Praça Clóvis Beviláqua é ocupada por pessoas em situação de rua e usuários de drogas
Tendas e barracas improvisadas foram montadas nas áreas de convivência da praça, afastando os frequentadores do espaço de lazerLocalizada no Centro de Fortaleza, a praça Clóvis Beviláqua, popularmente conhecida como Praça da Bandeira, abriga um número cada vez maior de pessoas em situação de rua. No local, há uma grande quantidade de tendas e barracas improvisadas montadas nas áreas de convivência do espaço de lazer. Moradores e comerciantes do bairro ouvidos pelo O POVO afirmam que a ocupação ganhou força após o começo da pandemia. Segundo eles, desde que o movimento aumentou, a praça também se tornou um ponto de venda e consumo de drogas.
No local, o medo parece ser um imperativo entre os frequentadores. “Infelizmente eu tenho que passar aqui todos os dias porque é caminho para meu trabalho, mas é sempre com o coração na mão. Todo dia dou de cara com gente consumindo [drogas]”, relatou uma mulher que pediu sigilo de sua identidade. Ao fim da entrevista, ela alertou a equipe do O POVO sobre a insegurança do local. “Se eles souberem que vocês são da imprensa, vão ter problemas. É melhor se cuidarem”, recomendou.
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Segundo uma outra frequentadora, que também pediu para não ser identificada, o comércio ilegal de entorpecentes tem ocasionado outros problemas. “Como eles ficam todos juntos aí, a sujeira que fazem é grande, vocês mesmos podem ver. Até cocô fazem no chão e na grama da praça. Tem dias que é insuportável ficar aqui”, reclamou. Para ela, a situação é resultado do “abandono completo da praça” pelo Poder Público.
A praça conta com um Posto Avançado da Guarda Municipal e Polícia Militar, mas o equipamento estaria desativado, segundo relatou um comerciante dono de um empreendimento localizado a poucos metros do equipamento de lazer. Ele acredita que a falta de policiamento é um dos motivos para o aumento da sensação de insegurança na área.
“Todo mundo aqui vive com medo e ninguém pode falar nada porque sabe que coloca a vida em risco. Hoje mesmo eu presenciei um assalto aqui na calçada. Fingi que não vi nada. Inclusive, o cara que assaltou vem aqui direto pedir comida e eu vejo ele fumando [maconha] todo dia. Não posso comprar briga com essa gente”, lamentou o homem.
De acordo com um empresário que mantém uma loja nos arredores da praça há quase 20 anos, o problema é recente. “Isso nunca existiu aqui, sempre foi uma praça tranquila. [a venda de drogas] Começou mesmo foi na pandemia, porque a Prefeitura passou a distribuir quentinhas aqui para os moradores de rua, então muitos usuários se aproveitaram e entraram no meio e não saíram mais daqui”, afirmou, sob reserva da identidade.
Segundo ele, é comum as lixeiras de concreto da praça serem utilizadas como pontos de defecação. “É impressionante a quantidade de fezes aqui ao redor todos os dias de manhã quando chego. Tem dias que o odor tá tão forte que a gente tem que tomar uma atitude”, disse o empresário, explicando que já precisou contratar um agente de serviços gerais para recolher dejetos e realizar limpeza no local.
No lado oeste da praça, em frente à rua Senador Pompeu, O POVO constatou uma enorme montanha de lixo no entorno do posto da Cagece que funciona no local. Perto dali, havia uma caixa de esgoto com a tampa retirada de onde saia um forte odor. Segundo frequentadores, o local é “utilizado como privada” pelas pessoas em situação de rua e usuários de drogas.
Com tanta sujeira, a presença de roedores salta aos olhos de quem passa pela praça. Eles são vistos em maior quantidade no lado norte, no trecho em frente à rua Meton de Alencar, onde foram montadas várias tendas e barracas improvisadas com lonas, pedaços de madeira e barras de ferro. Na área, a reportagem identificou colchões, pedaços de camas, cadeiras e até uma mesa de madeira parcialmente quebrada. Havia, ainda, muito lixo e restos de comida espalhados pelo chão.
O cenário, de acordo com uma comerciante, tem afastado as pessoas do local, principalmente após o anoitecer. “Depois de seis [horas], todo mundo pega o beco. Ficar aqui nesse horário é pedir para ser assaltado (sic)”, contou ela, explicando que costuma encerrar o expediente na loja por volta das 17h30min.
A má iluminação é outro problema apontado pelos frequentadores da praça e confirmado pelo O POVO. No local, ao menos doze lâmpadas defeituosas foram contabilizadas. Nos pontos mais escuros, a concentração de possíveis usuários de drogas era bem maior. Alguns chegaram a questionar a presença da reportagem na praça, contudo, não houve tentativas de obstrução ao trabalho jornalístico.
Apesar do suposto comércio ilegal de entorpecentes, uma frequentadora ouvida pelo O POVO frisou que nem todos as pessoas em situação de rua que vivem na praça são usuárias de drogas. “Tem gente que está aí porque realmente não tem para onde ir e precisa da comida que a Prefeitura dá”, destacou. Segundo ela, as refeições são distribuídas diariamente às 11 horas.
“O que eu fico revoltada é que a Prefeitura dá comida, dá tudo, mas não tem sequer um banheiro químico, obrigando a gente a encarar essa podridão”, reclamou um outro frequentador da praça. Para ele, a situação só seria resolvida se a Prefeitura “expulsasse os drogados” e “mandasse os moradores de rua” para abrigos.
Em nota, a Polícia Militar do Ceará (PMCE) informou que realiza patrulhamento ostensivo no Centro de Fortaleza 24 horas por dia, incluindo o trecho onde está localizada a Praça Clóvis Beviláqua. "O local tem grande população em situação de rua, mas não houve constatação de flagrantes recentes na área", diz o texto. Diante das reclamações dos moradores, comerciantes e frequentadores da praça, a corporação prometeu intensificar as abordagens no local.
Procurada pelo O POVO, a Guarda Municipal de Fortaleza (GMF) também disse realizar rondas e ações de patrulha permanentes na Praça da Bandeira, por meio da equipe da Célula de Proteção Comunitária da Praça da Lagoinha, também localizada no Centro da Cidade.
Sobre as pessoas em situação de rua que vivem no local, a Secretaria dos Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SDHDS) informou que o público é acompanhado pela Coordenadoria Especial de Gestão Integrada de Assistência Social (Coias). No local, segundo a pasta, são disponibilizados serviços de assistência jurídica, oficinas socioeducativas, ações de higiene pessoal e de cuidados com a alimentação.
Ainda de acordo com a Secretaria, cerca de 200 quentinhas são distribuídas diariamente na praça às 11 horas. No fim da tarde, às 16 horas, também ocorre a distribuição de sopas. "Ainda ofertamos Pousadas Sociais e Acolhimentos Institucionais, sempre considerando as demandas apresentadas pelos usuários da política de Assistência Social", explicou a pasta.
Quanto às queixas sobre a má iluminação do espaço, a Secretaria Municipal da Conservação e Serviços Públicos (SCSP) disse que enviará uma equipe técnica ao local para verificar a situação e realizar as manutenções necessárias. A pasta reforça que em casos de pontos de luz apagados, a população deve ligar para a central de atendimento 156 e solicitar o serviço.
Em relação ao lixo acumulado na praça, a Secretaria da Gestão Regional (Seger) informou que está programada para este quinta-feira, 7, o envio de agentes de limpeza ao local para que seja feita a roçagem do mato. Segundo a pasta, o espaço já havia recebido serviços de capinação e varrição na semana passada.
A praça e os nomes
Demarcada em meados do século XIX, a praça Clóvis Beviláqua já teve o nome alterado quatro vezes desde a sua construção, em 1870. Inicialmente, era chamada de Praça do Encanamento, em referência a um chafariz instalado no local que servia para o abastecimento d'água da Cidade.
Depois, no começo do século XX, passou a ser denominada Visconde de Pelotas, uma homenagem ao herói da guerra do Paraguai, marechal José Antônio Correia da Câmara.
Mais tarde, em 1930, o espaço passou por um amplo processo de urbanização na administração do prefeito Álvaro Weyne, e novamente teve o nome alterado para Praça da Bandeira, denominação ainda muito utilizada pelos moradores da Capital cearense.
Em 1959, a última alteração: o equipamento foi batizado definitivamente de praça Clóvis Beviláqua, um tributo ao jurista cearense escolhido como membro-fundador da Academia Brasileira de Letras e que deixou grande legado na política, literatura e no universo jurídico brasileiros.
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