter sido confundida com uma babá, mas o constrangimento público da ocasião, a falta de assistência por parte do estabelecimento, que ela frequentava há poucas semanas, e a violência velada da cultura racista que circunda o seu cotidiano e o de tantas outras pessoas negras.

A advogada e coordenadora de Igualdade Racial da Academia Cearense de Direito (ACED), Fernanda Estanislau, explica que o caso de Lívia se enquadra nas ações previstas na Lei 7.716/89, que define o crime de racismo trazido pela Constituição Federal de 1988, no artigo 20: “Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. Para tanto, a pena é de reclusão de um a três anos e multa.

“O caso de racismo relatado, infelizmente, é comum nas nossas vidas enquanto pessoas negras em uma realidade racista, o que nós chamamos de efeitos de um racismo estrutural. Esse não mais é reproduzido necessariamente por um processo racionalizado com a “intenção” de discriminar, porém os efeitos agravam uma estrutura de exclusão e morte de pessoas negras, além de terem efeitos devastadores para as vítimas, que são reiterada e sistematicamente afetadas por esse comportamento discriminatório”, destaca a advogada.

A antropóloga Izabel Accioly reitera que o racismo estrutural se constitui como um processo social, histórico e político que, ao longo dos séculos, coloca um grupo étnico-racial em posição de desvantagem. Todavia, o racismo institucional, sofrido por Lívia, diz respeito ao ato discriminatório dentro de uma empresa, em que a vítima estaria como consumidora/cliente.

“Não há nada de demérito em ocupar posições de serviço, como babás, empregadas domésticas e outras. Entretanto, é muito prejudicial quando pessoas brancas olham para nós, pessoas negras, e só conseguem nos enxergar nesses cargos”, pontuou Izabel.

Segundo a advogada Fernanda Estanislau, "não basta não ser racista. Para combater essas práticas, as empresas precisam ser antirracistas e isso inclui ter conhecimento e treinamento para lidar com esse tipo de discriminação".