Casal que vivia nas ruas realiza sonho de se casar na Praça do Ferreira
Matrimônio religioso foi realizado com a ajuda de voluntários, que formaram uma corrente de solidariedadeFoi no refeitório do Centro POP do bairro Benfica, em Fortaleza, que Francisco Carlos Ferreira, 40, e Janete da Silva de Jesus, 35, iniciaram uma história de amor, em 2010. Doze anos depois, eles realizam um sonho que até pouco tempo parecia algo muito distante: o matrimônio religioso. Após mais de uma década de espera, a tão aguardada festa de casamento finalmente ocorreu na noite desta quinta-feira, 30, na Praça do Ferreira, com direito a véu, grinalda e troca de alianças.
Francisco e Janet, que são artesãos, nasceram no Piauí. Ela, na capital Teresina; e ele, no município de Castelo, interior do estado. Os dois faziam planos de se casar desde quando se conheceram, há doze anos, no tempo em que ainda viviam em situação de rua na Capital cearense.
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Há quatro anos eles conseguiram um lar após se tornarem beneficiários do aluguel social, pago pela Prefeitura de Fortaleza. Dividindo o mesmo teto, o sonho do enlace matrimonial ganhou ainda mais força.
Apesar do desejo, o casal sabia que fazer uma cerimônia tradicional era incompatível com as condições financeiras de quem acabara de deixar as ruas. Tudo mudou graças a uma corrente de solidariedade, que se formou após Janet confidenciar o sonho à voluntária de um projeto social que presta assistência às pessoas em situação de rua na Praça do Ferreira.
“Há uns 15 dias ela me falou que sonhava em casar vestida de noiva aqui na praça, mas não pediu nada, só falou. Na mesma hora, a gente já começou a se mexer, pedir ajuda aos amigos e rapidinho fomos conseguindo as coisas”, contou Ivone Silva, integrante do Ação Social Fortaleza (ASF).
Do vestido da noiva às alianças, tudo foi conseguido por meio de doações. A ajuda veio em forma de PIX, doces, refrigerantes, salgados, e aos poucos já era o suficiente para transformar em realidade o que há anos fazia parte apenas da imaginação do casal.
Pelas mãos dos voluntários, o local escolhido para o casório virou um salão de eventos ao ar livre. Foi ali, no meio do coração da Cidade, como é conhecida a Praça do Ferreira, que Janete e Francisco disseram o tão aguardado, desejado e sonhado, sim. Diante do padre jesuíta Djailton Pereira da Silva, os dois reforçaram votos de união, fidelidade e companheirismo.
Ao fim da bênção, os noivos selaram a união com um beijo longo e muito festejado pelos convidados da festa, em sua maioria, pessoas em situação de rua que diariamente dormem nos bancos da praça. A escolha do local não foi por acaso. Segundo o voluntário Carlos Eduardo Renzi, membro do grupo Amigos da Rua Fortaleza, também envolvido na organização do evento, o lugar tem um significado especial para o casal.
“Eles são figuras icônicas da praça, conhecidos por todos e muito queridos pelo fato de ajudarem as pessoas que vivem aqui. É o lugar onde eles realmente se sentem felizes, onde encontram os verdadeiros amigos”, contou Renzi. E pelo sorriso estampado no rosto dos convidados, era fácil perceber o quanto estavam realizados com a felicidade dos amigos.
“Essa festa não seria completa sem eles. São os irmãos que a rua e a vida me deram. Para mim, isso é tão importante quanto o casamento em si”, disse o noivo ao O POVO. Depois da cerimônia religiosa, o evento teve o tradicional corte do bolo e ainda ofereceu jantar, pizza, salgados, sucos e refrigerantes aos convidados. Para muitos dos que estavam ali, a fartura ajudou a preencher o vazio da fome que os persegue diariamente.
“A minha maior felicidade nesse dia, além do casamento, é poder viver isso ao lado dos meus amigos. Eu sou uma pessoa que gosta muito de ajudar, todo dia eu venho aqui para fazer algo por eles, porque eu não estou mais nessa situação, mas sei o que eles passam”, comentou Janete. Usando como exemplo o seu próprio casamento, a noiva afirma que sonhos não são impossíveis de serem realizados, ainda que a vida imponha as mais duras dificuldades.
“Quando a gente tá na rua, é difícil sonhar, mas mesmo assim a gente sonha. Todo mundo tem uma coisa que quer muito. Eu queria muito casar. Pensei que nunca ia ter essa oportunidade. Hoje eu estou sendo uma mulher privilegiada por Deus. Amanhã pode ser qualquer um”, disse.
Para o padre que celebrou o casamento em plena praça pública, a experiência foi inédita. Em 26 anos de sacerdócio, Djailton Pereira diz nunca ter visto algo parecido. “Esse matrimônio, desse casal, nessa praça, com essa partilha entre as pessoas, é a expressão maior do amor. É um momento que congrega tudo aquilo dos ensinamentos de Jesus”, ressaltou o religioso.
Com a união matrimonial oficializada, o casal agora faz planos para o futuro. Eles querem ampliar a produção de produtos artesanais feitos com palha de coco, ofício que aprenderam juntos enquanto ainda estavam nas ruas e que hoje é a principal fonte de renda do casal. “Vamos ver uma forma de conseguir vender mais, quem sabe até pela internet, com a ajuda dos amigos”, disse o noivo.
Já Janet pensa em algo mais abrangente, que ela sabe não ser fácil de tirar do papel, mas diz acreditar que pode realizar, assim como aconteceu com o casamento. “A minha maior vontade é abrir uma oficina de artesanato para ensinar isso às crianças e adolescentes que vivem nas ruas. É uma maneira de eles aprenderem uma atividade para ganhar alguma coisa e sobreviver”, contou.