Professor é afastado da direção da Rádio Universitária e denuncia projeto de censura

Conforme Nonato Lima, docente do Curso de Jornalismo da UFC, as alterações foram impostas em relação a programas jornalísticos e à grade musical da emissora. Nesse caso, estariam vetadas músicas ligadas a africanidades

20:12 | Mai. 18, 2022

Por: Leonardo Maia
O professor foi acolhido por alunos, docentes e radialistas após o afastamento (foto: Via WhatsApp O POVO)

O professor Nonato Lima, docente do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará (UFC), foi afastado da diretoria da Rádio Universitária após 15 anos no cargo, desde 2007. Ele alega que foi retirado da função porque não concordou com "medidas de censura", que, segundo ele, estavam sendo impostas à programação da emissora por Francisco Paulo Brandão Aragão, presidente da Fundação Cearense de Pesquisa e Cultura (FCPC), vinculada à gestão da Rádio.

Mudanças na estrutura do programa de debates da emissora e a interrupção da veiculação de músicas ligadas a africanidades estavam entre as mudanças exigidas, conforme o professor. “Eu não só discordei como não implementei as medidas. A Constituição Brasileira assegura tanto a liberdade de exercício profissional como a liberdade de expressão”, enfatiza em entrevista ao O POVO.

Na tarde dessa segunda-feira, 16, Nonato se encontrou com o reitor da UFC, Cândido Albuquerque, quando assinou os papéis do afastamento. Conforme o professor, o chefe da administração superior da UFC disse que não sabia da proposta de censura e defendeu que a decisão da mudança aconteceu por motivos republicanos. “Substituir gestores em cargos públicos é uma coisa normal. O que não é normal é substituir tendo como fundamento um projeto de censura”, argumenta Nonato.

“É incompreensível uma emissora com 40 anos de atuação com uma linha cultural, jornalística e de divulgação científica, se submeter a uma situação assim”, lamenta o professor. Quando saiu da conversa com o reitor, Nonato foi recebido na Reitoria por inúmeros estudantes, professores, servidores e radialistas. Ele defendeu a liberdade da emissora. “Se durante a ditadura eu não me curvei (à censura), eu não vou me curvar agora”, defendeu o professor na ocasião.

Nonato disse que não tem interesse em retomar o cargo após o afastamento, mas garante que acompanhará os próximos passos da emissora, criada em fevereiro de 1981. “Eu saio e vai chegar um projeto claramente de censura, e isso gera uma insegurança muito grande. Não vou reivindicar a volta para a direção, mas lamento sair em uma circunstância que não é para melhorar”, explica. “Eu tenho uma preocupação muito grande sobre o que vai ser a Rádio a partir de agora, um grande desafio para a comunidade universitária e a sociedade”, aponta.

Apresentador do programa “Rádio Livre”, que vai ao ar de segunda à sexta-feira às 7h30min, Nonato teme pelo futuro da programação, um dos alvos das críticas direcionadas pelo presidente da Fundação. Ele disse que enfrenta a sensação de que a qualquer momento o trabalho a frente da atração será inviabilizado. “Eu não pretendo fazer um programa censurado. Ou ele é livre, ou não existe”, acrescentou o docente.

Na transmissão desta quarta-feira, 18, Nonato adotou um tom de despedida ao falar com os ouvintes e criticou a postura da Universidade e da Fundação. "É estranho dizer pra vocês que um professor e jornalista da universidade está proibido de trabalhar em uma rádio pública. Mas em um autoritarismo, nem mesmo a Constituição prevalece. Infelizmente tem sido assim no Brasil", protestou Nonato durante o programa. Ele anunciou que continuará seu programa pelo Spotify e se comunicará com os ouvintes pelas redes sociais.

Em nota divulgada nas redes sociais, o Diretório Acadêmico Tristão de Athayde (Data), de Comunicação Social da UFC, considerou que a saída do professor Nonato simboliza uma "grave medida de intervenção dentro da universidade". "O Data agradece ao professor Nonato pelo trabalho prestado durante décadas no comando da rádio universitária e se posiciona junto ao professor e a toda comunidade acadêmica na luta contra a intervenção", defende a entidade.

O Curso de Jornalismo e o Programa de Pós Graduação em Comunicação Social da Universidade Federal do Ceará (PPGCOM), bem como o Sindicato dos Jornalistas do Ceará (Sindjorce),também expressaram repúdio pela medida, que classificaram como "tentativa de censura". "A Rádio Universitária é um veículo de comunicação pública que preza pela defesa dos direitos humanos e pela valorização da cidadania, praticando uma comunicação de qualidade, responsável e que respeita a ética jornalística", consideram em nota.

O Sindicato dos Docentes das Universidades Federais do Estado do Ceará (Adufc) manifestou solidariedade ao professor Nonato. "Em toda a história da Rádio Universitária não se tem notícia de interferências abusivas desse tipo, caracterizadas como censura e com graves indícios de racismo e intolerância religiosa. A emissora é fundamental exatamente por garantir diversidade de vozes, sons e histórias, por abrir espaço para o debate de ideias", enfatizou. A entidade denunciou ainda a falta de financiamento destinado à emissora, evidenciado durante a pandemia, conforme a Adufc. "(Nesse período) não houve apoio para que a rádio adaptasse seus procedimentos para manter sua transmissão remotamente", exemplificou.

 

O POVO entrou em contato por e-mail com a Universidade Federal do Ceará (UFC), mas foi informado que as perguntas sobre a Rádio Universitária podem ser respondidas somente pela Fundação Cearense de Pesquisa e Cultura (FCPC). A FCPC também foi procurada, mas não houve resposta até a publicação desta matéria.