Jovem de 17 anos é resgatada de suposta exploração do trabalho infantil em Fortaleza
Vítima também apresentava características de viver em situação análoga à escravidão. Crimes foram denunciados no bairro Jangurussu na noite da última quinta-feira, 4. Conselho Tutelar acompanha garota, e Polícia Civil investiga o casoUma jovem de 17 anos foi resgatada de suposta exploração do trabalho infantil e de situação análoga à escravidão. O resgate aconteceu na noite do último dia 4 de agosto, no bairro Jangurussu, em Fortaleza. A vítima, natural do Rio Grande do Norte, chegou à Capital há cerca de dois anos à procura da mãe. No entanto, ela passou a morar com outros familiares, que são os principais suspeitos de obrigá-la a trabalhar e de não lhe prestar assistência básica, como acesso à alimentação, educação e saúde.
O caso foi revelado após a menina pedir ajuda a um grupo de pessoas em um estabelecimento comercial no bairro Jangurussu. Na ocasião, ela estava vendendo bombons e aparentava estar muito nervosa e com medo.
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“Ela estava com os olhos cheios d'água e disse que estava pedindo ajuda. Perguntei se não queria comer, e ela falou que, caso sentasse na mesa para comer com a gente, a tia dela ia ver e que ela não podia fazer isso. Falou que só queria pedir ajuda”, relata a fotógrafa Jeny Sousa, que estava no local.
Ainda segundo Jeny, a garota disse que a prima dela, a quem ela chamava de tia, a obrigava a vender os produtos. Conforme outras pessoas no estabelecimento, a menina sempre era monitorada por essa mulher enquanto vendia os produtos.
Na ocasião, o grupo de pessoas combinou com a vítima de tentar ajudar levando-a até a delegacia mais próxima.“Quando a gente estava entrando na rua em que estava o carro, a gente encontrou com essa prima. Ela [vítima] já estava chorando e tremendo. A familiar viu que a gente estava a levando, mas não gritou, não foi até lá perguntar, não fez nada. Só continuou no telefone visivelmente aperreada. A gente entrou no carro, e a menina começou a chorar dizendo que estava com medo e desmaiou de nervoso”, conta Jeny.
O grupo de pessoas foi ao 30º Distrito Policial, no bairro São Cristóvão, mas o local estava fechado. Após pedirem ajuda a policiais em uma viatura, foram orientados a levar a vítima à uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), pois ela estava desmaiada e o serviço social do local poderia auxiliar.
Na UPA, a jovem foi atendida, e o caso foi relatado. “Falamos que ela era menor de idade, que era obrigada a vender os bombons, que acontecia de ela sair de casa para vender às 11 horas e voltar no outro dia de madrugada. Se ela não vendesse pelo menos uma cesta, quando ela voltasse, ela tomava chibata”, relata Jeny, conforme relato da vítima.
Ainda segundo a fotógrafa, era nítido que a menina sofria. “Ela não tinha calçado, não tinha roupa. Ela vendia os produtos descalça, por isso os pés dela estavam todos machucados, cheio de rachaduras e cortes. Ela era visivelmente muito sofrida. Você percebia que o cabelo dela era cortado à força e que ela estava desgastada demais para uma pessoa de 17 anos”, conta.
Familiares são suspeitos
A vítima é do interior do Rio Grande do Norte e chegou à Fortaleza há cerca de dois anos à procura da mãe. Ela ainda relatou que foi vítima de abuso sexual pelo pai. O episódio chegou a ser denunciado por ela à mãe, mas a mesma não teria acreditado. A partir disso, a menina decidiu morar com outros familiares (um tio, uma tia e uma prima), que são os principais suspeitos de obrigá-la a trabalhar em condições degradantes e de não prestar assistência básica a ela.
Enquanto a vítima estava em atendimento na UPA, os familiares dela foram à unidade. O grupo de pessoas que estava ajudando a garota tentou evitar o contato deles com ela. Na ocasião, a prima contestou o porquê de a menina ter feito isso. “Assim que a menina viu os familiares dela, ela voltou a tremer, chorar e ter uma crise”, relembra Jeny.
“A narrativa deles era de que ela era mentirosa e problemática", conta a fotógrafa. "Quando eles entenderam que a gente ia acionar o Conselho Tutelar, o tio dela começou a falar para a gente pegar a bronca e disse: 'Cuida aí, já me deu muito trabalho. Segura que o filho é teu!'”, relata.
Ainda segundo Jeny, os familiares foram embora sem pedir qualquer tipo de contato de quem estava com a vítima. Na manhã do dia 5 de agosto, após a jovem passar a noite na UPA, a assistente social a auxiliou, e o Conselho Tutelar foi acionado.
O encaminhamento da garota seguiu as diretrizes que norteiam o Serviço Social das unidades hospitalares (hospitais e UPAs) da Secretaria Municipal da Saúde (SMS). O atendimento pelas assistentes sociais pode acontecer por diversas demandas, como orientações acerca do fluxo de atendimento e contato com familiares.
Nos casos de violência contra crianças e adolescentes, a pasta da Saúde explica que "o acolhimento inicial é feito pela equipe multidisciplinar, que realiza o atendimento, orienta o paciente, notifica o caso e aciona o Conselho Tutelar".
Acolhimento institucional
Após ser acionado, o Conselho Tutelar encaminhou a menina e o grupo de pessoas que a ajudaram à Casa da Criança e do Adolescente, no bairro São João do Tauape. No local, um Boletim de Ocorrência foi registrado. O grupo de pessoas relatou, como testemunhas, o que aconteceu. Conforme Jeny, eles foram informados de que a menina seria encaminhada a um abrigo.
Micaeli Campos Maciel, da assessoria jurídica da Secretaria Municipal dos Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SDHDS), explica que o acolhimento em abrigos é uma medida de proteção prevista no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) para situações de violação de direito, como abuso sexual, negligência familiar e trabalho infantil.
"A medida geralmente é acionada pelo Conselho Tutelar, e isso gera um processo judicial através do Ministério Público, para essa criança ir para o acolhimento", afirma a advogada especialista em direito da criança e do adolescente.
"O acolhimento institucional é provisório. Pelo ECA, são no máximo 18 meses, mas isso pode ser prorrogado porque existe a questão de trabalhar o retorno familiar, quando possível", continua. "Tem que ser avaliada a família extensa, se há outros parentes; a regra é voltar para a família." Quando o retorno não é possível, a criança ou adolescente entra para o cadastro de adoção.
No caso da garota resgatada, Micaeli aponta que, como ela completará 18 anos nos próximos meses, "é muito difícil para equipe trabalhar os vínculos familiares e ter tempo plausível para uma destituição do poder familiar", processo necessário para entrada na adoção.
Investigação
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS) informou que a Polícia Civil do Estado do Ceará (PC-CE) investiga o crime de exploração do trabalho infantil. “A vítima, uma adolescente de 17 anos, foi acolhida na Casa da Criança e do Adolescente e é acompanhada por um Conselho Tutelar”, disse a pasta.
O acolhimento pela Casa da Criança e do Adolescente é confirmado pela Secretaria da Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos (SPS). "Na Casa, ela recebeu atendimento da rede socioassistencial e foi encaminhada para o serviço de acolhimento municipal", completa o comunicado da secretaria de Direitos Humanos.
Conforme a pasta de segurança, um Boletim de Ocorrência (B.O) foi registrado na Delegacia de Combate à Exploração da Criança e do Adolescente (Dceca), que ouviu testemunhas e está apurando os fatos. “Mais informações não serão repassadas no momento para não atrapalhar a investigação”, informa.
A população pode contribuir com as investigações repassando informações que auxiliem os trabalhos policiais. As denúncias podem ser feitas para o número 181, o Disque-Denúncia da SSPDS, ou para o (85) 3101 0181, que é o número de WhatsApp, pelo qual podem ser feitas denúncias via mensagem, áudio, vídeo e fotografia.
As informações também podem ser direcionadas para o telefone (85) 3101 2044, da Dececa. O sigilo e anonimato são garantidos. (Colaboraram Gabriela Almeida e Marcela Tosi)
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