Residenciais no Bom Jardim: quatro anos sem motivos para comemorar
Os conjuntos habitacionais Heloneida Studart e Ana Facó foram entregues em 27 de abril de 2018. Moradores ainda cobram poder público diante de falta de serviços básicos
20:16 | Abr. 27, 2022
27 de abril de 2018. A data marca o início de um sonho para cerca de duas mil pessoas que foram beneficiadas com a entrega das chaves das mais de 570 unidades habitacionais, no bairro Bom Jardim, em Fortaleza. Os residenciais Heloneida Studart e Ana Facó traziam esperança para quem sempre lutou por uma casa própria.
De acordo com os moradores, os valores pagos por cada apartamento variam de R$ 80 a cerca de R$ 200, de acordo com a renda de cada família. "Nos primeiros meses, existia muita empolgação, pelo fato de muita gente estar conseguindo comprar sua moradia com um preço justo e acessível. Por outro lado, como todo conjunto habitacional para baixa renda, ele ficava distante de tudo", relata Warley Miranda, 37, que chegou ao local ainda na inauguração.
Leia mais
A constatação de Warley é só um dos problemas informados por quem vive nos apartamentos entregues em 2018. Distante de equipamentos que oferecem serviços básicos de saúde e educação, os moradores narram os sacrifícios cotidianos para conseguirem usufruir do básico oferecido pelo Estado.
"O posto de saúde fica muito distante, então a pessoa tem que correr para uma UPA [Unidade de Pronto Atendimento] mesmo. Ainda tem o fato do risco de ir até esses locais. Tínhamos muitas crianças sem estudar, agora elas até estudam, mas em colégios distantes", explica a diarista Helena Lúcia, 52.
Segundo ela, é preciso caminhar cerca de 25 minutos com uma das sobrinhas para que a jovem chegue até o colégio. "Se caminhar rápido [é esse tempo], e para voltar é a mesma coisa. A pessoa sofre no sol quente", afirma.
Para a aposentada Sandra Silva, 51, que tem deficiência visual, as dificuldades de morar em um residencial afastado de serviços básicos é mais latente. "Somos muito carentes de tudo, eu tenho uma dificuldade enorme. Eu tomo remédio de pressão, colesterol e diabetes. Sou uma pessoa que mora sozinha, não tenho como ficar buscando isso o tempo todo", lamenta.
Dona Sandra expõe, ainda, outro problema: em quatro anos, os apartamentos não possuem um CEP "que funcione", o que impossibilita a chegada de qualquer tipo de encomenda ao local.
"Nós não recebemos correspondência, temos dois CEPs que informamos só por falar, porque chegar, não chega. Quando queremos receber alguma coisa, temos que arranjar a casa de alguém", afirma.
A gestão do residencial Ana Facó é de responsabilidade do Governo do Estado; o Heloneida Studart fica a cargo da gestão municipal. As duas obras de habitação são separadas apenas pela rua Andréas Soares (confira abaixo posicionamentos).
De acordo com o Censo Demográfico realizado pelo IBGE, em 2010, o Bom Jardim está entre os bairros da Capital que apresentam um dos mais baixos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH), com apenas 0,195. O Índice varia de 0 a 1, sendo 1 melhor o nível de desenvolvimento humano e, em sentido contrário, quanto mais próximo de 0, pior o nível de desenvolvimento.
"Fronteiras invisíveis"
Diante de tantos problemas, os moradores dos residenciais no bairro Bom Jardim também temem pela vida deles. O então governador Camilo Santana prometia, na ocasião da entrega das chaves, garantir "tranquilidade e segurança" para os que ali chegavam, mas a fala do gestor não passou de uma promessa, segundo eles.
As pichações nos muros que cercam o conjunto servem como indício da disputa de grupos criminosos por território. Assaltos são frequentes na região, e pessoas já foram mortas por cruzarem as "fronteiras invisíveis" estabelecidas dentro do bairro, conforme as denúncias.
"Tivemos o assassinato de um senhor que esperava o ônibus na parada, isso deve ter pouco mais de um mês, tudo por causa da demarcação de territórios, além dos assaltos que acontecem lá", destaca Sandra Silva.
Questionada, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) respondeu em nota que, entre os anos de 2020 e 2021, foi registrada, na Área Integrada de Segurança 2 (AIS 2) — onde está localizado o bairro Bom Jardim —, uma redução de 25,9% nas ocorrências de Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI) e de 6,8% nos casos de Crimes Violentos contra o Patrimônio (CVP).
De acordo com a nota, entre 2020 e 2021, houve um aumento de 194,5% nas apreensões de entorpecentes na AIS 2. Sobre a realização de ações na região com o objetivo de combater a criminalidade, a SSPDS destacou que o bairro recebeu uma operação policial no último mês de março, além de possuir policiamento diuturno.
Mesmo com os trabalhos realizados pela SSPDS, os moradores da região ainda não se sentem seguros para andarem pelo bairro. "Quem mora aqui não fica na parada de ônibus, por segurança, ficam esperando na esquina e correm em direção ao ônibus quando ele está vindo. Alguns motoristas param, outros não", explica Warley Miranda.
A parada mais próxima fica a cerca de cinco minutos dos residenciais. Após tantos incidentes e mobilização, os moradores conseguiram, por meio da Regional V, juntamente com a Empresa de Transporte Urbano de Fortaleza (Etufor), a extensão de linhas de ônibus até os residenciais. A medida, no entanto, deve ser implementada após conclusão das obras de pavimentação (leia abaixo).
Prefeitura e Governo informam que buscam solucionar problemas na região
Sobre os problemas relatados pelos moradores, a Prefeitura de Fortaleza informou, por meio de nota, que os residenciais estão sendo beneficiados com ações de melhorias de infraestrutura. No momento, intervenções estão sendo realizadas nas ruas Pereira Barbosa, Jardim do Éden e Andreia Soares, localizadas no entorno dos conjuntos habitacionais.
O local também está recebendo o Projeto Bairro Mais Verde, que, em parceria com a Autarquia de Urbanismo e Paisagismo de Fortaleza (URBFor), tem o objetivo de envolver a comunidade no plantio de mudas frutíferas, nativas, ornamentais e gramas nas calças ou quintal.
Sobre as linhas de ônibus que passarão a contemplar o local, a Prefeitura ressalta que a Etufor irá prolongar o itinerário das linhas 357 - Cj Ceará/Granja Lisboa, 337 - Jardim Jatobá/Siqueira I e 387 - Jardim Jatobá/Centro, de forma a melhor atender a comunidade.
Em nota, a Prefeitura destacou que, entre agosto de 2020 e dezembro de 2021, apesar da pandemia, o residencial Heloneida Studart recebeu, por meio da Secretaria Municipal do Desenvolvimento Habitacional (Habitafor), um trabalho social. Cerca de 149 atividades foram realizadas, voltadas para pautas como empreendimento, Educação Ambiental e Patrimonial, Mobilização Social e, principalmente, iniciativas de Desenvolvimento Socioeconômico.
Já o Governo do Estado, por meio da Secretaria das Cidades, informou que os empreendimentos Ana Facó e Heloneida Studart não previam em seus contratos a Matriz de Responsabilidade ou RDD - Relatório de Diagnóstico da Demanda por Equipamentos e Serviços Públicos e Urbanos porque não têm mais de 500 unidades: "são empreendimentos pertencentes ao programa Minha Casa Minha Vida, do Governo Federal, separados em contratos diferentes e que possuem 288 unidades cada um".
"Como ao ente público que aportava recursos era facultada a indicação da demanda, a Secretaria das Cidades pactuou com a Prefeitura de Fortaleza essa indicação, ficando a Prefeitura responsável pela demanda do Residencial Heloneida Studart e o Estado, pela do Residencial Ana Facó, bem como os respectivos Trabalhos Técnicos Sociais de cada empreendimento. Ambos estão inseridos no mesmo contexto urbano do município de Fortaleza", informa a nota da Secretaria das Cidades.
O Estado, ainda conforme a nota, "está em vias de contratação do Trabalho Social do Residencial Ana Facó". "Essas ações são fundamentais para diagnosticar as necessidades atuais da população que foi atendida nos dois empreendimentos e demandar aos órgãos públicos envolvidos, dentro das suas competências, outras ações que resultem tanto no atendimento das necessidades básicas como na melhoria de vida dessa população", completa.